Pôncio Pilatos lava suas mãos durante a decisão de impor a Jesus Cristo a pena de morte
Pôncio Pilatos lava suas mãos durante a decisão de impor a Jesus Cristo a pena de morte. Crédito: Arabson

Como Jesus seria julgado hoje pela Justiça brasileira?

Jesus teve o julgamento mais injusto da história, considerando as próprias leis hebraicas e romanas da época; com base nas leis atuais brasileiras, como seria o julgamento dele?

Tempo de leitura: 7min
Vitória
Publicado em 30/03/2024 às 07h00

O que aconteceria com Jesus de Nazaré se ele tivesse sido acusado dos mesmos crimes, mas nos dias de hoje? Haveria a mesma condenação e ele receberia uma pena tão severa? Na avaliação do advogado, professor de Direito e autor de um livro sobre o julgamento de Jesus, Roberto Victor Pereira Ribeiro, o cenário seria outro e Jesus não chegaria nem mesmo a ser condenado.

Bem diferente dos fatos ocorridos no passado, cujo julgamento foi marcado por uma série de ilegalidades, como revelou reportagem publicada por A Gazeta na última sexta-feira (29). De acordo com especialistas da História do Direito, convidados a fazer uma análise histórica e jurídica do assunto, não há dúvidas de que a pressa levou ao desrespeito das leis hebraicas e romanas da época em que Jesus vivia, impedindo um julgamento justo. Na ocasião, ele foi preso, interrogado, julgado, condenado e executado em menos de 24 horas. Uma rapidez que até hoje assombra estudiosos do Direito Romano e Hebraico, advogados, juristas e professores.

Na avaliação do professor Roberto Victor, o processo contra o nazareno nem sairia do papel. “É um processo tão atentatório aos preceitos de convivência jurídica e humana que não sairia do papel. O Ministério Público nem acusaria, por falta de elementos de acusação nos comportamentos de Jesus. Mas ainda que o fizesse, o juiz nem acolheria, já encerraria no primeiro despacho.”

Fato reforçado pelo promotor Rodrigo Monteiro, que atua no Tribunal de Júri. Ele explica que hoje, para que uma denúncia seja recebida pelo Poder Judiciário, é necessário que a chamada imputação delituosa (descrição dos crimes) esteja claramente delineada. 

Rodrigo Monteiro

Promotor do Ministério Público que atua  no Tribunal de Júri

"Sequer é permitido ao magistrado receber denúncias (acusações) com fatos genéricos. A ausência de uma acusação lastreada em fatos objetivos e claramente definidos viola de morte os princípios do contraditório e da ampla defesa"

SEM CLAREZA

À época de Jesus, não havia muita clareza sobre as acusações a ele atribuídas, uma vez que não foram formalizadas, mas para os judeus o crime era de profanação do sábado e ainda o de invocar o poder de Deus para si (blasfêmia). Ao juiz romano, Pôncio Pilatos, foi dito que Jesus incitava o povo judeu ao não pagamento de imposto a César, se autodenominava rei dos judeus e era insurgente contra o poder local. E foi por este último, considerado um crime grave contra a ordem pública, que ele acabou sendo condenado.

Outra curiosidade apontada pelo professor Ribeiro é que, se o processo de Jesus tivesse conseguido avançar nos dias de hoje e chegasse a uma condenação, mesmo com todas as ilegalidades, Jesus não seria condenado a uma pena tão severa. 

Roberto Victor Pereira Ribeiro

Advogado, professor de Direito e autor de um livro sobre o julgamento de Jesus

"No Brasil, não permitimos pena de morte, salvo em períodos de guerra. Então, se fosse condenado, seria preso por no máximo 30 anos, que é o que a lei de execução penal permite, mesmo que a pena tenha sido de 200 ou 300 anos"

Outro ponto diz respeito à rapidez com que foi feito o julgamento de Jesus, preso às 23 horas da quinta-feira e teve a sua execução por crucificação concluída no dia seguinte, sexta-feira, às 15 horas. “Foi o julgamento mais rápido da história da humanidade, em menos de 24 horas. E violando todas as recomendações, as prescrições e legislações antigas, modernas e futuristas”, destaca o professor Ribeiro.

E mesmo com os avanços tecnológicos, ainda assim seria difícil alcançar a mesma rapidez, observa o professor Ribeiro. “Direito é tempo, espaço e sociedade, e se a sociedade avança, as leis têm que avançar com ela, mas ainda assim não vamos ter um processo tão rápido como o de Jesus, mesmo com toda a tecnologia que temos".

Roberto Victor Pereira Ribeiro

Advogado, professor de Direito e autor de um livro sobre o julgamento de Jesus

"E porque um processo é uma vida humana em papel e não podemos brincar com a vida humana. É melhor inocentar um culpado do que culpar um inocente"

SEM DEFESA

Uma pressa que impediu algo que não seria permitido nos dias de hoje, o tempo para que o réu tenha a sua defesa viabilizada, como explica o promotor Rodrigo Monteiro.

“Como o interrogatório ocorreu logo após a prisão, não foi oportunizado tempo hábil para realização de sua defesa. Isso viola o contraditório e a ampla defesa, em cujo âmbito habita o devido processo”, assinala, acrescentando ainda que “a ausência de defesa técnica (ou mesmo a apresentação de uma defesa técnica inapropriada) não são admitidas hoje”, acrescenta o promotor.

Um detalhe importante diz respeito à prisão perante a legislação brasileira atual. Segundo o promotor, ela só pode ser cautelar (as chamadas prisões temporárias e preventivas), em razão de sentença penal condenatória já transitada em julgado ou em flagrante.

“Trazendo os fatos históricos para os dias atuais, apenas poderíamos falar em legalidade da prisão nessas condições. Pelas passagens bíblicas tenho certa dificuldade em enxergar qual foi o crime cometido por Jesus que justificasse sua prisão. Não sei informar se essa ordem emanada pelo sacerdote poderia ser compreendida como ordem judicial”, pondera.

Jesus é agredido, torturado e atacado por soldados e populares antes de sua crucificação. Crédito: Arabson
Jesus é agredido, torturado e atacado por soldados e populares antes de sua crucificação. Crédito: Arabson

EXTERNAS

Para o criminalista e mestre em Direito, Estado e Cidadania, Fabrício Campos, os aspectos históricos e jurídicos da condenação de Jesus deixam outras lições para os dias de hoje. Uma delas diz respeito a um sentimento muito comum na sociedade atual: a sensação de impunidade e por conta dela o desejo de punir mais. 

Fabrício Campos

Advogado criminalista e mestre em Direito, Estado e Cidadania

"Essa profusão de percepções como fundamentos da vontade de punir (e de matar) comparece hoje na moeda fácil que nós chamamos de sensação de impunidade. Com receio de que estejamos punindo menos do que deveríamos, a opinião pública passa a ser inundada pelo discurso de que a condenação é um fim em si mesmo e a justiça da condenação passa a ser considerada um valor posto em segundo plano"

Outra ponderação do criminalista advém da observação da influência exercida pelo público presente à condenação de Jesus, e de parte da cúpula dos sacerdotes hebreus que lá estavam, em relação ao julgador romano. Naquele momento, Pilatos, que não estava convencido sobre os crimes cometidos por Jesus, instigou os populares sobre que decisão deveria tomar em relação ao réu, mas este mesmo público estava sendo influenciado pelos sacerdotes a optarem pela crucificação.

“Não temos perante o imperador uma manifestação dos que ouviram os dois lados, mas uma manifestação pública que ouviu a instigação realizada pelos que tinham interesse no resultado do julgamento”, destaca Campos. O resultado deste interesse foi a condenação por crucificação.

Trazendo esta avaliação para os dias de hoje, Campos destaca a popularização do processo penal e a chamada midiatização dele, ou seja, divulgação na mídia das acusações. “Se não forem observadas com cuidado, elas realizam o papel de instigar a opinião de maneira unilateral com relação aos acusados ou o caso, sem que ocorra uma análise mais ponderada ou ampla sobre os diferentes aspectos da verdade que são levados para um processo. E acaba sendo um elemento nocivo para o julgador”, observa, lembrando casos recentes em que isto ocorreu, como os da Operação Lava Jato.

HISTÓRIA ENSINA

Campos avalia ainda que os eventos que retrataram o julgamento de Jesus, e muitas outras execuções e os chamados julgamentos até de cartas marcadas ou de execuções sumárias que utilizaram-se do sistema de justiça, formam um arcabouço de lições das democracias modernas para impedir que os sistemas de justiça voltem a cometer os mesmos erros do passado.

Fabrício Campos

Advogado criminalista e mestre em Direito, Estado e Cidadania

"O julgamento de Jesus não se inscreve de maneira única num rol de enormes erros históricos. Temos uma infinidade de outros julgamentos sumários e outro erros e atrocidades que formam leis que impedem que situações como esta, de maneira idêntica ou próxima, se repitam. Do ponto de vista jurídico, vejo como uma lição importante de apelo que se deve ter aos institutos democráticos que fundamentam o processo moderno"

Outro ponto que afeta os dias atuais e que deve nos servir como alerta, segundo Campos, trata do desrespeito à Constituição Federal e as leis que estão de acordo com ela, e que apontam que as garantias previstas nestas legislações como empecilhos ao combate a criminalidade. “Como se o combate ao crime ou a investigação só pudesse prevalecer de maneira eficiente se diminuirmos os pressupostos para se condenar, se diminuirmos os direitos que a Constituição garante a todos os cidadão”, pontua.

AS ILEGALIDADES COM BASE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

  . Crédito: Arabson
. Crédito: Arabson

Abaixo, professores e juristas fizeram uma análise do que foi desrespeitado no julgamento de Jesus considerando o dias de hoje, com base na legislação brasileira. Análise jurídica e histórica também apontam que o julgamento de Jesus foi o mais injusto da história, considerando as próprias leis hebraicas e romanas, à época do fato.

Abusos vedados

 1.  Jesus só poderia ser preso se fosse em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária.

 2.  Não poderia ter sido conduzido algemado, o que só é permitido nos casos de resistência ou perigo à integridade física.

 3.  Agressões durante os interrogatórios ou investigações são proibidas.

 4.  Não é permitido tribunal de exceção, como o que ocorreu na casa de do sacerdote Anás, que não tinha competência para realizar o ato.

 5.  Jesus também não poderia ser privado de liberdade sem o devido processo legal, e na ocasião não houve nada formal, como era exigido pelas leis romanas.

 6.  Jesus não teve direito a ampla defesa.

 7.  Foram registrados falsos testemunhos.

 8.  Não houve clareza sobre as acusações e nem descrição clara dos crimes dos quais ele foi acusado.

 9.  Se fosse condenado no Brasil, não receberia uma pena de morte, só permitida em tempos de guerra.

 10.  No relato dos evangelhos podem ser identificados crimes de calúnia, praticados inclusive por autoridades. Na legislação brasileira é crime caluniar alguém atribuindo-lhe falsamente crime.

 11.  Não teve nenhum defensor e o julgamento poderia ser até anulado.

 12.  Houve crime de tortura contra o réu.

 13.  Foi submetido a mais de um julgamento por fato semelhante.

Fonte: Criminalistas, professores e juristas entrevistados pela reportagem e livros sobre o Julgamento de Jesus.

*Reportagem originalmente publicada em 19 de abril de 2019.

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