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Publicado em 17 de setembro de 2025 às 16:55
Alvo de um processo de reintegração de posse, a área ocupada por quilombolas em Itaúnas, no município de Conceição da Barra, no Norte do Espírito Santo, pode ter sido adquirida de maneira irregular pelo antigo Grupo Aracruz Celulose — que já foi Fibria e, agora, é Suzano — ainda na década de 1970. É o que aponta o Ministério Público Federal (MPF) em ação que solicita a nulidade do título de domínio de terras devolutas na região. A empresa foi condenada em primeira instância, mas recorreu da decisão e ressalta que não tem nada que a impeça de usar e proteger o terreno. >
A ação de reintegração chegou a ser marcada para a última terça-feira (16), mas foi suspensa na véspera, na noite de segunda (15), pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). >
A investigação sobre a compra do terreno foi aberta em 2015, quando a empresa ainda se chamava Fibria (a fusão com a Suzano seria formalizada quatro anos depois), e apontava, segundo o MPF, para uma fraude para aquisição de terras devolutas (áreas públicas). De acordo com a denúncia, formalizada em 2021, alguns funcionários da multinacional teriam obtido os terrenos do governo do Estado, com base na legislação da época que favorecia a concessão, e pouco depois transferido para a empresa. Em alguns casos, o repasse aconteceu apenas dias depois. >
Segundo a ação, os requerimentos de legitimação de posse por empregados ocorreram entre os anos de 1973 a 1975.>
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O MPF destaca que as supostas irregularidades na legitimação de posse de terras devolutas foram identificadas em 2002, durante uma investigação de questões ligadas ao licenciamento da expansão das indústrias e problemas no licenciamento de plantios envolvendo a presença da Aracruz Celulose. Apurou-se, à época, que teria havido ocupação indevida em terras devolutas habitadas por quilombolas em São Mateus e em Conceição da Barra. >
O juiz federal Nivaldo Luiz Dias, da 1ª Vara Federal de São Mateus, reforça que a prática irregular teria ocorrido a partir de um acordo entre empresas do Grupo Aracruz Celulose e alguns de seus funcionários. "Os empregados, a pedido da empresa, fizeram declarações falsas perante o órgão responsável pela regularização fundiária à época", resume o magistrado, em sua decisão de outubro de 2021. A ação reproduz depoimentos de ex-funcionários que sustentariam a denúncia do MPF. >
Nivaldo Dias ressalta, ainda, que a propriedade dos remanescentes de quilombos sobre suas terras é um direito constitucional fundamental, necessário para assegurar existência digna, livre e igual, e que independente da titulação de terras. Ele ainda faz referência ao artigo 17 do Decreto 4.887/03, que estabelece que o título de propriedade respectivo deve ser "coletivo, pró-indiviso, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade e de impenhorabilidade".>
Na sentença, o juiz declarou a nulidade dos títulos de domínio de terras devolutas concedidas pelo governo do Estado à Aracruz (hoje Suzano); condenou o governo do Estado a conceder a titulação das terras que forem revertidas ao patrimônio público para os remanescentes dos quilombos; e condenou o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a não conceder financiamentos à empresa para desenvolvimento de atividades nas áreas relacionadas na ação. >
Por meio de nota, a Suzano afirma que "é legitima proprietária das áreas inseridas nas mencionadas ações e continuará defendendo seus direitos judicialmente para demonstrar a legalidade e regularidade das aquisições de terras realizadas no passado" (leia texto na íntegra ao final da matéria).>
Com a decisão, a empresa recorreu ao Tribunal Regional Federal - 2ª região. E foi de lá que partiu a solicitação de conflito de competência, apresentado pelo desembargador André Fontes ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acatou o pedido e, assim, determinou, na noite de segunda-feira (15), a suspensão da reintegração de posse que havia sido concedida pela Justiça estadual e estava marcada para as 6h da última terça.>
O presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, recebeu o pedido apenas na segunda. Em sua decisão, pontuou que, em vista da excepcionalidade e urgência do caso, dos fundamentos apontados sobre a competência da Justiça Federal na deliberação sobre a natureza da área, e a bem da preservação das famílias que ocupam o local, considerou prudente suspender a ordem de desocupação proferida pela 1ª Vara Cível de Conceição da Barra. A suspensão vale até que o relator do conflito de competência, que ainda vai ser sorteado, manifeste-se sobre o caso. >
"Ganhamos mais um fôlego e a Suzano não vai poder tomar aquele espaço", ressalta Graciandre Pereira Pinto, advogada do coletivo Terra do Bem, que atua na região para apoio às comunidades tradicionais. >
Sobre a reintegração de posse, a Suzano diz ter recebido com estranheza a decisão e apresenta um histórico da tramitação do caso. Em relação à ação civil pública, proposta pelo MPF, pontua que não há decisão final reconhecendo a nulidade dos títulos. Confira, na íntegra, o que afirmou a empresa sobre cada situação:>
O que diz a Suzano sobre a ação do MPF
A Suzano esclarece que as Ações Civis Públicas (ACPs) ajuizadas pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2013 e 2015 tratam de suposta nulidade de títulos de propriedade de áreas localizadas no Norte do Espírito Santo, sendo certo que em 2024 o julgamento do recurso de Apelação, no TRF2, foi reiniciado de forma que não há qualquer decisão final que reconheça a nulidade de títulos, determine a transferência das áreas às comunidades quilombolas e, ainda, impeça o uso das áreas pela companhia ou a proteção de sua posse.
Importante mencionar que a Suzano é legitima proprietária das áreas inseridas nas mencionadas ações e continuará defendendo seus direitos judicialmente para demonstrar a legalidade e regularidade das aquisições de terras realizadas no passado.
Ainda, não há procedimento demarcatório e/ou desapropriação em favor de comunidades quilombolas concluídos em relação a áreas detidas e/ou possuídas pela Suzano no Norte do Espírito Santo.
A Suzano detém direitos legítimos sobre as áreas de seu domínio, posse e propriedade na exata medida em que inexiste qualquer ato judicial definitivo, ato de aquisição, demarcação e/ou desapropriação contra propriedades da empresa, de forma que acredita na reforma da decisão proferida pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O que diz a Suzano sobre a reintegração
“A Companhia informa ter recebido com estranheza a suspensão da liminar de Reintegração de Posse antes deferida pela Justiça Estadual do Estado do Espírito Santo (na Ação nº 5000217-74.2024.8.08.0015) proferida no final da segunda-feira (15/09) pelo ministro Herman Benjamin.
Causa perplexidade o contexto dessa decisão, uma vez que foi proferida após 10 anos de tramitação judicial (ação iniciada setembro de 2015) e, ainda, sem a devida atenção às manifestações de diversas autoridades federais já apresentadas nos autos:
O INCRA, em 25/03/2019 apresentou manifestação informando que a área não está inserida em território de pretensão quilombola e a Fundação Cultural Palmares, em 07/10/2022, afirmou não deter expertise para realização da identificação das áreas contidas nas matrículas imobiliárias, devendo prevalecer o entendimento do INCRA.
A Justiça Federal, em 28 de novembro de 2023, reconheceu a ausência de interesse jurídico da Fundação Cultural Palmares e/ou do INCRA na ação e, assim, declarou sua incompetência processual, uma vez que ali já estava comprovado que os invasores da área não pertenciam a comunidades quilombolas certificadas ou reconhecidas.
A tentativa de reconhecimento posterior e intempestivo dos invasores como quilombolas, sem adequado respaldo técnico e jurídico e em contradição com manifestações anteriormente apresentadas no processo, configura grave afronta à segurança jurídica, à boa-fé processual e ao princípio da confiança legítima.
Tal conduta, além de gerar instabilidade institucional, coloca em risco o cumprimento de decisão judicial regularmente proferida, que determinou a reintegração de posse em favor da Suzano.
A companhia acredita na reversão da decisão recentemente proferida e reafirma seu compromisso com o respeito às comunidades tradicionais e com o cumprimento rigoroso das decisões judiciais. Reafirma, ainda, que cumpre rigorosamente a legislação brasileira e continuará conduzindo suas atividades de forma a contribuir com o desenvolvimento sustentável do país e do Estado do Espírito Santo.”
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