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Anomalia magnética no Sudeste do Brasil pode interferir em satélites

Anomalia magnética no Sudeste do Brasil pode interferir em satélites

A fim de entender mais sobre o assunto, a reportagem de A Gazeta conversou com três especialistas na área para entender o que é a Anomalia Magnética do Atlântico Sul (Amas); veja

Publicado em 26 de abril de 2021 às 17:05

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Intensidade do campo magnético
Intensidade do campo magnético. (Reprodução | European Space Agency)

Uma espécie de defasagem na proteção magnética da Terra, localizada sobre o Atlântico Sul do Brasil, especificamente nas regiões Sul e Sudeste do país está intrigando cientistas e especialistas que estudam o campo magnético do planeta. Com curiosidades e a fim de entender mais sobre o assunto, a reportagem de A Gazeta conversou com três especialistas na área para saber: impactos dessa anomalia serão sentidos no Espírito Santo? Afinal, o que é a Anomalia Magnética do Atlântico Sul (Amas)?

Elder Yokoyama, bacharel em geologia, doutor em geofísica e professor do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB) explicou de forma bem didática do que se trata. "Nosso planeta tem um campo magnético utilizado para navegação há séculos, para as bússolas e outros equipamentos. Esse campo terrestre se comporta mais ou menos como se fosse um campo magnético. Claramente falando: como se um ímã de barra estivesse centrado no núcleo da Terra", detalhou.

Yokoyama especifica que, em contrapartida, outros componentes não respeitam essa configuração, chamada de dipolo. "Um dos componentes é a anomalia. O padrão seria o dipolo, e ela é chamada de anomalia porque não respeita essa geometria do dipolo. Esta é uma anomalia de intensidade alta. Aqui a intensidade do campo magnético nessa região, que pega parte do Sudeste agora, ela é de intensidade mais baixa", especificou o doutor em geofísica.

QUAIS PROBLEMAS ELA GERA?

Yokoyama definiu a anomalia, de forma clara, como se fosse um buraco no escudo do campo magnético da Terra. Questionado se isso pode gerar algum problema para os seres humanos, o estudioso explica.

"Isso não nos afeta, nós, seres humanos. O que vai afetar? Navegação dos satélites. Satélites que passam em cima dessa anomalia podem sofrer falhas. É como se fosse um buraco que puxa um pouco dessa energia, desse material particulado que bate no nosso campo dipolar. Acaba que gera anomalia e falha de satélite, por exemplo. Isso é ruim porque a gente perde alguns dados de satélite e coisas do tipo", disse.

Dr. Wilbor Poletti da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), especialista na anomalia do Atlântico Sul, acrescenta que a Terra é formada por diferentes camadas a partir da superfície até seu centro, e detalha que na sua porção central existe o núcleo terrestre, que, por sua vez, é subdividido em núcleo externo e interno.

Ele explica que ambas as camadas que compõe o núcleo da Terra são compostas essencialmente por ferro. No entanto, o núcleo interno encontra-se no estado sólido e o núcleo externo no estado líquido. "O dinamismo existente nessa porção líquida do núcleo faz com que haja uma movimentação de cargas elétricas em grande escala. Consequentemente, essa movimentação de carga elétrica gera o campo magnético da Terra. Uma grande parte dessa movimentação ocorre de forma relativamente ordenada, e isso implica na parcela dipolar do campo magnético da Terra", detalha.

O surgimento da Amas se dá ao considerarmos que existem heterogeneidades (elementos ou partes de natureza diferentes) nas camadas que circundam a porção líquida do núcleo. "Há regiões em que sua movimentação sofre perturbações, implicando no surgimento de anomalias como a Amas. Nesse sentido, cabe salientar que a dinâmica da porção líquida do núcleo é algo que ocorre há muito tempo, e isso implica dizer que o campo magnético da Terra, bem como a Amas, são fenômenos que variam constantemente ao longo da história do nosso planeta", detalhou o doutor.

Precipitação de partículas na AMAS
Precipitação de partículas na Amas. (Reprodução | Advancing Earth and Space Science)

HISTÓRIA ANTIGA...

Apesar de parecer novidade, Wilbor compartilha que, baseado em análises do campo magnético antigo da Terra, do qual é registrado em materiais arqueológicos e geológicos, a Amas conhecida hoje (em termos de comportamento e localização geográfica) é uma feição que existe há pelo menos 11 milhões de anos.

Ou seja, essa anomalia resulta de uma feição antiga na estrutura da Terra, que há anos perturba a dinâmica da porção líquida do núcleo. O que ainda não se sabe bem é há quanto tempo ela existe e o seu intervalo de recorrência ao longo do tempo geológico.

E O ESPÍRITO SANTO? ONDE ENTRA NA HISTÓRIA?

Wilbor relata que a base de dados utilizada para monitoramento da Amas é muito ampla e continua aumentando. Ele afirma que atualmente, existe uma extensa rede mundial de observatórios e alguns satélites em órbita que coletam dados constantemente. No entanto, em relação ao passado, o conhecimento ainda é muito restrito.

"Em termos de território brasileiro, e para os últimos séculos, nós temos informações a partir de amostras coletadas na Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Embora não haja informações diretas sobre o passado da Amas no Espírito Santo, é válido ressaltar que existem modelos matemáticos que nos permite visualizar a influência da Amas como um todo e que há uma grande perspectiva para realização de estudos em amostras arqueológicas e geológicas desse Estado", avaliou o especialista.

Por fim, Wilbor contou que, naturalmente, esse assunto gera diversos questionamentos e inseguranças, mas que o mais importante é que os especialistas continuem a entender melhor essa feição tão interessante para nos prevenirmos de possíveis influências negativas.

FICOU COMPLICADO DE ENTENDER?

Se sentiu um peixe fora d'água no meio de um bate-papo de especialistas? Marcel Nogueira de Oliveira, pesquisador de pós-doutorado do Observatório Nacional, que faz parte do grupo Magnetic Observatories, Stations And Integrated researCh (Mosaic), da mesma instituição, resume de forma clara.

A Amas é, então, uma região do campo magnético da Terra que é "anormalmente" enfraquecido. O especialista explica que é nessa região que o campo magnético do nosso planeta é mais fraco, possuindo um valor inferior e intensidade na parte central.

Ele resume que a anomalia está situada numa região que compreende a América do Sul, passando pelo Oceano Atlântico e se estendendo até a costa da África. A região central está localizada entre o Sul e o Sudeste brasileiro. 

Marcel relata que a Amas não impacta essas regiões diretamente, e diz que todos nós podemos ficar tranquilos quanto a isso. No entanto, reforça que tempestades magnéticas possuem efeitos amplificados na região da Amas, e que os especialistas precisam ficar atentos.

"As tempestades magnéticas possuem intensidades diferentes. Segundo a agência americana National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), que monitora o clima espacial, as tempestades mais fracas podem causar pequenas desorientações em animais, como aves migratórias, que se orientam através campo magnético da Terra. Porém, as tempestades mais severas podem causar prejuízos em satélites e naves espaciais, além de sérios problemas nas redes elétricas", concluiu.

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