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Lana Del Rey se firma como poeta millennial do apocalipse em disco

Lana Del Rey se firma como poeta millennial do apocalipse em disco

Cantora que despontou com pop retrô e modorrento canta a melancolia dos anos Trump e da pandemia em 'Blue Banisters'

Publicado em 22 de outubro de 2021 às 08:02

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A cantora Lana Del Rey
A cantora Lana Del Rey. (Instagram/@lanadelrey)

Em "Arcadia", Lana Del Rey apresenta seu corpo como o mapa de Los Angeles, enquanto fala de suas curvas como se fossem a serra de San Gabriel, e de suas artérias como as estradas que levam até a cidade que dá nome à música. Ela se diz uma "garotinha perdida", e busca algum tipo de fuga de um período turbulento.

Não é possível saber se essa turbulência é o ano e meio de pandemia, a era Trump ou apenas um relacionamento mal-sucedido. Fato é que, em seu novo disco, "Blue Banisters", Lana Del Rey parece sentir que o mundo ao seu redor vai acabar a qualquer momento, indo mais a fundo no retrato melancólico e sarcástico da decadência americana que marcou os seus últimos discos.

"Se este é o fim, quero um namorado", ela canta em "Black Bathing Suit", canção que dá o tom do álbum, conforme ela descreve um momento de isolamento social, usando o Zoom, bebendo granadina e em que "a única coisa que continua cabendo em mim é meu roupão preto". Del Rey encara a incompatibilidade de um relacionamento enquanto fala freudianamente sobre problemas paternos.

"Blue Banisters", o segundo disco lançado pela cantora neste ano, funciona quase como um complemento do antecessor, "Chemtrails Over the Country Club". Desta vez, ela trata um pouco mais de questões pessoais, em faixas que parecem ter sido todas feitas durante o período de isolamento da pandemia.

Se em "Norman Fucking Rockwell", de 2019, a desilusão era com a era Trump nos Estados Unidos, agora a pandemia é mais um ingrediente no apocalipse iminente que ronda a estética de Del Rey. Mas a capacidade da compositora de capturar a melancolia millennial americana parece intacta.

Desde 2012, quando se mudou de Nova York para a Califórnia –estado que transformou em uma espécie de musa em sua obra– e despontou na música, Del Rey nunca foi tão levada a sério. No começo, era tratada como uma espécie de piada, enquanto estourava com o pop retrô e modorrento de músicas como "Video Games" e declarações polêmicas na imprensa.

Em 2017, para "Lust for Life", ela tentou se enquadrar numa sonoridade eletrônica mais moderna, com acenos para o trap e colaborações com rappers como A$AP Rocky e Playboi Carti. Mas foi no trabalho seguinte, "Norman Fucking Rockwell", que ela enfim ganhou o aval da crítica, foi indicada ao prêmio de álbum do ano no Grammy e passou a ser respeitada enquanto compositora.

É como se do glamour melancólico e hedonista, da vida selvagem e dos excessos dos primeiros discos, tivesse sobrado apenas a melancolia, a poesia e o sarcasmo. De certa forma, a desilusão também acompanha boa parte de seu público, que também cresceu e, quase dez anos depois, vê apenas a sombra de uma vida libertina e cheia de esperanças.

Com o álbum de 2019, Del Rey foi alçada ao posto de compositora que melhor captou a angústia dos últimos anos nos Estados Unidos. De fato, cheio de ironias, bom humor e referências à cultura pop do país, o álbum traz personagens perdidos e encapsula o sentimento de estar vivo em meio aos destroços de um glamour de outrora.

Os versos de "The Greatest" são os que mais bem representam o momento. "E eu estou perdida/ Não vá embora, eu só preciso que alguém me dê uma real/ Estou encarando a maior/ A maior perda de todas/ A cultura é incrível e, se for só isso mesmo, eu tive meu momento/ Mas acho que estou exausta depois de tudo/ Se for só isso, vou despedindo [...] Los Angeles está em chamas, está ficando quente/ Kanye West está loiro e esquecido/ 'Life On Mars' não é apenas uma música/ Ah, a live está quase começando."

Nos dois trabalhos seguintes, Lana expande esse sentimento de desilusão sarcástica. "White Dress", principal faixa de "Chemtrails Over the Country Club", ela soa nostálgica enquanto canta sobre uma jovem garçonete que trabalha no turno da noite. Em meio a sussurros e uma melodia crescente, lembra de bons momentos do passado –ela tem 36 anos–, como "ouvir White Stripes/ Quando eles estavam bombando/ Ouvir rock o dia inteiro."

Agora, com "Blue Banisters", Del Rey grita que não quer viver em "Dealer", condena um homem que tenta mudá-la em "Violets For Roses" e convida o ouvinte para sua intimidade em "Wildflower Wildfire". "Meu pai nunca fazia nada quando a mulher dele brigava comigo/ Então acabei estranha mas doce", ela canta na faixa.

Um tema recorrente da música –e de todo o disco– é quando Del Rey tenta controlar seu lado selvagem sem apagá-lo por completo. E em meio à tristeza latente, há a consciência de sua capacidade como artista. "E se alguém pedisse a Picasso para não ser triste? Eu nunca saberia quem ele era ou o homem que se tornou", ela canta em "Beautiful", quando diz que consegue transformar dor em beleza.

Musicalmente, "Norman Fucking Rockwell" consegue ser mais completo, apesar de ancorado em melodias de violão e piano. Os dois álbuns mais recentes –que certamente seriam mais interessantes caso suas faixas fossem cortadas e unidas em um único disco– mantêm o formato piano e voz, cada vez mais no estilo cantautora, mas fazendo com os discos soem maçantes para o ouvinte mais desavisado.

A esta altura da carreira, o apelo de Del Rey está em sua voz peculiar e, principalmente, em suas letras –muito mais do que na estética no entorno dela. Ao conseguir cantar o sentimento de um tempo, a artista se firma como uma das compositoras mais relevantes dessa decadência americana, uma espécie de poeta millennial debochada do fim do mundo.

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