Prepare-se para uma overdose (no bom sentido, é claro!) de Alceu Valença. Um dos símbolos da cultura nordestina, o pernambucano, atual queridinho do público jovem, terá duas apresentações no Espírito Santo nos próximos dias.
Na sexta (18), marca presença no Exagerado Show, que acontece no Pavilhão de Carapina, na Serra. No dia 26 de outubro, chega a vez de Domingos Martins conferir o talento do cantor. Ele é uma das atrações do Festival Ambiental e Cultural das Montanhas Capixabas, que rola em Pedra Azul.
Os fãs do forrozeiro podem esperar uma apresentação nostálgica, marcada por clássicos, como Cabelo no Pente, Táxi Lunar e Coração Bobo. Além disso, no set list, Valença reserva uma homenagem especial (e sentimental) aos mestres do gênero, Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro.
Empolgado e falante, como de costume, Alceu Valença conversou com A Gazeta sobre as apresentações. Durante o bate-papo, assuntos atuais, como a crise no mercado fonográfico e a censura.
Além disso, falou sobre o sucesso de "Anunciação" junto às torcidas de futebol, tanto no Brasil como no exterior, e seu apelo com os mais jovens nas redes sociais. O público do cantor, pelo que parece, está cada vez mais rejuvenescido.
Me apresentar no Espírito Santo é sempre uma reinvenção. O Estado sempre foi um dos principais polos do chamado forró universitário, no final dos anos 1990, e permanece como um dos locais mais importantes para o gênero fora do Nordeste. Hoje, o forró ganhou muitos adeptos e há festivais dedicados ao gênero em diversos países: Portugal, EUA, Canadá, Alemanha, Espanha, até na Rússia. Mas o Espírito Santo talvez seja o grande vetor do gênero, no que ele tem de mais verdadeiro, na essência das raízes que o constituem. Nada a ver com um tipo de música que se faz hoje e que chamam de forró, mas que não possui qualquer relação com o forró de Luiz Gonzaga e de Jackson do Pandeiro. Forró de verdade tem que ter sanfona, zabumba e triângulo. Neste show, dedico um módulo às músicas de Luiz e Jackson, como Xote das Meninas, Baião, Vem Morena, Pagode Russo, Sabiá e O Canto da Ema. E canto também músicas minhas que dialogam com o gênero como Coração Bobo, Cabelo no Pente, Papagaio do Futuro e Táxi Lunar, entre várias outras.
Não tenho muita ligação com futebol, mas fico feliz que Anunciação tenha se tornado uma espécie de hino nos estádios. Quem começou com isso foi a torcida do Fluminense, que usou a música como canto de incentivo aos jogadores, mais ou menos há uns dez anos. Depois, vieram outras torcidas, como a do time do Paraguai. Fico sabendo por você que também há a torcida de um clube em Vitória que canta a música. Outro dia, eu estava num aeroporto, em São Paulo, quando um grupo de torcedores da seleção brasileira começou a cantar Anunciação com uma letra modificada, que a princípio não entendi bem. Falava em Bebeto e Romário (risos). Depois, me explicaram que adaptaram a letra para apoiar a seleção na Copa América.
Fui convidado a participar do Mundo Bita e gravei a voz em cima do arranjo que o pessoal do programa fez. É uma versão mais lenta e delicada, gostei muito do resultado. Há alguns anos, gravei um DVD só com as minhas músicas da década de 1970 redescobertas por uma nova geração na casa dos vinte anos de idade. E são músicas difíceis, com letras metafóricas (risos). De um tempo pra cá, as crianças também descobriram a minha música. No começo deste ano, teve uma menina de uns 7 anos que viralizou na internet ao aparecer cantando Belle De Jour. Ela se chama Stella Valentina e, às vezes, aparece em meus shows, acompanhada dos pais. A partir disso, muitas outras crianças me mandam vídeos cantando minhas músicas... É sempre bom receber o carinho do público, mas ficava aquela coisa: por que o pai ou o avô são meus fãs e não ele? Agora a coisa mudou. Outro dia, o garçom de um restaurante veio me dizer que o filho dele era meu fã (risos). Claro que isso tem a ver com a maneira como eu me comunico com as pessoas pela internet. Mas também tem a ver com o fato de eu fazer uma música verdadeira, absolutamente brasileira, que não abre mão de sua identidade.
"Coração Bobo" foi o meu primeiro grande sucesso nacional. Andava incompatibilizado com as gravadoras e, em 1979, decidi passar um ano de autoexílio fora do país. Numa noite fria em Paris, comecei a escutar os discos de Jackson do Pandeiro que havia na casa em que eu estava hospedado. Compus Coração Bobo como uma homenagem ao Jackson, inspirado naquela audição. Ao voltar, convidei Jackson para cantar a música comigo no Festival da Tupi. Originalmente, os versos diziam: o coração dos aflitos / explode dentro do peito. Jackson propôs uma modificação decisiva na letra da canção: troque explode por pipoca, sugeriu. E a música ficou: o coração dos aflitos / pipoca dentro do peito. Muito melhor! Ensaiamos e fomos juntos para São Paulo onde interpretamos a canção no festival de música. Fomos eliminados, mas, no dia seguinte, fui convidado por Marco Mazola para ingressar na gravadora Ariola. Em poucos meses, saía o álbum Coração Bobo, puxado pela música título, que logo se tornaria meu primeiro grande sucesso nacional. Até então, minha carreira era marcada por canções metafóricas, que combatiam a censura, uma sonoridade com timbres quase psicodélicos e tal. Não houve censura em "Coração Bobo", mas em Talismã, música que fiz em parceria com Geraldo Azevedo, e São Jorge dos Ilhéus, que compus para a trilha sonora da novela Gabriela, da TV Globo, sim. Na primeira, havia um verso que dizia: Joana, me dê um talismã / viajar. O censor achou que era uma alusão à maconha, que eu nunca usei. Disse que Joana era Marijuana (risos). Daí, eu troquei o nome da personagem por Diana, a caçadora, e a música passou. Na segunda, eu fiz uma letra que falava dos coronéis do cacau e a canção foi proibida. Voltei ao estúdio, gravei uns gritos no lugar da letra e a música entrou na trilha da novela assim mesmo.
Sempre digo que o Brasil precisa redescobrir sua trilha sonora. Só que o mercado mudou muito. Um disco como Cavalo-de-Pau vendeu em torno de um milhão e meio de cópias em 1982. Hoje, vivemos a era do Streaming, em que as pessoas fazem suas playlists, uma dinâmica totalmente digital e segmentada. Antes havia um esquema de divulgação definido, execução de rádio, trilhas de novelas e programas de TV que tocavam os sucessos do momento. Até que, por causa da pirataria, o velho modelo implodiu. Tem muita gente fazendo música de qualidade no Brasil. O problema é que esta produção não é massificada, os artistas falam para seus determinados nichos. Para um artista como eu, com a carreira consolidada, a coisa é diferente. Faço muitos shows no Brasil e no exterior, tenho mais de um milhão e meio de seguidores nas redes sociais.
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