Testemunhas de violência contra a mulher precisam romper o silêncio

Vizinhos de Celina, espancada até a morte pelo marido, relataram ter ouvido seus gritos. Combate a esse problema estrutural também passa pelas denúncias de quem presencia a violência

Publicado em 18/06/2020 às 06h00
Atualizado em 18/06/2020 às 08h56
Celina foi espancada até a morte pelo marido da última sexta-feira (12)
Celina foi espancada até a morte pelo marido da última sexta-feira (12). Crédito: Acervo pessoal

Celina tinha acabado de conseguir o primeiro emprego com carteira assinada, um avanço que, mesmo tão pessoal, conseguiu colocá-la em conexão com outra Celina, a brasileira que em 1928 foi a primeira mulher a votar no país. E isso porque toda conquista feminina merece ser celebrada, principalmente em um país desigual e de oportunidades cada vez mais escassas.

Mas entre o pioneirismo de sua homônima há quase um século e o seu festejado progresso profissional havia a violência de gênero, que nunca deixou de se fazer presente na sociedade. Enquanto Celina Guimarães Viana entrou para a história como sufragista, Celina Conceição Braz, de 25 anos, está agora nas estatísticas de feminicídio, após ser brutalmente assassinada por espancamento pelo seu próprio marido dentro de casa, em Cariacica, na sexta-feira (12).

No último dia 2 de junho, o colunista Leonel Ximenes noticiava neste jornal que o Espírito Santo não registrava nenhum caso de feminicídio desde o dia 28 de março deste ano. Com oito ocorrências em 2020 até então, a redução era de 38,5% em relação aos cinco primeiros meses de 2019.

Os esforços para conter a violência contra a mulher, contudo, não podem se apegar a esses êxitos, requerendo vigilância constante do poder público. Além da legislação mais rigorosa e da disponibilização de canais de denúncias e apoio, a solução é acima de tudo estrutural, e o trabalho, contínuo. Combater o machismo arraigado à sociedade ainda é o maior dos desafios.

A pandemia tem sido uma adversidade sem precedentes para a saúde pública e para a economia, mas trouxe outros problemas associados. Desde o início, houve o temor de que o confinamento pudesse acirrar os casos de violência doméstica. No início de maio, este jornal informou que, desde o início da quarentena no Estado, as denúncias desse crime tiveram uma redução de 18,7% em comparação com o mesmo período do ano passado. Março e abril de 2020 somaram 3.987 casos, enquanto no mesmo período de 2019 foram 4.905. Mas sempre há um fantasma que assombra esses dados, a subnotificação. Principalmente pela vulnerabilidade causada pelo isolamento, com a convivência forçada e a dificuldade de circulação.

Diante dessa possível impotência, são importantes iniciativas como a Operação Maria, realizada pela Polícia Civil no início deste mês em Cariacica e Guarapari para o cumprimento de cinco mandados de prisão contra acusados de violência doméstica e familiar. São ações como essas, de enfrentamento, que podem evitar tragédias ainda mais graves, como a morte sem sentido da jovem Celina.

Assim como a implantação e a divulgação sistemática  de canais de socorro às vítimas, muitas vezes impossibilitadas de pedirem ajuda. O caso da mulher mantida em cárcere privado em Cariacica, que precisou pular do segundo andar para se salvar, expõe a gravidade da violência, de mulheres constantemente intimidadas por seus parceiros. Tratadas como propriedade, sob constantes ameaças.

A violência contra a mulher não pode ser enfrentada com tantos tabus. Meninas devem ser educadas a impor limites, e meninos devem saber quais são eles. Qualquer agressão física, no ambiente familiar, deve ser tratada como caso de polícia, o que nem sempre é simples. E, principalmente, quem testemunha esse tipo de violência deve denunciar.  Os vizinhos de Celina relataram, após o assassinato, que as agressões eram rotina na casa e, inclusive, ouviram seus gritos no dia em que foi morta. Ao chamar a polícia, é possível que se esteja salvando uma vida.

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