Arquiteto, professor da Ufes e diretor do IAB/ES. Cidades, inovação e mobilidade urbana têm destaque neste espaco

Um mundo com tanta terra para tão poucos

Se o homem aprendeu a plantar a terra, também aprendeu a guerrear por ela. Embates que colocaram frente a frente aqueles que defendiam seus lugares contra aqueles que lutavam pela conquista de novos territórios

Publicado em 12/05/2022 às 02h00
Meio ambiente
Assentado sobre um lugar, o homem aprendeu que era preciso tanto compreender e respeitar o seu território, quanto transformá-lo. Crédito: Pixabay

“Como se o arado velho e retorcido percorresse minhas entranhas, lacerando minha carne. Se esvaía toda a coragem de que tentei me investir para viver naquela terra hostil de sol perene e chuva eventual, maus-tratos, onde gente morria sem assistência (...) e as únicas coisas a que tínhamos direito era morar lá até quando os senhores quisessem e a cova que nos esperava fosse cavada.” (“Torto arado”, Itamar Vieira Júnior)

Em algumas culturas, existe a crença de que o homem é parido pela terra em que vive, isto é, ele tanto provém da terra quanto para ela voltará ao fim do seu ciclo terrenal.

É sobre a terra, o chão em que pisamos, que desenvolvemos nossas ações. Não se trata apenas do caminhar, mas sobre ela também deitar, procriar, plantar, divagar...

Vemos beleza no encontro do território físico com o mar, tendo o céu como contraponto a emoldurar a paisagem que nos dá abrigo.

Quando crianças, nos divertimos brincando, correndo em disparada pela terra que nos acolhe, mesmo quando nos desequilibramos, caímos, levamos um tombo, o que provoca um choro ou, quem sabe?, um riso, um sorriso, um monte de gargalhadas.

Assentado sobre um lugar, o homem aprendeu que era preciso tanto compreender e respeitar o seu território, quanto transformá-lo. Tal transformação, porém, se dá dentro dos princípios de respeito e compreensão que moldaram os povos que habitam as terras.

Abriram-se covas para levar água de um lugar ao outro; levantaram-se platôs para melhor se adequarem à topografia; sulcaram o chão, para nele semearem e que dele brotassem alimentos que saciassem a fome; ergueram as mãos aos céus quando veio a chuva e com ela viu-se a terra molhada, os rios cheios, as plantas verdejando.

Mas houve quem decidiu abandonar seu lugar, buscando refúgio noutro território, desbravando matas, rios, oceanos, transpondo montanhas, abrindo trilhas, estradas que o levaram a novas terras a serem ocupadas. Mas, ao final, o objetivo era sempre o mesmo: ter um lugar onde sentir-se seguro, onde pudesse criar sua família e cultivar sua horta.

Se o homem aprendeu a plantar a terra, também aprendeu a guerrear por ela. Embates que colocaram frente a frente aqueles que defendiam seus lugares contra aqueles que lutavam pela conquista de novos territórios.

Entre os muitos desbravamentos ocorridos ao longo da história, teve aquele que trouxe portugueses, mas também franceses e holandeses, por exemplo, à imensa terra hoje chamada de Brasil. E mal chegaram logo se acharam donos de tudo até onde a vista alcançava ou mesmo além dela.

Apesar daquelas crenças sobre o homem ser filho da terra, hoje sabe-se que muita gente nasce e morre sem jamais possuir um pedacinho de chão, um tiquinho que seja.

É certo que uma das transformações proporcionadas pelo mundo moderno foi a invenção do edifício de múltiplos andares, que empilhou as pessoas umas em cima das outras, aumentando a densidade das cidades, mas também dividindo a terra onde tais construções se assentam por uma maior quantidade de gente. Isso gera um maior compartilhamento da infraestrutura urbana, melhorando o desempenho econômico das cidades.

Apesar disso, neste Brasil cada vez mais urbano, muita gente ainda mora em casas, mesmo nas cidades. Muitos possuem a propriedade da terra em que vivem. A maioria, porém, vive em casebre sem nenhum documento que lhes garantam a posse. Construções insalubres, inapropriadas, localizadas em áreas impróprias para a ocupação urbana, como é o caso de beiras de cursos d’água, manguezais ou terrenos acidentados com alta declividade, como muitos morros espalhados por diversas cidades brasileiras.

Em paralelo, há muita gente que ainda reside em áreas rurais, desejando apenas possuir uma roça em que possa morar e plantar algo para comer e até vender, pois assim poderá comprar itens indispensáveis além daqueles colhidos no seu próprio quintal.

Com 8.516.000 km² o Brasil é o quinto maior país do mundo. É terra pra caramba! Uma imensidão! Seja na cidade, seja no campo, bem que dava pra ter um pedaço de terra para pelo menos cada família de brasileiros.

Ah, e a reforma agrária? A regularização fundiária? Nada mais são do que termos abstratos, defendidos por uns, negados por outros, cujo embate político-jurídico-econômico só serve mesmo para deixar tudo como está.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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