Arquiteto, professor da Ufes e diretor do IAB/ES. Cidades, inovação e mobilidade urbana têm destaque neste espaco

Bacurau e Gotham City se identificam no absurdo da violência

Nas cidades das duas produções cinematográficas recentes ocorrem reações e autodefesas, que podem vir na mesma medida ou até potencializadas

Publicado em 10/10/2019 às 05h00
Atualizado em 10/10/2019 às 05h00
A Gotham City do filme "Coringa". Crédito: Divulgação
A Gotham City do filme "Coringa". Crédito: Divulgação

Durante séculos, as artes aspiravam à beleza, ao ponto que as chamadas artes visuais (pintura, escultura e arquitetura) também serem chamadas – no passado – de Belas Artes. Com o advento do Modernismo na virada do século XIX para o século XX, o conceito de beleza passou a ser questionado como atribuição das artes, todas elas, incluindo aí a música, o teatro e a literatura. Daí que hoje boa parte da produção artística já não tem a beleza como referência, mas também o grotesco, o terror, o delírio, a angústia, etc.

Uma das motivações para o surgimento do Modernismo foram as transformações tecnológicas a partir da Revolução Industrial. E foi também neste contexto que surgiu o cinema, denominado como a sétima arte. E, se nos seus primórdios o cinema causou espanto, em função da novidade, logo ele foi aceito pelas populações urbanas em todo o mundo, passando inclusive pela Era de Ouro de Hollywood com os musicais que entretiveram diversas gerações.

Há décadas que a violência, em suas diversas formas, é temática usual no cinema, seja de modo alienado, como nos filmes americanos de ação onde um tiro é dado ou uma bomba explode em cada cena, seja em filmes de caráter denuncista, como o brasileiro “Tropa de Elite”, que busca fazer um recorte da violência tal como ela ocorre no mundo. Existem também filmes que se enquadram em outras categorias, como a ficção científica, cuja narrativa pode conter muita violência, como “Guerra nas Estrelas”, por exemplo. O fato é que a violência é recordista de bilheteria, ainda que a comédia e o besteirol ainda tenham um grande público.

E dois filmes atuais, um brasileiro e outro norte-americano, têm a violência como mote. Mas há quem se engane que se trate do tema principal, apesar de que há mesmo muita violência neles, e pior, violência gratuita...

Tanto "Bacurau" quanto "Coringa" se passam em cidades fictícias, fazendo, porém, referências a cidades conhecidas, afinal há várias Bacuraus espalhadas pelo Nordeste brasileiro, e Gotham City está diretamente associada a Nova York.

Placa na entrada da fictícia Bacurau, do filme homônimo. Crédito: Divulgação
Placa na entrada da fictícia Bacurau, do filme homônimo. Crédito: Divulgação

Quando o homem inventou a cidade, viu nessa ação a possibilidade de integração e proteção mútua contra todo tipo de adversidade, de tal modo que, unidos, em comunidade, o homem teria uma vida mais segura e, por que não?, mais feliz. No entanto, hoje, aparentemente não há lugar mais perigoso para se viver do que a cidade.

Nenhuma violência é justificável. Mas é certo que precisamos encontrar meios de nos defender. A questão é, como? Fazer justiça com as próprias mãos? Afinal, pelo menos no país de Bacurau está difícil confiar na Justiça. Daí toda a celeuma em torno do porte de arma. Defendido por uns, rebatido por outros, o fato é que o povo brasileiro está dividido, como se numa guerra estivéssemos, cada lado numa trincheira diante da outra sem que ninguém tome a iniciativa de levantar a bandeira branca.

O problema é que o futuro já está comprometido. Estudos científicos já comprovaram que a violência, seja ela física ou psicológica, submetida às pessoas, como vem ocorrendo em grande parte da população, comprometerá definitivamente a cognição daqueles indivíduos, tornando-os mais arredios, menos participativos e até agressivos.

Na absurda violência gratuita metaforizada de "Bacurau" e "Coringa", ocorrem reações, autodefesas, que podem vir na mesma medida ou até potencializadas. Mais do que entretenimento, ainda que também o seja, as narrativas servem de alerta ao que podemos nos transformar. Ou será que na verdade já não é isso que está acontecendo?

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