
Cheguei ao mercado imobiliário em setembro de 1991, na ladeira do Hospital Infantil, no térreo do edifício Nacap, em Vitória. Comecei como corretor numa pequena imobiliária que havia aberto suas portas recentemente. Era um mundo sem computadores, sem celular, sem internet – onde tudo era feito na base da conversa, da confiança e da máquina de escrever.
Naquela época, grandes nomes dominavam o mercado da construção, das vendas e da administração de imóveis. E, apesar disso, sobravam oportunidades para quem quisesse empreender ou investir. Muitos não viram, ou preferiram não ver. Por medo, por falta de informação ou por desconfiança. O curioso é que hoje o cenário se repete – não pela ausência de informação, mas pelo excesso dela. O ruído digital tira o foco de quem deveria estar enxergando o óbvio.
Nos anos 1990, um terreno na Ilha do Frade custava cerca de 15 mil dólares. Um quatro quartos na orla da Praia do Canto exigia barganha e paciência para vender. Um lote de esquina em Santa Terezinha (região de Jardim Camburi), com mais de 600m², custava o mesmo que um apartamento antigo de quatro quartos em Jardim da Penha. E tudo isso em um mercado onde quase não existiam lançamentos – e o crédito imobiliário era sonho distante.
Em 1996, um episódio marcou profundamente o mercado: a quebra da Encol. Era a maior construtora do Brasil na época, uma empresa capixaba que estava, sem dúvidas, à frente do seu tempo em inovação e escala. Mas a má gestão e grandes desvios internos de recursos causaram um estrago imenso. O mercado parou. A confiança evaporou.
Só se comprava apartamento pronto. O trauma foi tamanho que levou anos para ser superado. Dali surgiu a Lei do Patrimônio de Afetação – um verdadeiro divisor de águas. Ela trouxe segurança jurídica às operações e profissionalizou de vez o setor. O mercado teve que se reinventar.
Vivemos planos econômicos, moedas evaporando, crises, inflação, ausência de regulamentação nas construções e locações. Cruzado, Cruzado Novo, URV, Plano Real. E seguimos. Até que o crédito voltou – tanto para financiar a produção quanto o consumidor – e o jogo mudou. Trouxe compliance, obrigou a profissionalização. A informalidade dos contratos deu lugar à formalidade, e o mercado foi se organizando.
A tecnologia também virou a chave. Primeiro os computadores, depois a internet. Vieram os CRMs, os portais, as campanhas digitais e a escala. Mas, com ela, também o engano: corretores viraram apresentadores de Instagram, imóveis sem documentação e completamente fora de preço viraram vitrines com filtros bonitos. Campanhas milionárias para vender produtos que não entregam o que prometem. Deu-se voz a muitos – mas credibilidade, só tem quem entrega o que fala.
Hoje, vejo um mercado que caminha para reencontrar seus próprios valores. O relacionamento humano, a ética, a coragem de ouvir um bom profissional e seguir o seu conselho. Porque, sim, tem muita oportunidade batendo à porta — e muitos ainda não têm a coragem de abrir. Investimentos brilhantes estão debaixo do nosso nariz. Mas sem coragem, não se enxerga. Sem relacionamento, não se acredita. E sem verdade, não se prospera.
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