Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"The Chair", da Netflix, é muito divertida e relevante

"The Chair", série da Netflix, tem Sandra Oh ("Grey's Anatomy" e "Killing Eve") como a primeira chefe de departamento mulher em uma tradicional universidade

Vitória
Publicado em 21/08/2021 às 22h14
Série
Sandra Oh em "The Chair", série da Netflix. Crédito: Eliza Morse/Netflix

A grande maioria de homens em painéis e eventos nos EUA gerou uma iniciativa interessante, o selo “Congrats, you have an all male panel!”, ou “Parabéns, você tem um painel só de homens”. Com a figura do ator David Hasselhoff, um ícone da masculinidade dos anos 1980 e 90, a conta do Tumblr reúne eventos em que todos os palestrantes ou debatedores são homens, em sua grande maioria brancos, para falar de assuntos que vão de odontologia, tecnologia e negócios até temas como o direito da mulher se manifestar ou o aborto. Não é preciso um doutorado em nada para perceber o absurdo disso tudo.

“The Chair”, que estreou na última semana na Netflix, mostra um pouco dessa realidade no meio acadêmico. A “cadeira” (tradução para “chair”) em questão é o posto de Chefe do Departamento de Inglês na fictícia universidade de Pembroke, tratada pela série como uma das mais prestigiadas dos EUA. Pela primeira vez nos 179 anos de existência da universidade, a cadeira é ocupada por uma mulher, Ji-Yoon Kim (Sandra Oh).

Escrita pela estreante Annie Wyman e pela atriz Amanda Peet em seu primeiro trabalho como roteirista, “The Chair” usa uma fórmula infalível para tratar de um assunto série com grande alcance: o humor e a leveza do texto. A narrativa é curta, dividida em seis episódios de 30 minutos, e se sustenta basicamente no carisma de Oh e de Jay Duplass, que vive um querido professor de literatura em uma fase não muito boa de sua vida.

É curioso como o roteiro tem início focado nas dificuldades que Ji-Yoon enfrenta no departamento, mas cresce gradualmente. A ela foi dada pelo reitor a missão de enxugar custos e reduzir o quadro de professores efetivos, veteranos com muito tempo de casa e que já não conseguem prender a atenção de estudantes com interesses cada vez mais distintos.

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Sandra Oh em "The Chair", série da Netflix. Crédito: Eliza Morse/Netflix

Como chefe de departamento, Ji-Yoon tem que lidar com questões diversas, reclamações de alunos e professores, e é através delas que entendemos a dinâmica daquela universidade. Sem dar spoiler algum, é possível dizer que a série é até bem ampla em seu discurso. Ji-Yoon, filha de coreanos, é há anos o rosto escolhido pela universidade para mostrar seu apreço à diversidade, mas ironicamente encontra problemas quando decide dar um merecido destaque para Yaz (Nana Mensah), uma professora negra, jovem e adorada pelos alunos. O corpo acadêmico reage mal, em um mix de inveja, racismo e misoginia.

A série também é certeira ao tratar a cultura do cancelamento como parte de um conflito geracional. A construção dos personagens que lidam com o cancelamento funciona justamente para mostrá-los como o oposto daquilo pelo que estão sendo “cancelados”.  Bill (Duplass), por exemplo, é alvo após viralizarem um meme com um trecho de sua aula, mas não entrarei em spoilers.

O texto desenvolve bem seus protagonistas. Ji-Yoon, obviamente, é uma personagem mais complexa e com mais tempo de tela, a série, afinal, gira em torno dela, mas o professor Bill Dobson também tem destaque no arco principal da trama. Na verdade, os arcos se embaralham e funcionam bem para retratar a confusão que se tornou a vida da protagonista desde que assumiu “a cadeira”.

Mesmo girando em torno de uma personagem, “The Chair” é uma obra com bem mais camadas do que aparenta a princípio. Professores mais idosos entendem que Ji-Yoon está no posto para cumprir “cotas” - até mesmo Joan (Holland Taylor, ótima), uma das poucas mulheres do departamento, se vira contra a nova chefe.

O texto de Peet e Wyman é excelente, conseguindo abranger uma grande variedade de temas de forma natural e em uma história única, sem a necessidade de subtramas deslocadas que nada acrescentam ao arco principal. Ninguém é unicamente ruim e todos os personagens se veem vítimas de alguma discriminação, etária, racial, sexual ou até todas juntas.

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Sandra Oh em "The Chair", série da Netflix. Crédito: Eliza Morse/Netflix

Nesse cenário, Sandra Oh é um dínamo. A atriz parece carregar um peso nas costas durante quase toda a série, mas também entrega ótimos momentos cômicos, o que acontece muito em função de sua dinâmica em tela com o ótimo Jay Duplass e a incrível Everly Carganilla, que vive Ju-Hee, filha adotiva de Ji-Yoon.

“The Chair” é socialmente relevante sem ser pedante ou didática - e principalmente sem se esquecer da diversão que a série, como um produto pop abrangente, deve oferecer. Dirigida na íntegra por Daniel Gray Longino (“Portlandia”), “The Chair” tem ótimos atores, grandes atuações e um texto atual, que questiona, emociona e diverte. Não dá para pedir muito mais do que isso.

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