Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Sequência de “O Iluminado” é surpreendentemente boa

"Doutor Sono" contorna trama rocambolesca para entregar um terror com boas doses de magia, suspense e calor humano

Publicado em 06/11/2019 às 21h03
"Doutor Sono". Crédito: Warner/Divulgação
"Doutor Sono". Crédito: Warner/Divulgação

“Doutor Sono”, que chega aos cinemas nesta quinta (07/11), teve dois trailers em sua campanha de divulgação. O primeiro deles foi feito sob medida para agradar os fãs de “O Iluminado” (1980), adaptação cinematográfica de Stanley Kubrick para livro de Stephen King. Já o segundo parecia ter por objetivo agradar King - o autor sempre criticou a versão para as telas por acreditar que o diretor não respeitou o material original, uma das histórias mais pessoais já escritas por King e um retrato de sua luta contra o alcoolismo.

Kubrick, de fato, altera bastante a dinâmica do filme em relação ao livro e dá destinos bem diferentes para Jack Torrance (Jack Nicholson); o lendário cineasta cria um protagonista no limite da sanidade, uma bomba relógio, enquanto King constrói seu alter ego como um cara bom levado à loucura por forças obscuras (a tal metáfora para o alcoolismo). A verdade é que Kubrick fez um filme de suspense e terror ao invés do sentimental suspense com ficção científica desejado por King.

É por esse conflito que atravessa quase quatro décadas que “Doutor Sono” chama a atenção: o filme dirigido e roteirizado por Mike Flanagan (“A Maldição da Residência Hill”) a partir do romance homônimo de King é uma continuação direta das duas versões de “O Iluminado”, ou seja, ele faz as pazes entre o autor e Stanley Kubrick.

"Doutor Sono". Crédito: Warner/Divulgação
"Doutor Sono". Crédito: Warner/Divulgação

Após um curto prólogo sobre o que aconteceu após “O Iluminado”, “Doutor Sono” apresenta Dan Torrance (Ewan McGregor), o menininho do filme de 1980,  um alcoólatra que sucumbiu ao vício para amenizar suas lembranças horríveis e “controlar” seus poderes. Assistimos a alguns acontecimentos de sua vida, mas logo somos levados a anos adiante, com Dan já sóbrio e usando seu "brilho” para ajudar pessoas. Ele se conecta a Abra (Kyleigh Curran), uma jovem que “brilha” mais que ele e desperta interesses obscuros de um culto liderado por Rose (Rebecca Ferguson) e formado por uma espécie de vampiros que se alimentam da luz dos “iluminados”. Sim, a trama parece algo saído de uma ficção científica ruim dos anos 1990 ou 2000.

“Doutor Sono” é um filme tenso e assustador muito em função da direção de Mike Flanagan, que usa toda a abrangência do roteiro para dar profundidade ao culto - ao contrário de “O Iluminado”, que tem no hotel Overlook seu vilão, os antagonistas aqui têm rosto e motivações. O filme não alivia nas sequências de violência e algumas, uma em especial, realmente impactam do outro lado da tela.

"Doutor Sono". Crédito: Warner/Divulgação
"Doutor Sono". Crédito: Warner/Divulgação

Flanagan mostrou em “A Maldição da Residência Hill” saber criar tensão com poucos elementos. Aqui ele faz excelente trabalho visual para explicar o que é o “brilho” e como ele afeta as pessoas de diferentes formas. O diretor também desenvolve bem as situações que amarram a complexa e por vezes rocambolesca trama.

“Doutor Sono” tem ritmo interessante e não gasta tempo com passagens desnecessárias em suas duas horas e meia de projeção. O filme deixa o claustrofóbico hotel Overlook e passa por cidades pequenas dos EUA. É curioso perceber como o cineasta se sai melhor em cenários mais intimistas como na já citada “Residência Hill” e em “Jogo Perigoso”, outra adaptação de Stephen King (disponível na Netflix).

Ironicamente, é quando a trama de King encontra o hotel Overlook que o filme dá uma desandada. Após se manter longe do filme de 1980 durante a maior parte do tempo, “Doutor Sono” abraça as referências kubrickianas no terceiro ato, momento em que o filme perde identidade. Flanagan tenta, de certo modo, emular estilos e técnicas de Kubrick e tudo é tecnicamente perfeito, mas deslocado com o resto do filme.

Não foi à toa que Stephen King aprovou “Doutor Sono”, pois o filme é bem fiel ao espírito da obra do escritor. Flanagan entrega um trabalho com calor humano, magia, terror e crescimento pessoal, um filme que acerta muito quando aposta nessas características e se atrapalha narrativamente quando tenta amarrar filme e livro. Ainda assim, é possível que fãs de ambos saiam do cinema satisfeitos.

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