Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Por Que Você Não Chora?" incentiva discussão sobre saúde mental e solidão

No mês de prevenção ao suicídio, filme de Cibele Amaral chega aos cinemas e ao streaming falando sobre saúde mental com duas personagens fortes

Vitória
Publicado em 09/09/2021 às 23h44
Filme
Filme "Por Que Você Não Chora?" incentiva o espectador a discutir saúde mental. Crédito: O2/Divulgação

No mundo, a cada 40 segundos uma pessoa tira a própria vida. No Brasil, são 32 mortes diárias por suicídio. Os números assustam, mas na faculdade de jornalismo aprendemos a não falar sobre suicídio. A justificativa era de que a divulgação de um caso pode estimular outras pessoas com ideação suicida. Hoje já existe o entendimento de que uma boa reportagem pode ser positiva, com uma certa flexibilidade, devendo tratar o assunto sem detalhes, com cautela e respeitando os familiares, além, sempre, de aproveitar a oportunidade para falar sobre prevenção e enfatizar avanços no tratamento de transtornos mentais.

A data de lançamento de “Por que você não chora?”, de Cibele Amaral, não é uma coincidência. O filme chegou na última quinta (9) às plataformas de streaming e a um circuito restrito de cinemas levantando o debate das doenças mentais e da prevenção do suicídio, bandeiras da campanha Setembro Amarelo, que teve início no Brasil em 2015, mas já existe nos EUA desde 1994.

Formada em psicologia, Cibele usa sua experiência para contar a história de Jéssica (Carolina Monte Rosa), uma estudante que, durante um projeto de acompanhamento terapêutico, cruza sua jornada com a de Barbara (Bárbara Paz), uma paciente borderline em tratamento. "Eu já era formada em cinema e trabalhei com cinema a vida inteira. Mas em 2012 resolvi fazer uma faculdade de Psicologia. Acho que seria bom pra mim como roteirista", conta a cineasta, em entrevista por telefone. "O filme tem observações minhas da época do estágio final do curso, mas também tem muita coisa familiar. Foi como uma costura", completa.

O fato de o filme ser lançado durante a pandemia dá a ele ainda mais força narrativa. Jéssica é uma jovem solitária, vinda do interior, que não se mistura muito com os colegas e vive apenas para cuidar da irmã mais nova. "É muito ruim que tenhamos a pandemia e muitas vidas perdidas. Isso levantou também uma necessidade de se falar sobre saúde mental e abriu mais possibilidades para o filme. Com a pandemia, o que era frágil, ficou ainda mais frágil", explica Cibele.

"Por Que Você Não Chora?" funciona bem para quebrar estereótipos de pessoas borderline, o que fica claro na atuação de Bárbara Paz. Ao contrário do que se vê normalmente na produção audiovisual, o filme de Cibele oferece mais camadas ao transtorno. "Normalmente os filmes mostram pessoas bêbadas, promíscuas, drogadas... Nunca tinha ninguém se tratando. Eu não tinha uma referência de um filme que falasse do assunto da perspectiva de tratamento, de melhora, de aprender a viver com as suas limitações", pondera.

Filme
Filme "Por Que Você Não Chora?" incentiva o espectador a discutir saúde mental. Crédito: O2/Divulgação

O segredo da diretora para a construção de uma personagem borderline era sempre tirar algo da atuação. "No começo ela fazia a cena e eu falava 'beleza, agora me dá dez porcento disso aí'" (risos), lembra Cibele. De fato, Barbara é explosiva, mas nunca histérica, e o texto deixa isso muito claro.

Por outro lado, Jéssica é construída como uma bomba prestes a explodir, uma pessoa "do concreto, sem abstração", como diz a diretora, mas também uma com a qual o público consegue se identificar. A personagem é construída nos detalhes, em algumas falas sobre sua situação familiar que sugerem algum tipo de abuso, na mãe que tem sua conquista em conseguir mandar as filhas estudarem em Brasília, mas é incapaz de falar sobre a situação opressora de um agressor dentro de casa.

O roteiro nos entrega lacunas, nos incentiva a observar mais atentamente as pessoas ao nosso redor. Nunca sabemos ao certo a dor do outro e nunca saberemos se nos mantivermos distantes. "É uma construção intencional, é o não dito. Tudo é não dito naquela família. A gente, como público, tem que tentar entender", conta a cineasta.

O filme faz ótimo uso de recursos sonoros para acompanhar os estados mentais das personagens. Alguns são mais criativos, como um metrônomo que sai do compasso ou o que parece ser uma bolinha de ping-pong atirada repetidamente na parede, outros, no entanto, como um gotejamento, são de mais fácil assimilação e de utilização mais frequente na dramaturgia.

"Isso foi tudo o Patrick de Jong, que é produtor do filme e fez o desenho de som. Ele veio pensando o filme desde o roteiro e eu dei carta branca. Você precisa que as pessoas tenham empatia com ela (Jéssica) desde o primeiro momento, então tenho que revelar o que está se passando dentro da cabeça dela, ela está quebrando, saindo do compasso".

Filme
Filme "Por Que Você Não Chora?" incentiva o espectador a discutir saúde mental. Crédito: O2/Divulgação

Mesmo deixando boas lacunas que não conduzem o espectador pelas mãos, "Por Que Você Não Chora" também tem seus momentos de exposição e didatismo. Tudo o que Jéssica vive ou sente é reforçado depois em sala de aula pela personagem de Cristiana Oliveira, que reforça, mais de uma vez, a necessidade de um psicólogo fazer acompanhamento psicológico. Elisa Lucinda completa o bom elenco do filme.

O filme também ensaia uma trama sobre a guarda do filho de Bárbara, mas ela nunca é completamente desenvolvida - é quando percebemos, na verdade, que o filme não é sobre ela, mas sim sobre Jéssica. Quando todos os olhares se voltam para a chamativa borderline, Jéssica implode.

"Por Que Você Não Chora?" é um filme bem conduzido e com ótimas atuações. É também um filme forte, com mensagem importante de que devemos falar sobre o assunto e não transformá-lo em um tabu. Se você acha que está tendo problemas relacionados à sua saúde mental ou conhece alguém que está passando por alguma dificuldade, procure ajuda. O CVV (Centro de Valorização da Vida) oferece suporte 24 horas por dia pelo site cvv.com.br ou pelo telefone 188.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Saúde mental Rafael Braz

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.