Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"O Legado de Júpiter", na Netflix, é boa, mas pode ser ótima

Aposta da Netflix, "O Legado de Júpiter" tem primeira temporada preparando terreno para o que pode vir a ser uma grande história de heróis

Vitória
Publicado em 07/05/2021 às 04h01
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Série "O Legado de Júpiter", da Netflix, baseada na obra de Mark Millar. Crédito: STEVE WILKIE/NETFLIX

Mark Millar é um dos personagens mais interessantes do mundo dos quadrinhos. Ele criou ótimas histórias para personagens consagrados como o Super-Homem (“Entre a Foice e o Martelo”), Wolverine (“Velho Logan”) e os Vingadores (“Os Supremos”), além de toda a ambiciosa “Guerra Civil” dos quadrinhos da Marvel. Millar também continuou com maestria o trabalho de Warren Ellis na excepcional “Authority” e criou os X-Men no universo Ultimate, sendo indicado ao Eisner por ambas as histórias em 2001.

Em algum ponto, porém, incentivado por Stan Lee, Mark Millar decidiu ser a hora de criar seus próprios universos habitados por personagens de sua autoria. Surgiram então HQs como “Kick-Ass”, “Kingsman” e “O Procurado”, todas adaptadas com sucesso para o cinema e também parte da Millarworld. Em 2017, a Millarworld foi vendida para a Netflix, que passou a ter direito para todas as obras de Millar que já não estavam licenciadas para outros estúdios.

“O Legado de Júpiter”, que chega nesta sexta (7) à Netflix é a primeira história contada dessa parceria. Publicada no Brasil em dois volumes, a HQ acompanha um grupo de heróis em conflito com seus legados. Após adquirirem os poderes em uma expedição misteriosa, passaram anos protegendo o mundo de bandidos, mas viram seus filhos crescerem como poderosas e inconsequentes celebridades. Esse embate de gerações é o grande conflito da HQ, que discute também a responsabilidade que vem com os poderes - enquanto alguns querem influenciar o rumo da humanidade e controlar nações, outros acreditam que os heróis não devem interferir na política de um governante eleito.

Em oito episódios, a primeira temporada de “O Legado de Júpiter” (tratada como “Volume 1” pela Netflix) tem altos e baixos. Ao contrário da HQ de Millar, que resolve a expedição nas primeiras páginas do primeiro volume, a série da Netflix intercala momentos no presente com outros que inclusive antecedem a viagem. 

De cara conhecemos Utópico/Sheldon Sampson (Josh Duhamel), o herói perfeito e líder da União da Justiça. Casado com Grace/Lady Liberty (Leslie Bibb) e pai da rebelde Chloe (Elena Kampouris) e do aspirante a herói Brandon/Paragon, Sheldon foi também o líder da tal expedição que levou os seis heróis originais à misteriosa ilha africana e cunhou o código moral de ação deles, que inclui, basicamente, não matar e não se intrometer em governos e corporações. Acontece que a nova geração, que inclui os próprios filhos de Sheldon, e também alguns heróis antigos acreditam que talvez seja hora de mudar essas diretrizes - os vilões não são mais bandidos roubando bancos, mas sociopatas e genocidas que ameaçam a humanidade.

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Série "O Legado de Júpiter", da Netflix, baseada na obra de Mark Millar. Crédito: STEVE WILKIE/NETFLIX

Dividindo bastante tempo entre as duas linhas narrativas, “O Legado de Júpiter” demora a engrenar. A série empolga de início, com bons combates e uma estética que até faz pensar como seria “Invencível” em formato live-action. A trama no passado, às vésperas da Crise da Bolsa de 29, demora um pouco para mostrar a que veio; não é que ela seja ruim, ela apenas tira tempo do que a maior parte da audiência está ali para ver. Gradualmente, porém, a verdadeira história a ser contada se torna a da expedição.

“O Legado de Júpiter”, assim como todas as adaptações das obras de Mark Millar, é muito mais contido do que o material original, o que funciona bem. Millar, vale ressaltar, costuma deixar sua imaginação fluir sem controle e por caminhos às vezes bem estranhos, como o vilão feito de fezes de "O Procurado", que ficou obviamente  fora do filme. Por isso, suas obras são mais eficazes quando têm algum tipo de "supervisão".

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Série "O Legado de Júpiter", da Netflix, baseada na obra de Mark Millar. Crédito: STEVE WILKIE/NETFLIX

A série da Netflix investe bastante tempo na construção dos personagens e, principalmente, na construção das relações entre eles, o verdadeiro foco da história. A primeira temporada planta a semente para acontecimentos futuros, mas ainda não mostra se a série seguirá o louco rumo dos quadrinhos. O roteiro mistura também elementos de “O Círculo de Júpiter”, spinoff publicado em 2015.

A série também faz uma boa comparação entre a Era de Ouro das histórias de heróis, na primeira metade do século passado, e o atual momento, o que é bem representado no já citado conflito geracional. O mundo mudou, as ameaças mudaram… Podem os herói permanecerem da mesma forma?

“O Legado de Júpiter”, a série, é uma grande produção, com bons efeitos especiais que deixam claras as inspirações nos quadrinhos, sem aquele necessidade de se aproximar demais da realidade. Cabe a ressalva, no entanto, de que algumas maquiagens para envelhecer os atores não chegam a ser um primor - não incomoda em Ben Daniels, mas fica estranha em Josh Duhamel.

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Série "O Legado de Júpiter", da Netflix, baseada na obra de Mark Millar. Crédito: STEVE WILKIE/NETFLIX

Um grande acerto da série é manter o tom de fantasia das histórias em quadrinhos. Portanto, não espere uma explicação incrível de como os heróis ganharam aqueles poderes, de onde saíram os uniformes ou alguns outros “absurdos”. Os próprios uniformes de heróis e a caracterização de alguns vilões são caricatas justamente para afastar a série de um tom mais sisudo. A mistura de roupas e poderes coloridos oferece um bom contraste quando o texto ganha seriedade.

É interessante também como “O Legado de Júpiter” altera alguns arcos dos quadrinhos para distanciar sua narrativa da de “The Boys”. Os heróis são, sim, celebridades, mas nada comparado à série da Amazon. O texto cria Chloe como uma poderosa que abraça a fama e se afasta da jornada do herói, mas a trajetória de Brandon é bem diferente na HQ. Os arcos dos filhos, que ainda inclui Hutch (Ian Quinlan) e um pouco de Raikou (Anna Akana), poderia ser mais bem aproveitado, principalmente em um texto que fala sobre legado, mas é bem provável que eles se tornem o foco nos próximos volumes.

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Série "O Legado de Júpiter", da Netflix, baseada na obra de Mark Millar. Crédito: STEVE WILKIE/NETFLIX

Os já citados problemas de ritmo atrapalham a série da Netflix, mas não comprometem. O primeiro volume de “O Legado de Júpiter” prepara o espectador para algo grandioso e faz com que nos importemos bastante com alguns personagens, mesmo que ao custo de um subaproveitamento de outros. Ao fim do oitavo episódio, a vontade de continuar assistindo é inevitável. O arco final da primeira temporada funciona justamente porque o roteiro dá dicas de sua construção, mas nunca a explicita antes da hora.

“O Legado de Júpiter” ainda não alcançou seu potencial nessa primeira leva de episódios, mas prepara território para uma série de heróis que acaba sendo mais próxima de “Watchmen”, de Alan Moore, do que de séries que fazem sucesso atualmente com fórmulas desgastadas e repetições. A série produzida por Steven S. DeKnight (uma escolha de Millar) pode se destacar em meio à multidão, resta saber se aproveitará a oportunidade.

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Série "O Legado de Júpiter", da Netflix, baseada na obra de Mark Millar. Crédito: STEVE WILKIE/NETFLIX

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