Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"O Irlandês" é obra-prima do cinema de máfia

Filme que chega dia 27 à Netflix mostra a força e a relevância de Martin Scorsese para o cinema

Publicado em 23/11/2019 às 04h00
Atualizado em 23/11/2019 às 04h01
Filme "O Irlandês". Crédito: Netflix/Divulgação
Filme "O Irlandês". Crédito: Netflix/Divulgação

Ao sair da sessão de “O Irlandês” no cinema, é possível entender (mesmo sem concordar) quando Martin Scorsese diz que os filmes da Marvel “não são cinema”. Seu mais novo trabalho, que chega à Netflix na próxima quarta-feira (27) é uma aula de cinema e uma homenagem a tudo o que ele já fez em sua brilhante filmografia.

O tal irlandês do título é Frank Sheeran (Robert De Niro), um veterano de guerra que vive de pequenos golpes para descolar uma grana extra. Seu caminho logo se cruza com o da máfia italiana e o de Russell Bufalino (Joe Pesci), um dos líderes da organização. “O Irlandês” acompanha a jornada de Frank durante quase cinco décadas, de um faz tudo ao alto escalão da máfia até se tornar braço direito de Jimmy Hoffa (Al Pacino), famoso líder sindicalista e um dos sujeitos mais influentes dos EUA durante os anos 1950 e 60.

Scorsese não dirige um filme do gênero desde 2006, com “Os Infiltrados”, que lhe rendeu um Oscar, mas tendo praticamente aperfeiçoado a fórmula estabelecida por Francis Ford Coppola (“O Poderoso Chefão”) para os filmes de máfia, o cineasta faz de “O Irlandês” o que o terceiro capítulo da saga dos Corleone deveria ter sido.

Ao contrário de “Os Bons Companheiros” (1990) e “Casino” (1996), “O Irlandês” é mais contemplativo e utiliza com maestria seus 209 minutos (sim, três horas e vinte e nove minutos) para desenvolver seus personagens e a relação entre eles. A construção é impecável a ponto de o espectador sentir na pele a dor de Frank nas tomadas de decisões. Ainda, o cineasta confere a Peggy Sheran (Anna Paquin), uma personagem praticamente sem falas, toda a carga emocional em uma simples pergunta que faz ao pai - mesmo sempre discreta, Peggy personifica o espectador que assiste embasbacado à inevitável escalada de violência.

O filme também funciona como uma carta de Scorsese ao cinema e às gerações que possam ter considerado um “absurdo” as recentes declarações do diretor nova-iorquino. “O Irlandês” é um filme geracional, pouco destinado à geração acostumada a consumir pílulas de informação. Ao colocar Jimmy Hoffa como parte essencial do filme, o cineasta traça um paralelo entre sua carreira e a vida do líder sindicalista; será que lembrarão de Scorsese como lembram de Hoffa? O diretor reescreve a história a fim de dar uma conclusão a um dos maiores mistérios da história americana - até hoje não se sabe ao certo o que aconteceu a Hoffa, que “desapareceu” em 30 de julho de 1975.

Com Frank sempre no centro, o filme mistura violência, intrigas e família - as escolhas nunca são fáceis e as consequências delas são o fio condutor de toda a trama.

Muito se falou da computação gráfica que rejuvenesce os protagonistas. Pode parecer estranho em um ou outro momento, principalmente com De Niro, mas é praticamente impecável. O ator cria um Frank cheio de camadas, mas certo do que deve fazer e do que isso vai lhe custar. Joe Pesci, por sua vez, está mais contido, sem os arroubos de explosão de outros personagens que já fez com Scorsese. Surpreendentemente em seu primeiro trabalho com o diretor, Al Pacino entrega Hoffa como um sujeito carismático, um líder cheio de segundos interesses, mas preocupado com seu sindicato - o “conflito” entre os personagens de Pacino e Pesci no terceiro ato é um dos momentos de maior tensão no filme.

“O Irlandês”, ao fim, é pesado e sombrio, mas também calmo e contemplativo. É um mergulho em um universo de crimes e violência, mas é também caloroso. Se Scorsese o definisse como o grande filme de sua carreira, poucos iriam negar - pode não ser o melhor, mas talvez seja o mais significativo.

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