Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Ninguém tá Olhando" é sobre questionar regras, diz Daniel Rezende

Comédia da Netflix mostra a burocrática vida dos anjos da guarda, ou melhor, angelus. Primeira temporada já está disponível no serviço de streaming

Publicado em 01/12/2019 às 04h00
Atualizado em 01/12/2019 às 04h00
Daniel Rezende e Victor Lamoglia em "Ninguém tá olhando". Crédito: Aline Arruda/Netflix
Daniel Rezende e Victor Lamoglia em "Ninguém tá olhando". Crédito: Aline Arruda/Netflix

"'Bojack Horseman' é a segunda melhor série da Netflix atrás de 'Ninguém tá Olhando'", brincou Daniel Rezende, em entrevista por telefone. O criador da nova comédia brasileira do serviço de streaming garantiu que ele e o elenco maratonaram a história do cavalo ator durante a produção da recém-lançada série (confira a crítica de "Ninguém tá Olhando").

"Ninguém tá Olhando", de fato, tem semelhanças com "Bojack" e outras séries com um humor mais sério. Há similaridades com "The Good Place", pela temática, com "Boneca Russa" e "Glow" pelo tipo de humor ácido... As referências são muitas, mas a série de Daniel Rezende tem vida e identidade própria.

O nome do diretor pode até não ser conhecido do grande público, mas Daniel já foi até indicado ao Oscar pela montagem de "Cidade de Deus" (2002), além de ter dirigido dois dos filmes nacionais mais legais dos últimos anos: "Bingo" (2017) e "Turma da Mônica: Laços" (2019). Em "Ninguém tá Olhando" ele assume o posto de showrunner, ou seja, é o responsável por tudo, da escolha de roteiristas e elenco ao tom dos oito episódios da série.

Na entrevista abaixo, Daniel fala sobre a criação da série, uma nova temporada, algumas de suas inspirações e sobre Nicolas Cage, que protagoniza uma das piadas recorrentes do trama. Confira.

De onde veio a ideia da trama?

Eu tinha uma vontade de fazer uma série que questionasse a humanidade, principalmente de fazer uma comédia ácida e irreverente pra poder olhar o ser humano criticá-lo ou questioná-lo. A melhor maneira de você criticar o ser humano é inventar um ser que não existe, aí você pode falar mal dele o quanto quiser (risos). A metáfora somos todos nós. A ideia era fazer essa releitura desse ser mítico, o anjo da guarda, que está em todas as religiões, todas as culturas, filosofias e em quase todas as espiritualidades e fazer uma versão que você nunca viu deles - tanto que eles nem chamam anjos, são angelus. Têm suas regras próprias, seu universo próprio nesse lugar burocrático. Isso define o lugar onde eles trabalham, a roupa que vestem, a maneira como se portam antes de quebrar as regras. É na verdade uma metáfora de pessoas que vivem a vida inteira e nunca questionam o que é pré-estabelecido e o que lhes foi ensinado.

Você participou de todo o processo? Seleção de roteiristas, atores...

Eu criei a série junto com o Teodoro Poppovic e Carolina Markowicz. Entregamos pra Netflix, que amou o projeto porque é a plataforma ideal para se falar sobre iss. Eles foram sempre foram muito abertos e nunca questionaram o conteúdo. Falávamos muito de dramaturgia, escolha de elenco, tamanho de produção, mas o conteúdo nunca foi o assunto, podíamos fazer o que queríamos, a liberdade era muito grande. Tivemos que entender qual era essa história, qual era esse mundo, quem chamar. Acho conseguimos um elenco bem maravilhoso com atores de teatro, de internet, televisão, cinema, com uma química muito incrível. Todos eles estão muito bem e os personagens estão muito icônicos. O Uli é um pouco a filosofia, é um questionador; a Greta é um pouco racional, é a ciência; o Chun é a religião, o cara que acredita; o Fred é o conservador; a Miriam é progressista, feminista, humana e cheia de contradições. Queríamos abranger "toda a humanidade" com os nossos personagens.

O elenco entende bem o texto. Victor e Júlia com muita química, troca de palavras...

Eles não só vestiram a camisa como contribuiram muito para melhorar o texto e pensar em maneiras de contribuir. Foi muito incrível as parcerias com todos eles.

Daniel Rezende com Kéfera e Projota em "Ninguém tá olhando". Crédito: Aline Arruda/Netflix
Daniel Rezende com Kéfera e Projota em "Ninguém tá olhando". Crédito: Aline Arruda/Netflix

A Netflix tem umas séries no catálogo já com essa pegada, né? Falei com a Júlia e ela citou o "Bojack Horseman"...

Amamos muito! A Júlia ficou viciada em "Bojack" porque eu e o Victor doutrinamos ela na série. É a melhor da Netflix depois de "Ninguém tá Olhando" (risos). Brincadeira.

É sua primeira série como o showrunner. Como foi dar a nota, o tom para os outros diretores da série?

Quer a versão romântica ou a realista?

Pode misturar as duas (risos).

A romântica é que é incrível porque você tá pegando uma visão sua e de alguma forma vendo isso se tornar realidade com uma equipe muito grande, com a Gulane (produtora), que foi essencial, a Netflix, com todo mundo se apaixonado pelo projeto virando realidade. Na prática foram muitas noites não dormidas. É assim que acontece.

Você teve uma preocupação de ser um material universal para a Netflix?

Com certeza. Se você olhar bem, ela é superbrasileira, tem várias coisas da nossa cultura pop, desde brincadeiras com memes que usamos por aqui, expressões novas que criamos na nossa língua, a música de Sandy & Junior que toca em um episódio. Há referência pop gringa, como Nicolas Cage, entre outras, mas existia o pensamento de ser uma série que olha a nossa dramaturgia de outra maneira... A nossa dramaturgia não cria muito em cima do que não existe, não tem esse tipo de humor tão ácido. "Ninguém tá Olhando" é superbrasileira, mas pode funcionar em qualquer lugar do mundo porque poderia se passar em qualquer lugar do mundo e vai fazer sentido. No final da história falamos sempre do ser humano.

Mesmo geograficamente tem poucas coisas que localizam, né?

Nunca falamos o nome da cidade. Apesar de brincarmos que é o distrito 5511, código de SP, em nenhum momento falamos onde ela acontece ou algo religioso que possa ambientar também - não tem conversa de céu ou inferno. Fugimos de tudo isso porque a série não é sobre isso, é sobre ser humano e viver as narrativas que inventamos. Quando estávamos na preparação, desenvolvendo, eu li os três livros do Harari: "Sapiens", "Homo Deus" e "21 Lições Para o Século 21". Para mim isso fez muito sentido na nossa série: como o ser humano cria narrativas e se torna escravo dessas narrativas. Ele se prende e não consegue nunca mais questioná-la.

Daniel Rezende

Criador da série "Ninguém tá Olhando"

"O ser humano cria narrativas e se torna escravo dessas narrativas. Ele se prende e não consegue nunca mais questioná-la."

O filme tem a piada recorrente com o "Cidade dos Anjos"...

Olha só... (risos). Quero deixar claro que em nenhum momento a gente faz críticas ao filme. Os angelus o usam como punição porque é história de um anjo que vira humano, isso é inaceitável (risos). Temos muito respeito e somos muito fãs do Nicolas Cage e vou contar uma coisa: se tivermos uma segunda temporada, vamos atrás de Nicolas Cage para fazer uma participação na série (risos).

Já que falou de segunda temporada, não sei se você pode falar algo sobre... Tem alguma negociação? A história tem um gancho gigante!

Olha... Se você fizer uma boa divulgação, os brasileiros assistirem à série e a recomendarem, a gente faz uma segunda temporada. Não tem nenhuma confirmação, mas queremos muito fazer. A ideia é essa, deixar um gancho tão grande pra todo mundo ficar lá postando #netflixcadesegundatemporadadeninguemtaolhando.

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