Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Luther: O Cair da Noite": Idris Elba segura filme irregular da Netflix

"Luther: O Cair da Noite" transforma em filme os casos do detetive John Luther, da série "Luther". Filme deve agradar quem nunca viu a série e decepcionar antigos fãs

Vitória
Publicado em 10/03/2023 às 20h23
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Idris Elba vive um detetive polêmico no filme "Luther: O Cair da Noite", da Netflix. Crédito: John Wilson/Netflix

Produzida e originalmente exibida pela BBC, “Luther” nunca foi uma série no padrão das mais populares. Foram cinco temporadas entre 2010 e 2019, mas poucos episódios. Para se ter noção, a primeira tem seis episódios, mas a quarta, apenas dois - quatro episódios por temporada era o mais comum. A série acompanhava John Luther (Idris Elba), um detetive brilhante, capaz de entender o mais violento assassino, mas adepto de métodos nem sempre convencionais para chegar até os criminosos. “Eu faço o que tem que ser feito”, costuma dizer o personagem.

“Luther: O Cair da Noite”, filme lançado pela Netflix, é uma obra curiosa. É óbvio que o filme funciona melhor para quem já conhece o personagem, mas o diretor Jamie Payne (que dirigiu a última temporada da série) e o roteirista Neil Cross (criador do personagem) têm a ingrata missão de condensar um caso que duraria uma temporada inteira em um filme de 120 minutos para quem nem sequer sabe quem é John Luther - o mais irônico é que as cinco temporadas da série não estão mais no catálogo da Netflix por aqui (nem em nenhuma outra plataforma).

A verdade é que pouco importa se você sabe ou não quem é John Luther. “Luther: O Cair da Noite” tem início com o mistério da vez; um sujeito recebe um telefonema ameaçando expor para a namorada e a mãe as coisas que ele consome na internet. O jovem sai desesperado seguindo as orientações de quem o ameaça, mas, no meio do caminho, encontra um carro com homem no meio da rua e uma mulher no banco de carona. O jovem desaparece e, no outro dia, Luther chega para investigar o caso. Em meio à multidão, um misterioso homem (Andy Serkis) observa a movimentação - o filme opta por revelar seu antagonista logo de cara, deixando claro, logo de cara, não ser um “whodunnit”, mas um suspense policial, um jogo e gato e rato no qual acompanhamos os dois lados.

O primeiro ato do filme é uma tentativa de Neil Cross de situar o espectador. Luther acaba preso por sua conduta em casos antigos e logo fica claro o lado “justiceiro” do personagem, disposto a contornar a lei para pegar os culpados. Após alguns acontecimentos bem sinistros no caso do menino desaparecido, o responsável, por algum motivo, chega até Luther, que, movido por seu inabalável senso de justiça, dá um jeito de sair da prisão para identificar e punir os culpados pelo caso.

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Idris Elba vive um detetive polêmico no filme "Luther: O Cair da Noite", da Netflix. Crédito: John Wilson/Netflix

Enquanto é focado em seu protagonista, “Luther: O Cair da Noite” é ótimo. Idris Elba se mostra totalmente confortável no papel do sofrido detetive, mas o roteiro nem sempre ajuda. Falta sutileza e até um pouco de inteligência ao texto de Neil Cross - a verdade é que não faz sentido algum Luther ser envolvido na trama do vilão, ou seja, ele está ali justamente apenas para colocar o filme em movimento. Ao lado do protagonista, acompanhamos a detetive Odette Raine, interpretada pela ótima Cynthia Erivo. A personagem, que até ganha um arco digno, está ali apenas por que a ideia do roteiro não se encaixaria com Luther.

Nada disso, porém, significa que “Luther: O Cair da Noite” seja um filme ruim. Como policial enxuto, direto e convencional, ele deve agradar os espectadores ocasionais - a dura tarefa do crítico que assistiu à série é analisar o filme como algo novo para o espectador. Como um produto independente, o filme de Jamie Payne é um bom policial comandado pelo carisma de Idris Elba e por uma trama bem sinistra. Mesmo com bastante tempo de tela, porém, Andy Serkis parece subaproveitado, um personagem sempre ameaçador, do qual se sabe muito pouco, mas cujas motivações nunca são claras o suficiente para gerar alguma empatia ou identificação. Em determinado ponto, por exemplo, o personagem faz um discurso de “sou assim porque nasci assim. Lidem com isso” enquanto mostra pessoas que se identificariam com o antagonista.

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Andy Serkis em  "Luther: O Cair da Noite", da Netflix. Crédito: John Wilson/Netflix

Nesse cenário, o roteiro busca a saída mais fácil ao introduzir uma personagem apenas para funcionar como ponte entre Luther e o antagonista. Da mesma forma, parece um erro quase amador como o protagonista é conectado ao conflito principal e a necessidade dessa conexão. Andy Serkis se sai bem com o que tem em mãos, mas não há talento que salve um roteiro ruim.

Com mais orçamento e mise-en-scène mais ambicioso, o filme abandona o tom urbano e sujo da série para cenários mais grandiosos e cenas mais ousadas. Apesar dos problemas, “Luther: O Cair da Noite” vai bem até o terceiro ato, quando se atropela nessa necessidade por grandiosidade. O filme, ao contrário de tudo o que foi desenvolvido na série, busca um clímax muito mais impactante do que o pedido pelo tom do texto, tornando a conclusão exagerada, como se não se conectasse com o clima do resto do filme.

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Idris Elba vive um detetive polêmico no filme "Luther: O Cair da Noite", da Netflix. Crédito: John Wilson/Netflix

Inicialmente vendido como um “encerramento” para as histórias de John Luther, “Luther: O Cair da Noite” parece muito mais ser um recomeço para os personagens com histórias no formato de filmes. Se isso de fato acontecer, resta torcer para que Neil Cross entenda as diferenças entre os formatos e pensa em histórias que possam ser desenvolvidas em menos tempo sem ser atropeladas, o que, infelizmente, não é o caso no lançamento da Netflix.

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