Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Economia ou saúde pública? O que a ficção nos ensina

O cinema está cheio de lições que podem ser aproveitadas no momento atual se houver um pouco de boa vontade de nossos políticos

Publicado em 04/04/2020 às 13h00
Atualizado em 04/04/2020 às 13h00
Filme
Filme "Tubarão". Crédito: Divulgação

m 1975, durante o feriado da independência nos EUA, o famoso dia 4 de julho, Larry Vaughn, prefeito da pequena cidade de Amity Island, se recusou a atender o apelo do chefe de polícia para fechar um badalado resort. Uma jovem havia sido atacada e morta por um tubarão no local, mas a interdição da praia acarretaria uma perda financeira gigantesca para a cidade - afinal, o 4 de julho é o mais tradicional feriado do verão americano. Imagina quantos turistas deixariam de circular pela cidade que vive de turismo? Outras cinco pessoas morreram atacadas pelo mesmo tubarão.

Da praia à neve; no Fiorde de Gerianger em 2015, uma das principais atrações turísticas da Noruega, o geólogo Kristian Eikjord percebeu algo fora do normal e tentou avisar as autoridades, mas foi ignorado. Exigir a evacuação do local em plena temporada turística seria um absurdo. Uma onda gigante atingiu a região, colocando montanhas abaixo e causando uma fuga desesperada de turistas e moradores para pontos mais altos.

Ambas histórias, felizmente, são fictícias, quer dizer, mais ou menos…

Amity Island e Larry Vaughn são frutos da brilhante mente do então jovem Steven Spielberg, responsável pelo clássico “Tubarão” - existe uma história curiosa sobre o filme, que foi lançado fora da alta temporada nos EUA para evitar criar pânico nas pessoas durante o verão, mas isso é assunto para outra conversa. Disponível no Amazon Prime Video e no Telecine, o filme continua tão bom quanto há 40 anos.

Já a trama nórdica do bom “A Onda” (disponível na Netflix) se baseia em uma história real. Em 1934, um tsunami destruiu vilas e matou 40 pessoas na Noruega. Geólogos noruegueses estudiosos da região afirmam que, apesar do monitoramento 24 horas por dia, um acontecimento como o do filme é provável, eles só não sabem dizer quando isso ocorrerá.

O sucesso do filme na Noruega foi tão grande, e sua recepção mundo afora tão boa, que ele ganhou até uma “continuação”. Lançado em 2018 por lá, “Terremoto” foi um dos últimos filmes a estrear no circuito brasileiro antes da crise do coronavírus. Trazendo para os dias de hoje um terremoto que atingiu a Noruega em 1904, o filme coloca o mesmo protagonista lidando com a ‘culpa de sobrevivente’ na capital Oslo. Novamente ignorado pelas autoridades, ele inicia uma nova corrida contra o tempo para salvar sua família quando um terremoto de grandes proporções atinge a cidade. É repetitivo e inferior ao filme anterior, mas ainda assim uma boa lição.

Filme "A Onda". Crédito: DIvulgação
Filme "A Onda". Crédito: DIvulgação

A ficção está cheia de histórias do tipo - para cada filme desastre, há um cientista ignorado no início da trama ou algum caso de negligência. Dos mais reais, como os já citados “Tubarão” e “A Onda”, aos mais fantasiosos, como “Tempestade: Planeta em Fúria”, “Terremoto: A Falha de San Andreas” e até mesmo “Jurassic Park”, tudo começa com o interesse financeiro acima do bem-estar da população. A própria série “Chernobyl”, da HBO, tão mal-utilizada por Eduardo Bolsonaro como comparação à situação atual, poderia servir como lembrete à família do 03 de que vidas são prioridades.

Como já escrevi por aqui, a indústria do entretenimento está perdendo bilhões com a crise. Trabalhadores do audiovisual e das artes, muito mais independentes do que grandes os empresários que gritam pelo fim da quarentena, estão sem poder produzir, músicos sem fazer shows. Sim, é uma mer$@ para os negócios e para a cabeça, mas é o melhor a ser feito.

Vidas são mais importantes que negócios e essa postura deve ser cobrada de nossos representantes. Que não façamos como a população da fictícia Amity Island do início do texto - no péssimo “Tubarão 2” (1978), o prefeito Vaughn, reeleito, estava pronto para novamente colocar vidas em risco. Aí fica difícil...

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