Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

Cuba e Brasil se unem nas "Raíces Compartidas" de Marina de la Riva

Filha de pai cubano e mãe brasileira, Marina de la Riva mostra suas origens em "Raíces Compartidas", um disco de jazz latino que mostra que há mais semelhanças do que diferenças entre o Brasil e outros países latinos

Vitória
Publicado em 15/04/2022 às 00h01
Marina de la Riva reúne influências diversas parar criar uma música que dialoga com a América Latina
Marina de la Riva reúne influências diversas parar criar uma música que dialoga com a América Latina. Crédito: Dipp Photography

Marina de la Riva até hoje é grata a um vendedor da FNAC que, em 2007, colocou seu disco de estreia na sessão de jazz latino. À época, o mercado via florescer uma nova leva de artistas como Céu, Roberta Sá, Mariana Aydar e a própria Marina e, ignorando a diferença entre elas, as encaixotava no rótulo de Nova MPB. “Ele falou que tinha dificuldades de colocar o disco em alguma sessão porque eu não era MPB, não era world music, não era samba e não era música cubana, aí colocou em latin jazz”, lembra Marina, em entrevista por vídeo para divulgar “Raices Compartidas”, seu novo disco.

“Raices Compartidas” é aberto com o clássico “Besame Mucho”, de Consuelo Velázquez, que Marina canta acompanhada pelo violonista argentino Torcuato Mariano e por uma orquestra de cordas em uma versão meio bolero, meio bossa nova, misturando a versão original à que João Gilberto tornou clássica por aqui - as raízes de Marina, afinal, são compartilhadas.

Filha de pai cubano e mãe brasileira, Marina de La Riva carrega a ideia desse disco desde o lançamento de seu primeiro álbum, homônimo, há 15 anos. “Esse seria o nome do meu primeiro disco, em 2007, mas o Nelson Motta me aconselhou a dar meu nome, pois ninguém me conhecia”, explica.

É muito interessante como o trabalho de Marina não apenas mistura a cultura brasileira à latino-americana, mas também mostra como são similares e parte de um mesmo universo. “Ai Ai Ai”, famosa na voz de Ivan Lins, ganha duas versões, uma em português e outra, em espanhol, e ambas fluem com a mesma naturalidade.

O idioma que separa nosso país do resto da América Latina é um detalhe, e Marina mistura os dois para mostrar que as nossas raízes têm muito mais semelhanças do que diferenças. Não à toa, o disco foi gravado em Los Angeles, talvez a cidade mais latino-americana fora da América Latina, e onde mora Moogie Canasio, produtor do disco, que já trabalhou com Sérgio Mendes e João Gilberto.

“No começo da minha carreira, me disseram que eu nem teria uma carreira cantando em espanhol, que eu não teria uma carreira me chamando De La Riva, mas é minha identidade, son mis raíces compartidas (falando em espanhol)”, lembra Marina, antes de completar: “É a minha verdade! Eu poderia ter acessado uma quantidade maior de pessoas naquele momento (cantando em português), mas e o resto da minha vida, da minha carreira? Sem essa verdade, não teria combustível para prosseguir”.

Esse diálogo entre o Brasil e o resto do continente latino-americano, segundo Marina, já estava presente em “Rainha do Mar”, em que canta músicas de Dorival Caymmi. Em vários momentos do disco lançado em 2017, Marina interpreta as canções de Dorival e insere trechos de clássicos como “Alfonsina Y El Mar”, da argentina Mercedes Sosa, ou de "Dos Gardenias", do Buena Vista Social Club, que completa a canção “Só Louco”, com Ney Matogrosso.

Marina de la Riva reúne influências diversas parar criar uma música que dialoga com a América Latina
Marina de la Riva reúne influências diversas parar criar uma música que dialoga com a América Latina. Crédito: Dipp Photography

Nos cinco anos que separam “Rainha do Mar” de “Raíces Compartidas”, Marina ainda excursionou com o poético projeto “Memórias de um Jardim”, que acabou não virando um álbum, mas um conjunto de singles disponíveis nas plataformas de streaming de áudio. O espaço entre os trabalhos, diz Marina, não é intencional, mas é o tempo da música, o “tempo da fruta”, como define.

Marina de la Riva

Cantora

"Cada vez eu tenho mais pressa e mais vontade de realizar, mas o tempo da arte é o tempo da fruta (...) Meu tempo é um esgotamento, eu fico esgotada após um lançamento. Sinto que, quando você dá um distanciamento, seu consciente volta mais maduro para compreender aquilo"

A parceria com Ney Matogrosso é retomada em “Raíces Compartidas” no clássico “Cachito”, escrito por Consuelo Velásquez, a mesma de “Besame Mucho”, e famosa nas vozes de Nat King Cole, mundo afora, e Emilinha Borba, por aqui. Um dos destaques do disco, a música carrega uma latinidade latente e uma sensualidade reforçada pelas vozes se alternando como em um jogo de sedução.

Marina de la Riva

Cantora

"No começo da minha carreira, me disseram que eu nem teria uma carreira cantando em espanhol, que eu não teria uma carreira me chamando De La Riva, mas é minha identidade, son mis 'raíces compartidas' (falando em espanhol)"

Outro grande momento do disco é a animada “Influência do Jazz”, uma canção que traz o samba brasileiro em conflitos com ritmos do jazz “afro cubano”, como diz a letra escrita por Carlos Lyra. A “briga” torna a música um grande mix de influências e confere a ela uma cara do que seria uma grande música americana, incluindo até o jazz estadunidense no pacote de influências.

Merece destaque, também, “Y Que Sabes Tu?”, primeira canção autoral de Marina a entrar em um de seus discos. A presença da música me remete imediatamente a 2012, quando, em entrevista do lançamento de “Idílio”, a cantora revelou a mim uma certa “insegurança” diante das próprias composições. “Sempre compus e nunca me senti apta a trazer a público (...) Eu tenho acesso, nas minhas pesquisas, a compositores que eu admiro muito, então colocar uma obra minha ao lado das deles… Minha grande felicidade foi ver a reação dos músicos a ela”, lembra.

Novamente voltando ao lançamento de “Idílio”, uma frase de Marina de la Riva à época me chamou a atenção: “é no segundo disco que a gente mostra a que veio”. O que, então, teria Marina a provar agora?

Marina de la Riva reúne influências diversas parar criar uma música que dialoga com a América Latina
Marina de la Riva reúne influências diversas parar criar uma música que dialoga com a América Latina. Crédito: Dipp Photography

“Eu adoro aquela música do The Carpenters, sabe? ‘We've only just begun to live‘ (cantando ‘We've Only Just Begun’, aos risos). É apenas o começo! A adrenalina é muito maior agora. Eu achava que era no segundo (disco), mas não sabia de nada, inocente (risos)”, lembra Marina, que diz ter iniciado a carreira com a “força quase infantil de quem desconhecia a jornada”. “O segundo disco era uma provocação que eu me fiz, um ‘quem sou eu?’, um teste, mas teste mesmo é sobreviver nesse mundo”.

Marina de la Riva fala de música com paixão, gosta de dar destaque a nomes que injustamente passariam despercebidos, de detalhar processos e ressaltar as nuances de um trabalho, algo que só outro apaixonado por música compreenderia. Ela não vê a música como um caminho para fama, não se trata da exposição, pelo contrário, Marina é tímida e vê a música como algo muito maior. “Música é meu meio, não é meu fim. Gosto de estar mergulhada no mar de música”, encerra.

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