Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

Ótima "Disque Prazer", da Netflix, tem sexo, amor e revolução social

Série holandesa "Disque Prazer", da Netflix, conta a história do primeiro serviço de telesexo da Europa em uma época cheia de transformações sociais

Vitória
Publicado em 12/04/2022 às 18h33
Série holandesa
Série holandesa "Disque Prazer", da Netflix, conta a história do primeiro serviço de telessexo da Europa. Crédito: Mark De Blok / Netflix

O final dos anos 1980 era uma época de transformações. Com a queda do Muro de Berlim, em 89, e a Guerra Fria se encaminhando para um fim, a mensagem mundo afora era clara: o capitalismo venceu e você também pode vencer. Para ser feliz, no entanto, basta ter dinheiro e ser bem-sucedido.

A compreensão desse período histórico é importante para entender as nuances de “Disque Prazer”, série holandesa da Netflix que, entre realidade e ficção, conta a história de um serviço de telessexo, o primeiro da Europa, que fez muito sucesso na Holanda. A série é baseada no livro “06-Cowboys”, de Fred Saueressig, que mostra a ascensão e a queda da Teleholding - a empresa vira Teledutch na série e várias situações são fictícias, mas o funcionamento da empresa e seus problemas são reais.

Em seus seis episódios, “Disque Prazer’, no entanto, está bem menos preocupada com os negócios dos irmãos Frank (Minne Koole) e Ramon (Chris Peters) do que com as histórias das pessoas que os cercam. A série tem início com um recurso batido, mas funcional: a cena chocante que desperta a curiosidade sobre o que aconteceu para que a história chegasse àquele ponto. A cena, no caso, é Frank em desespero dirigindo sua Ferrari em direção ao mar.

A narrativa volta para cerca de um ano antes daquele momento. É quando conhecemos Marly (Joy Delima), a real protagonista da série, uma jovem negra, de família conservadora, que cresceu acostumada a ser discreta, pois sua cor e sua origem surinamesa seriam motivos de desconfiança. Por um acaso, Marly é associada à Teledutch após um teste e expulsa da casa em que morava com os pais, nos subúrbios de Amsterdam, e se muda para o centro da cidade.

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Série holandesa "Disque Prazer", da Netflix, conta a história do primeiro serviço de telessexo da Europa. Crédito: Mark De Blok / Netflix

É interessante como a capital holandesa é uma personagem da série. A Amsterdam dos anos 80 ainda não era o paraíso turístico que é hoje e convivia com problemas de drogas e prostituição nas ruas. É esse lado da cidade que “Disque Prazer” explora, com a ascensão das festas underground de música eletrônica e a popularização do ecstasy nas baladas. Por isso, a série tem tudo o que se espera de uma trama na Holanda na época: sexo, drogas e festas.

Narrativamente, “Disque Prazer” se divide entre uma narração em primeira pessoa, quando é Marly no centro da história, e uma narrativa mais tradicional, quando são os outros personagens. A série usa o recurso da quebra da quarta parede em uma tentativa de levar o espectador para dentro da história, mas o resultado é apenas mediano. Ao invés de utilizar a quebra para criar um clima de cumplicidade entre o público e a protagonista, a série o utiliza de maneira didática, muitas vezes para explicar algo que acabou de acontecer em tela, um estilo muito mais próximo das obras de Adam McKay (“Não Olhe Para Cima”) do que da genial sutileza de “Fleabag”, por exemplo.

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Série holandesa "Disque Prazer", da Netflix, conta a história do primeiro serviço de telessexo da Europa. Crédito: Mark De Blok / Netflix

Outro aspecto narrativo interessante, mas nem sempre bem utilizado, é a construção da narrativa a partir de memórias, justificando as várias situações que afastam a série de uma pegada mais pé no chão e a aproximam do exagero. Funciona muito bem nos episódios iniciais, dando inclusive destaque à frase "memórias são como sexo: tudo é melhor na nossa imaginação" e conferindo um ar quase fantástico em alguns momentos. Quando a série avança, porém, o recurso é esquecido.

Voltando aos personagens, “Disque Prazer” se aproveita do clima geral de transformações para colocar seus protagonistas sempre em movimento e em jornadas de autoconhecimento. O texto lida com emancipação feminina, patriarcado, machismo, racismo e principalmente sexualidade. A tal “liberdade” oferecida pelo capitalismo quando se tem dinheiro possibilita que cada um escolha seu caminho - é curioso que os personagens só realmente decidem por um ou outro caminho quando a independência financeira já não é mais o problema.

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Série holandesa "Disque Prazer", da Netflix, conta a história do primeiro serviço de telessexo da Europa. Crédito: Mark De Blok / Netflix

O roteiro é eficaz ao desenvolver as tramas de Marly, Frank e Ramon de forma individual, mas com alguns pontos em que elas se encontram, sempre ligadas pela Teledutch. A série tem um humor constante e uma espécie de encanto à medida que dividimos com os personagens suas conquistas e viradas com uma empolgação genuína.

“Disque Prazer” é uma série curta, com apenas seis episódios, mas que nunca parece atropelada. A narrativa aproveita bem o tempo para desenvolver os personagens em torno da história da empresa. Com uma sensualidade pouco explícita e um humor que torna a trama divertida, a série holandesa consegue ter o sexo como tema central, mas não funciona ao redor dele, tendo mais semelhanças com a sueca “Sexify” do que com a mexicana “Desejo Sombrio” ou a estadunidense "Sex/Life", ambas da Netflix.

"Disque Prazer" é uma das boas surpresas recentes do catálogo da Netflix e, mesmo que não tenha uma segunda temporada para explorar o gancho deixado, funciona como uma história bem contada, com bons personagens, misturando realidade e ficção e fazendo bom uso da ambientação histórica.

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