Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Ana Muller busca Brasil e fala de amor em disco "Prelúdio"

Cantora capixaba regravou músicas do início de carreira no recém-lançado "Prelúdio", mas com uma pegada mais brasileira. Indícios do próximo disco, segundo ela

Vitória
Publicado em 22/12/2020 às 12h00
Ana Muller, branca de cabelos curtos, com tatuagens nos braços, sorri em sua casa enquanto posa para a foto.
Cantora capixaba Ana Muller. Crédito: Fernanda Tiné/Divulgação

Ana Muller é tímida, o que pode parecer estranho quando levamos em conta que a jovem de Ibatiba, Sul do Estado, se tornou conhecida Brasil afora com vídeos postados no YouTube. Ana, vale ressaltar, é um caso curioso da música capixaba: assim como Silva, ela se tornou famosa na internet, e consequentemente em todo o país, antes de ganhar reconhecimento local.

“Até hoje tem pessoas que não associam que sou daqui. Durante um tempo isso me deixou chateada. Pô, sou de Ibatiba, que é bem interiorana”, conta Ana Muller, em entrevista por telefone, antes de completar: “Acho que a culpa é um pouco minha, porque não sou muito de sair. Sou reclusa, não estou no meio da galera”, reflete.

O motivo da entrevista é o lançamento do disco “Prelúdio”, um trabalho de voz e violão que se assemelha mais ao início da carreira de Ana do que a “Incompreensível”, disco lançado em 2019. A semelhança, na verdade, não está apenas no estilo - em “Prelúdio”, Ana Muller resgata músicas do início da trajetória, como “Fragmentar”, “Basta”, “Roseira”, entre outras, e confere a elas não só uma nova cara, até porque algumas nem são tão diferentes assim das originais, mas uma nova qualidade sonora.

“Algumas dessas músicas estavam disponibilizadas com gravações caseiras, feitas no telefone. E eram as músicas mais ouvidas. Isso me incomodava”, explica. “O problema é que quando tiramos, veio um monte de gente reclamar. A gente falou que ia substituir, mas teve fã que ficou bravo (risos)”, completa.

A ideia de “Prelúdio” veio desse incômodo de Ana com a qualidade das gravações de algumas de suas músicas antigas, mas não foi só isso. “Senti uma urgência muito grande de resolver as minhas primeiras músicas antes de lançar um novo trabalho inédito”, diz, mas tem algo mais. A ideia de Ana Muller é que “Prelúdio”, como o nome indica, seja um indicador do que virá em seu próximo trabalho. “Vai ser completamente diferente do ‘Incompreensível’. É um projeto mais brasileiro, com brasilidade, suingue mesmo, então já comecei a preparar o território para não pegar o público de supetão, sem entender nada”.

De fato, “Prelúdio” é diferente. É tão intimista quanto as gravações originais das músicas nele presentes, mas tem mais balanço. A mudança, segundo Ana, é intencional, mas ela já vinha cantando algumas músicas dessa forma. Além das já conhecidas, há também a inédita “Que Que Isso, Doutor?”, provavelmente o trabalho mais “brasileiro” da cantora até hoje.

Confira abaixo a entrevista na íntegra na qual Ana Muller fala sobre “Prelúdio”, o vindouro EP, a vida de uma artista independente no Brasil e também sobre o processo de autoconhecimento pelo qual passou lidando com a depressão e o significado disso tudo em “Incompreensível”.

Como surgiu o projeto "Prelúdio" pra você? Remete muito ao início da sua carreira...

Eu tinha uma pausa no meu trabalho no ano passado, ia ficar este ano todo sem trabalhar, independente da pandemia. Agora, retornado, já estou com material novo e já começamos até a fazer a pré-produção disso, só que eu senti uma urgência, uma necessidade muito grande de resolver as minhas primeiras músicas. Antes de lançar um trabalho totalmente inédito, eu queria regravar as músicas antigas em qualidade boa. As que estavam nas plataformas eram músicas gravadas com telefone, retiradas de vídeos do início da minha carreira. Isso me incomodava. Eram as músicas mais ouvidas, mesmo com a qualidade péssima. Falei "isso é inadmissível" Estavam em todas as plataformas e eram as mais ouvidas. Quando tiramos, veio um monte de gente reclamar. A gente falou que ia substituir e ficaram bravos.

Um apego, né?

Tem um carinho com a história. Enfim, quem sabe eu não pegue isso tudo um dia, as coisas gravadas no celular, e lance (risos).

As músicas ganharam uma nova roupagem, uma brasilidade na cantada... Foi intencional isso?

Sim. A gente gravou todas essas músicas nas versões quase originais, mas veio o violão de nylon e eu já as canto um pouco diferente. O projeto "Prelúdio", além de ser uma referência ao início mesmo, é também uma preparação de território para o projeto que vem, que é completamente diferente do meu último disco. É um projeto mais brasileiro, com mais brasilidade, suingue mesmo, então eu já comecei a preparar esse território para o público de supetão, sem entender nada.

Ana Muller, branca de cabelos curtos, com tatuagens nos braços, sorri em sua casa enquanto posa para a foto.
Cantora capixaba Ana Muller. Crédito: Fernanda Tiné/Divulgação

Você sempre foi muito confessional nas músicas, falou abertamente sobre a depressão com a qual convive. Esse processo de reviver músicas antigas traz de volta também sentimentos antigos?

O principal que elas trazem pra mim são lembranças de shows. São as músicas mais conhecidas pelo público. Depois a gente lança a música, ela toma uma certa distância da nossa própria história e vira algo coletivo. Tem muita música que me lembra histórias de fãs que vem falar sobre o que passou com relação a essa ou aquela música. O que mais me bateu regravando essas músicas foi a saudade do palco, a saudade do público, e isso me fez rever meu pensamento em relação a isso. Eu dei uma pausa no meu trabalho porque eu estava num momento bem difícil na minha vida pessoal. Precisava dar uma pausa pra cuidar da minha cabeça, mas também estava um pouco saturada de estrada, não tinha férias há muito tempo. Retornar, gravar essas músicas sem o público foi muito estranho, me fez dar mais valor a isso.

Os trabalhos têm uma diferença sonora legal. Essas diferenças vêm de algo que você consumiu em diferentes momentos?

Sempre consumi de tudo. Fui criada ouvindo música sertaneja raiz e isso tem muito nas minhas letras, na minha forma de compor. Sempre ouvi muito rock dos anos 1980 e sempre ouvi música brasileira. Não sou uma grande ouvinte de música internacional. Nos últimos anos eu tenho ouvido muito mais música brasileira, muito João Gilberto, Dorival Caymmi, as primeiras coisas do Caetano... Então eu estou mais aficionada nisso, o que dá pra perceber em "Prelúdio". O meu primeiro EP, além de eu ser bastante jovem, veio muito pop. Já o primeiro disco full, o "Incompreensível", é bem diferente. Eu já sentia uma necessidade de fazer uma coisa mais experimental, com instrumentos e sonoridades em conflito. É um disco que fala desse processo de encontros, desse processo de depressão, desse outro eu... Agora, depois de eu ter resolvido a minha cabeça, venho com uma coisa mais leve tanto sonora quanto na forma de compor. Falo de coisas mais tranquilas, volto a falar de amor. "Incompreensível" não fala nada de amor, é só do "eu".

Você roda bastante e sua carreira tem até mais destaque fora do ES. Fez um caminho via internet, talvez uma das primeiras por aqui...

Até hoje as pessoas não associam que eu sou daqui. Durante um tempo isso me deixou um pouco triste. Pô, eu sou capixaba inclusive do interior, de Ibatiba, que é bem interiorana. Isso me deixava chateada, mas hoje em dia eu acho que a culpa é um pouco minha porque não sou muito de sair, sou muito reclusa, então não estou no meio da galera. É raro eu estar na rua, então entendo que não me veem por aí e acham que eu moro em São Paulo ou em algum outro lugar...

Mas você participou do disco do Rodrigo Novo agora com uma música muito bonita...

Participei dos dois Rodrigos, o Novo e o Alarcon, de São Paulo. Eu amei participar dos dois projetos. O Rodrigo Novo é um cara que admiro muito. Ele é um músico muito virtuoso. Fiquei muito feliz que ele me chamou.

Ana Muller

Cantora e compositora

"(...) depois de eu ter resolvido a minha cabeça, venho com uma coisa mais leve tanto sonora quanto na forma de compor. Falo de coisas mais tranquilas, volto a falar de amor. "Incompreensível" não fala nada de amor, é só do 'eu'."

Você consegue hoje viver de música?

Hoje eu vivo basicamente de música. Desde que eu comecei a fazer shows e viajar pra tocar, eu não consegui mais trabalhar. Eu era funcionária pública, trabalhava numa secretaria de uma escola, aí comecei a fazer shows e, mesmo sendo nos finais de semana, às vezes de quinta a domingo. Aí eu comecei a faltar demais (risos) e não tinha como me manter num emprego. Eu comecei a conseguir pagar minhas contas e viver bem. Agora nessa pandemia tá complicado mesmo, as coisas se apertam um pouco mais, mas tenho muita gratidão ao meu trabalho, que é uma coisa que perturbou durante esse tempo afastado, não sabia se queria voltar a tocar. Tomar essa distância me fez ter muita gratidão. Poxa, eu consigo me sustentar com meu trabalho mesmo sendo uma artista independente. Então é muita gratidão pela estrada, pela galera que escuta...

O independente hoje te dá uma estrutura maior, né?

Leva um tempo pra você conseguir encontrar esse caminho. O início é muito conturbado. Passei por um início conturbado, de coisas que você vê em filme... Ser roubada por produtor, ser enganada, ir pra São Paulo fazer show, casa lotada, lotadíssima, e a pessoa me pagar R$ 200, aí depois eu fico sabendo que a casa lucrou R$ 5 mil, sabe? No início rolou isso, mas agora tô calejada. Isso é um pouco ruim porque faz você ficar desconfiada de todo mundo, mas depois que você encontra a galera certa, é maravilhoso. Você tem a liberdade e o sofrimento do independente, mas tem uma ajuda. Hoje tenho uma assessoria maravilhosa, a galera que trabalha comigo, da Taquetá, também é excelente. Isso é muito bom pro artista. O independente que trabalha totalmente sozinho é de surtar.

E o disco novo, já está gravado?

A gente já escolheu as músicas, já tem um caminho estético de como elas serão. Esse EP não será só voz e violão, mas ele terá muito dessa bossa, desse violão de nylon. Ele vai ter esses complementos musicais, outros instrumentos, mas ainda não gravamos. Eu tô agora terminando de lançar "Prelúdio" e logo a gente lança alguma coisa pela Taquetá, não uma coisa só minha. Aí a gente começa a gravar o meu EP no ano que vem. A gente preferiu adiar um pouco...

Você fala "a gente" o tempo todo (risos). Quem são as pessoas que estão com você?

(risos) Tem a Niela (Moura), uma das produtoras artísticas do disco, vai assinar como produtora, e o (Pedro) Kurtis, que é produtor executivo, cuida da parte de pensar, de quando vai ser lançado e essas coisas.

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