É doutor em Geografia, mestre em Arquitetura e Urbanismo, pesquisador do Instituto Jones dos Santos Neves e professor da UVV. Escreve às quartas

A inconsequente política armamentista de Bolsonaro

A flexibilização do acesso às armas de fogo posta em prática pelo presidente está garantindo brechas para que verdadeiros arsenais de guerra cheguem às mãos de grupos criminosos.

Publicado em 09/02/2022 às 02h00
Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro posa com criança empunhando uma arma de brinquedo em evento em Belo Horizonte, em 2021. Crédito: Isac Nóbrega/PR

Nos últimos anos, a discussão sobre a flexibilização do acesso às armas de fogo ganhou evidência no Brasil com a ascensão de grupos políticos conservadores da extrema direita. Desde que o governo Bolsonaro assumiu o Palácio do Planalto, em 2019, já foram editados mais de quarenta instrumentos, dentre os quais se destacam decretos, portarias e projetos de lei, ainda em aberto, que objetivam única e exclusivamente ampliar o acesso às armas e munições. Alguns desses instrumentos foram questionados no Supremo Tribunal Federal (STF). No final de 2020, o ministro Edson Fachin suspendeu a decisão do governo federal que havia zerado a alíquota para a importação de armas de fogo.

O aparente pretexto de toda essa movimentação armamentista, por parte da presidência da república, seria garantir o direito de autodefesa do dito “cidadão de bem” às eventuais investidas de criminosos. Vale lembrar que estudos no campo da segurança pública sinalizam que a taxa de sucesso na reação a um assalto é menor do que 10%. Por esse e outros fatores, as polícias sempre recomendam às vítimas a não reagirem a eventuais abordagens de criminosos.

Acontece que a política de flexibilização posta em prática por Bolsonaro está possibilitando que civis adquiram dezenas de armas de fogo e milhares de munições por meio das licenças para Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs).

De acordo com um levantamento de dados realizado via Lei de Acesso à Informação (LAI) e publicado pela parceria entre o jornal O Globo e os institutos Igarapé e Sou da Paz, em 2021 o Exército concedeu mais de mil novos registros por dia para CACs no Brasil. Esse número é bem superior às 567 licenças de tal tipo concedidas diariamente em 2020. Ao longo de 2021 foram mais de 388 mil novas licenças concedidas aos CACs.

Vale lembrar que um dos atos armamentistas de Bolsonaro, o Decreto nº 10.629/2021, possibilita a um caçador e um atirador registrados a compra de até 30 e 60 armas, respectivamente, sem a necessidade de autorização expressa do Exército, o que dificulta e muito a fiscalização e controle pelas autoridades. Isso gera um ambiente propício para o cometimento de violências banais cotidianas desencadeadas por discussões de trânsito, brigas entre vizinhos e desentendimentos de casais, sem falar dos disparos acidentais de armas de fogo.

Para além disso, a corrida armamentista fomentada pelo presidente da república está garantindo brechas para que verdadeiros arsenais de guerra cheguem às mãos de grupos criminosos. Indivíduos estão se fazendo valer dessa ampla flexibilização para adquirirem legalmente inúmeras armas de fogo que em um segundo momento são comercializadas e distribuídas entre grupos criminosos.

Nos últimos anos, estão se tornando recorrentes operações como a realizada no último dia 25 de janeiro, pela Polícia Civil e Ministério Público do Rio de Janeiro, que apreendeu um arsenal na casa de um sujeito que possuía registro de colecionador no Grajaú, zona norte do Rio. A investigação apontou que o indivíduo revendia o armamento para traficantes da mais conhecida facção do RJ. Com ele foram apreendidos 26 fuzis, 21 pistolas, 2 revólveres, 3 carabinas e outras armas “legalizadas”. Tal arsenal foi avaliado em R$ 1,8 milhão.

Esse pode ser considerado mais um dos efeitos da inconsequente política armamentista de Bolsonaro e seu bizarro culto à morte. O Brasil vai conviver durante muito tempo com os efeitos negativos da ampla flexibilização de acesso às armas de fogo que o presidente está promovendo. É preciso descontruir o mais rápido possível os mecanismos da corrida armamentista no país, em favor do resgate e da consolidação de uma cultura de paz.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.