Mariana Reis é administradora de empresas e educadora física. É pós-graduada em Gestão Estratégica com Pessoas e em Prescrição do Exercício Físico para Saúde. Atua como consultora em acessibilidade e gestora na construção e efetivação das políticas públicas para a pessoa com deficiência em Vitória

Podemos dar as mãos?

Tem dias que precisamos das mãos para abrir os horizontes que insistem em se estreitar. Tem dias que as mãos juntam os elos e desenham poemas.

Publicado em 30/03/2021 às 02h00
Atualizado em 30/03/2021 às 02h04
Mãos dadas para o afeto
Está em nossas mãos fazer com que tudo passe e dê certo. Para o bem ou para o mal a mão manda sinal. Crédito: br.freepik.com

A semana foi dura. Saúde em colapso, mais de cem pessoas morrendo por hora no país. O coração cansa do que não sabe sentir. Pessoas exaustas, palavras que não cabem, vírus e variantes a galope, esperança que nos escapa das mãos.

Quando me preparava para escrever a coluna, me debatia para escapar da dúvida entre falar da pandemia ou da invisibilidade das pessoas com deficiência no meio dessa crise toda. Tinha algumas observações em mãos, notícias e vários trechos que já havia escrito para completar o texto, mas nada me tirava do lugar. Pensei: preciso sair. Dar uma volta. Abaixei a cabeça, que logo se apoiou nos braços, e puxei a respiração. Sensação imensurável num momento em que estamos nos afogando fora da água. E lembrei das aulas de Escrita Livre, em que a professora diz: “inspira e expira” antes de começar a escrever. É preciso se esvaziar, diz ela. E foi quando fui atravessada subitamente em pensamento, um silêncio profundo me paralisou. Larguei a caneta e fui pegar um café. Entre ir até à cozinha e voltar para o quarto, tomei a decisão de enfrentar o assunto da semana: o implacável gesto feito com a mão do assessor do Presidente da República, Filipe Martins.

Fiquei tão surpresa quanto horrorizada com os muitos nomes, gestos, representações e frases que esses grupos de pessoas usam para serem identificadas entre elas e para se autoafirmarem como pessoas superiores às outras.

Comunicação cifrada pelo ódio

Essas estratégias de comunicação, que envolvem códigos ou gestos, são estudadas por pesquisadores e elas servem para identificar o que é chamado de dog whistle, que em português significa apito para cães. Da mesma forma como somente esses animais podem escutar o som que o instrumento faz, o gesto é reproduzido para que somente aqueles que conheçam os códigos possam se identificar e se reafirmar. A mão do assessor, disfarçando em ajustar seu terno, – quem ajeita terno assim? – ao que tudo indica, parece incitar o ódio e mostrar a força dos brancos.

Aquele sinal quer dizer “tudo certo” ou “ok”, e pasmem, além disso tem um palavrão que envolve o código e que não ouso dizer e nem merecemos que esteja aqui, mas só um grupo entende a mensagem secreta. E como entende.

Por mais mãos na consciência

Essa forma de se comunicar, feita pelo assessor, foi apropriada pelos Estados Unidos, onde os três dedos esticados significam “W” de White, e o círculo significa a letra “p” de Power (White Power) – ou seja, poder branco. Enquanto ouvia sobre o assunto na aula de Política do Mestrado, minha cabeça girava em torno do sinal em LIBRAS, do sentimento ou da palavra ódio. Que nada tem a ver com isso, mas o gestual me vinha à mente a todo instante como uma percepção consciente de que também (infelizmente) poucos entendem por não saberem a língua: punho cerrado, faz um movimento semicircular saindo do coração. Tão forte, tão intenso, tão real.

O café vai chegando ao fim enquanto repasso mentalmente o alfabeto em LIBRAS para tentar encontrar alguma letra que se assemelhe ao gesto obsceno do assessor. Não. E não me atrevo em detalhar sobre os muitos significados daquela mão e na real intenção do moço. Como muitos brasileiros, eu também desconheço um tanto sobre os vários movimentos de direitas extremistas e da comunicação virtual utilizada pelo presidente e sua equipe. Mas enquanto ignoramos o que não é dito verbalmente, as mensagens se alastram, tomam novas formas em névoas turvas.

Enquanto escrevo tento dar um respiro na turbulência interna. Porque tem dias que precisamos das mãos para nos livrar do que nos sufoca. Tem dias que precisamos das mãos para abrir os horizontes que insistem em se estreitar. Tem dias que as mãos juntam os elos e desenham poemas. Está em nossas mãos fazer com que tudo passe e dê certo. Para o bem ou para o mal a mão manda sinal.

Por gestos mais poéticos

Mãos que falam

Mãos que calam

Mãos que curam

Mãos que recolhem

Mãos que apertam

Mãos que acalmam

Mãos que limpam

Mãos que sujam

Mãos que se dão

Mãos que tiram

Mãos que emanam

Mãos que vibram

Mãos que se entrelaçam sem toque

Mãos que se unem em sinal de prece

Mãos que gritam por cuidado

Mão que em silêncio fortalecem o elo

Mão que se soltam

Mãos que seguram

Mãos que tem força

Mãos que viram o jogo. É a hora.

Eu seguro as suas mãos daqui

E você não solta

Na consciência colocamos as mãos

Pela Paz nos damos as mãos.

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