Biólogo, mestre em Gestão Ambiental, comentarista de Meio Ambiente e Sustentabilidade da rádio CBN Vitória

Poluição visual nos postes da Grande Vitória nos deixa entre fios e riscos

A poluição visual, em especial a provocada pelos fios, não pode mais ser ignorada como um problema menor. Ela é sintoma de um adoecimento urbano que só pode ser curado com gestão pública eficiente, participação social e compromisso

Vitória
Publicado em 16/06/2025 às 05h00

É difícil passar por algumas ruas da Grande Vitória e não erguer os olhos com desconforto não por contemplação das árvores ou do céu, mas pelo emaranhado de fios que tomam conta dos postes como uma teia urbana fora de controle. A paisagem que poderia acolher o olhar, hoje assusta.

Em bairros movimentados de Vila Velha, Vitória, Serra e Cariacica, os cabos se multiplicam, se sobrepõem, se soltam e, muitas vezes, são vítimas de vandalismo. O resultado? Risco de choques, incêndios e até quedas de postes. E uma poluição que não se vê apenas com os olhos, mas se sente na insegurança do cotidiano.

A poluição visual não é apenas um incômodo estético é também um reflexo do desordenamento urbano, da falta de planejamento e de fiscalização. No caso específico dos fios nos postes, a situação agrava-se ainda mais pelo abandono de cabos obsoletos e pela proliferação de instalações irregulares feitas por empresas de internet, TV a cabo e telefonia.

Fios de energia elétrica, Poste
Fios de energia elétrica. Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil

Mas afinal, de quem é a responsabilidade por essa teia urbana que ameaça nossa paisagem e segurança?

Uma responsabilidade que se entrelaça

Segundo a legislação brasileira, os postes pertencem às distribuidoras de energia elétrica no Espírito Santo, à EDP, que têm a obrigação de organizar o uso compartilhado com empresas de telecomunicação. Esse uso é autorizado pelo Art. 73 da Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações), enquanto a Resolução Conjunta ANEEL/ANATEL nº 4/2014 e a Resolução ANEEL nº 1.000/2021 determinam que cabe à concessionária fiscalizar e garantir a segurança da estrutura, inclusive removendo ligações irregulares.

No plano estadual, o Código de Meio Ambiente do Espírito Santo (Lei Complementar nº 140/2001) reconhece o valor paisagístico do espaço urbano. Já os municípios, conforme o Art. 30 da Constituição Federal, têm a prerrogativa de legislar sobre o ordenamento urbano. Um exemplo é Vitória, cuja Lei Municipal nº 9.424/2019 autoriza a aplicação de multas a empresas que mantêm a fiação em desordem.

Apesar disso, a responsabilidade segue fragmentada entre:

  • União, por meio da ANATEL, que regula os serviços de telecomunicações;
  • Estado, através das agências de energia e órgãos de planejamento urbano;
  • Municípios, responsáveis pela organização visual e segurança do espaço público.

Essa sobreposição de competências acaba gerando inércia: fiscalizações são esparsas, a remoção de cabos abandonados é lenta, e a população permanece exposta a riscos. Em 2024, o Instituto de Arquitetos do Brasil ES apontou a existência de centenas de quilômetros de cabos abandonados na Grande Vitória. Em bairros como Itararé, Coqueiral de Itaparica e Jardim Limoeiro, são frequentes os relatos de fios caídos, furtos de cabos energizados e até curto-circuitos em vias públicas

Uma questão de paisagem e saúde pública

Não é apenas a poluição visual em si que deve preocupar os gestores. A exposição desnecessária a fios e cabos mal mantidos representa um risco à saúde pública. Em períodos de chuva, por exemplo, fios soltos podem representar choques fatais. Em dias quentes, a fiação emaranhada colabora para o acúmulo de calor, agravando ilhas térmicas urbanas.

Há ainda o aspecto psicológico: cidades com excesso de fios, luminosos desregulados e estruturas precárias criam um sentimento de abandono e descuido, afastando investimentos e reduzindo a autoestima da população.

Soluções possíveis

A substituição da rede aérea por rede subterrânea é um desejo antigo e já praticado em alguns trechos turísticos de Vitória, mas o custo é elevado. No entanto, outras ações são mais imediatas e viáveis:

  • Criação de consórcios intermunicipais para regulamentar, fiscalizar e punir empresas que deixam cabos abandonados;
  • Digitalização do mapeamento da rede aérea para identificar pontos críticos e planejar intervenções;
  • Campanhas educativas e de denúncia, envolvendo a população como parte do processo de fiscalização;
  • Planos de ordenamento visual nos planos diretores municipais, obrigando empresas a respeitarem normas urbanas estéticas e de segurança.

É hora de encarar o poste

Enquanto o poder público não assume com clareza o protagonismo na regulação desses fios e não atua de forma coordenada, seguiremos presos em cidades que envelhecem visualmente mais rápido do que se desenvolvem.

A poluição visual, em especial a provocada pelos fios, não pode mais ser ignorada como um problema menor. Ela é sintoma de um adoecimento urbano que só pode ser curado com gestão pública eficiente, participação social e compromisso com um espaço urbano mais seguro, bonito e digno para todos.

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