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Juiz do ES é punido com aposentadoria compulsória pela 2ª vez

Marcelo de Souza Noto já havia sido punido por coagir uma testemunha. Agora, foi aposentado por uma série de irregularidades, entre elas "esquema de favorecimento" e atuação no processo de um morto-vivo

Vitória
Publicado em 16/02/2023 às 20h42
TJES
Sede do Tribunal de Justiça do ES. Crédito: Carlos Alberto Silva

O juiz de Direito Marcelo de Souza Noto foi condenado em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) na noite desta quinta-feira (16).

Ele pegou a pena máxima, na esfera administrativa, a aposentadoria compulsória com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

Em novembro de 2021, ele já havia sido punido da mesma forma. Na prática, obviamente, ele não vai ter direito a duas aposentadorias. A consequência é que se ele conseguir, por meio de recursos, derrubar a primeira condenação, resta a segunda.

As acusações que levaram ao desfecho desta quinta-feira são várias. Entre elas, um esquema de favorecimento em que o magistrado, que atuava em Presidente Kennedy, beneficiava amigos com decisões céleres e favoráveis.

E ainda o caso em que Noto autorizou a liberação de dinheiro para a suposta viúva de um homem que, na verdade, estava vivo. 

A sessão do TJES durou três horas e meia e julgou apenas este processo na pauta judicial (há também a administrativa, que foi breve).

O advogado Henrique Zumak fez sustentação oral e defendeu, ponto a ponto, o juiz. 

O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) foi aberto ainda em maio de 2019, quando Marcelo de Souza Noto foi afastado das funções.

Nesse período, ele foi alvo de outro PAD, por coagir uma testemunha.

Uma mulher acusava um magistrado, amigo dele, de assédio sexual. Noto, de acordo com a Corregedoria-Geral da Justiça, tentou fazer a mulher mudar o depoimento prestado e até ofereceu recompensá-la por isso. 

O juiz acusado de assédio, Vanderlei Ramalho, foi aposentado compulsoriamente. O amigo, também.

LISTA LONGA

O PAD aberto em 2019, que resultou na segunda aposentadoria compulsória, é extenso. Contém 64 eventos, ou desdobramentos de eventos, que são os apontamentos de irregularidades.

Cerca de 120 testemunhas foram ouvidas.

O relator do caso, desembargador Annibal de Rezende Lima, entendeu que há comprovação de que o juiz cometeu a maior parte das faltas disciplinares apontadas pela corregedoria e votou pela pena máxima.

Os demais desembargadores o seguiram.

PAGAMENTOS IRREGULARES

O magistrado, por diversas vezes, determinou que a Prefeitura de Presidente Kennedy depositasse valores devidos a empresas que acionaram a Justiça e, em seguida, autorizou que essas empresas pudessem sacar o dinheiro, mediante a apresentação de uma garantia, que poderia ser um imóvel ou um veículo apontado pelo próprio credor.

O rito correto para se receber dívidas com a prefeitura, entretanto, seria o precatório. 

Curiosamente, as empresas, na maioria das vezes, contratavam um advogado amigo do magistrado, que atuava nos processos mesmo assim. 

Annibal de Rezende Lima

Desembargador

"Envolvendo valores que, somados, giram em torno de R$ 2,6 milhões, conforme apontado no voto do corregedor"

A defesa do juiz argumentou que ele não era realmente amigo do tal advogado, que foi padrinho de casamento de Marcelo de Souza Noto.

O advogado Henrique Zumak lembrou que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, rejeitou dar-se por suspeito em um processo mesmo sendo padrinho de uma das partes, o que foi referendado pelo plenário da Corte.

As testemunhas, entretanto, contaram que esse não era o único vínculo do juiz de Kennedy com o advogado que, aliás, somente passou a atuar na comarca depois que Noto assumiu o cargo.

Quanto aos pagamentos liberados de forma heterodoxa pelo juiz às empresas, a defesa ressaltou que, desde 2011, a prefeitura pagava diretamente as dívidas, não as incluía em precatório, já que os cofres estavam cheios.

MORTO-VIVO

Um dos episódios mais curiosos envolve um "morto-vivo" e se passou em 2017.

Uma mulher, por meio de um advogado que, desta vez, não era o amigo do juiz, apresentou uma certidão de óbito e um documento comprovando que havia mantido união estável com um homem que morreu.

Ela pleiteava a transferência de todos os valores em investimentos e conta corrente do homem para a conta do advogado dela. Rapidamente, o juiz concordou. Mandou a ordem, por e-mail, para o banco, localizado na Avenida Faria Lima, endereço do mercado financeiro em São Paulo.

A agência ignorou a determinação. O magistrado insistiu e conseguiu bloquear, via Banco Central, R$ 6 milhões, que deveriam ser direcionados ao advogado da mulher.

Ocorre que o suposto morto estava bem vivo. 

E tal procedimento somente se aplicaria, legalmente, a espólios de até mil salários mínimos, o que, em valores da época, resultaria em cerca de R$ 1 milhão.

Ação ajuizada em Kennedy apresentou "circunstâncias nebulosas", conforme destacou o desembargador Annibal de Rezende Lima. 

O juiz, de acordo com a apuração no âmbito do PAD, levou a petição inicial em mãos ao setor de protocolos, o que não é usual. 

Os fatos narrados "geram perplexidades que esse relator não conseguiu estancar", afirmou Rezende Lima.

"Pairam sérios questionamentos, inclusive envolvendo o juiz Marcelo de Souza Noto na fraude", prosseguiu o relator. Isso não ficou provado, mas o trâmite irregular do processo, sim.

O advogado do morto-vivo, diante do bloqueio dos R$ 6 milhões, entrou em contato com o juiz e informou que a certidão de óbito e o documento de união estável eram fraudados. 

A vítima não perdeu o dinheiro.

"O homem (o morto-vivo) disse não ter qualquer suspeita sobre a conduta do juiz e que não perdeu um real com isso", argumentou a defesa do magistrado. 

O advogado que representou a mulher que se passou por viúva da vítima também foi ouvido no PAD. Ele afirmou que foi procurado pela mulher, moradora de Kennedy, em dezembro de 2016 e que ela contou a história de que o homem havia morrido e lhe apresentou os documentos.

O atestado de óbito, contudo, datava de fevereiro de 2017. 

Certamente, eles têm explicações a dar à Justiça, mas em outro procedimento. O PAD é um processo específico para o juiz.

"ABELHA RAINHA"

Outro episódio rumoroso diz respeito à ex-secretária municipal de Presidente Kennedy Geovana Quinta Costa Longa. O nome dela não foi mencionado, com todas as letras, na sessão de julgamento do PAD. Somente as iniciais.

Mas, em 2019, quando o processo foi instaurado, sim. O apelido dela na cidade, de acordo com os autos, era "abelha rainha", tamanha a influência política.

De acordo com testemunhas, Geovana e o magistrado da cidade tinham uma relação amorosa. A então secretária municipal respondia a processos cíveis e até a uma ação penal e o juiz atuou nos processos, sem se dar por suspeito, mesmo assim. 

Em depoimento, ele contou ao relator do PAD que chegou a coletar o depoimento dela, junto com o promotor de Justiça, na ação derivada da Operação Lee Oswald, deflagrada em 2012, que desarticulou uma organização criminosa que fraudava os cofres públicos. 

O desembargador relator apontou, ainda, que o juiz interferiu em uma investigação da Polícia Civil para beneficiar Geovana. Ela e uma prima foram acusadas de criar uma página falsa no Facebook para atacar outra pessoa. 

O juiz pediu que a prima da então secretária municipal assumisse a culpa sozinha. A própria prima admitiu isso ao relator do PAD.

Marcelo de Souza Noto, negou, em depoimento no PAD, ter tido um caso com Geovana. A coluna tentou contato com ela na noite desta quinta, mas não obteve retorno.

Aqui nem estão listadas em detalhes todas as acusações da corregedoria contra o juiz acolhidas pelo pelo do TJES, porque são muitas.

Em outros processos envolvendo amigos, por exemplo, o magistrado também não se deu por suspeito. Atuou rapidamente e ainda deu decisão favorável a eles.

Já uma ação penal em que um dos maiores proprietários rurais de Presidente Kennedy era réu ficou parada, sem justificativa, por três anos. Até que a defesa arguiu a prescrição da pretensão punitiva. 

Esse caso não chegou a ser julgado por Souza Noto porque ele já estava afastado.

Por diversas vezes, o relator do PAD ressaltou a "gravidade dos fatos comprovados".

A defesa pode recorrer.

Em relação à primeira condenação à aposentadoria compulsória, os advogados chegaram a apresentar embargos de declaração, que nem sequer foram reconhecidos pelo Pleno do TJES. O entendimento é que não cabe embargo de declaração no caso de PAD.

O JUIZ PODE PERDER O CARGO?

A pena de aposentadoria compulsória é a máxima na esfera administrativa, mas se for condenado em ação penal transitada em julgado (quando não é mais possível recorrer), um juiz pode, sim, perder o cargo.

Só que isso quase não acontece. O trâmite é muito longo.

O PAD é concluído mais rapidamente. E é daí que vêm as notícias de punições a magistrados que causam espanto, como esta que você está lendo.

Por isso, parece que a pena máxima, entre todas as possíveis, é a aposentadoria compulsória. Um magistrado, no entanto, pode responder, pelos mesmos atos, na esfera administrativa e na criminal.

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