Doutor em Doenças Infecciosas pela Ufes e professor da Emescam. Neste espaço, faz reflexões sobre saúde e qualidade de vida

Brasil na lista dos piores em imunização

Múltiplos fatores, inclusive o próprio desaparecimento de várias doenças no cotidiano das famílias, levaram a um relaxamento com a vacinação

Publicado em 31/07/2025 às 02h00

A varíola, uma das mais cruéis doenças infecciosas da história da humanidade, foi erradicada em 1979. Aqueles que logravam sobreviver a essa doença muitas vezes carregavam marcas indeléveis no rosto, cicatrizes que marcavam as pessoas. Graças a um esforço coordenado pela Organização Mundial de Saúde, a varíola foi eliminada do planeta.

Aliado a esse sucesso, a OMS lançou em 1974 um programa expandido de imunização, com o objetivo de estender os benefícios das demais vacinas às crianças de todo o mundo. No ano passado, após 50 anos, esse programa contabilizou a fantástica meta de 154 milhões de vidas salvas através da imunização, sendo 95% de crianças com menos de 5 anos de idade.

Um balanço dessas conquistas e dos desafios que persistem pode ser visto pelo leitor ou leitora em um instigante artigo publicado recentemente, numa das principais revistas medicas mundiais, The Lancet. Os pesquisadores mostram que, desde 1980, a cobertura de vacinação infantil para tuberculose, tétano, difteria, coqueluche, sarampo, poliomielite, praticamente dobrou de 38% para quase 80%. No entanto, em algum momento da década passada, ainda antes da pandemia, esse progresso estagnou e até alguma reversão foi detectada.

Múltiplos fatores, inclusive o próprio desaparecimento de várias doenças no cotidiano das famílias, levaram a um relaxamento com a vacinação. A pandemia piorou muito essa realidade. Agora, com dados de 2021, muito influenciados pela pandemia de Covid-19, com as restrições de isolamento e medo de contágio, o quantitativo de crianças com zero-dose aumentou. Crianças com zero-dose são aquelas que não receberam nem a primeira dose de vacina tríplice contra coqueluche, tétano e difteria. São crianças extremamente vulneráveis.

Essa população atingiu a extraordinária cifra de 18,7 milhões de crianças em 2021. Muitas dessas crianças vivem em áreas extremamente pobres ou áreas de conflitos e guerras. Oito países tinham mais da metade destas crianças em 2023: Nigéria, Índia, República Democrática do Congo, Etiópia, Somália, Sudão, Indonésia e o nosso Brasil.

A hesitação vacinal que ganhou força após as mil teorias conspiratórias envolvendo as vacinas de Covid-19 tem sua responsabilidade, mas não explica todas as circunstâncias. Basta olhar de novo o grupo de países listados acima. As coberturas vacinais melhoraram em 2024, mas ainda é muito pouco. A vacinação é comprovadamente uma das estratégias de saúde mais bem sucedidas e custo-efetivas. Estimativas mostraram que a taxa financeira de retorno do investimento pode ser até 44x o custo das vacinas.

As nossas campanhas de vacinação, como as da gripe, foram sofríveis nos últimos anos. Neste ano, menos da metade dos adolescentes que tomaram a primeira dose de vacina de dengue retornou para a segunda dose. Em 2025, pela primeira vez desde o ano da pandemia, gripe matou mais idosos que a Covid-19.

Na verdade, de acordo com o boletim do Ministério da Saúde, quase 3 vezes mais, especialmente idosos. Retomar a confiança e participação da população implica em esforço em todos os níveis, federal, estadual e municipal. As unidades têm que estar disponíveis sem criar qualquer dificuldade para vacinar, mesmo em horários não comerciais, sem agendamento pela internet, a que muitos idosos não têm acesso. Prevenir ainda é mais barato e sensato que tratar.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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