Gustavo Souza Correa é psicólogo e graduando em gerontologia. Entusiasta da longevidade, trabalha há mais de 18 anos com a temática do envelhecimento. Nesta coluna, nos convida a ressignificar a passagem dos anos e trilhar uma jornada de autoconhecimento para viver mais e melhor.

A velhice que queremos é uma escolha

Enfim, levantou e seguiu até a travessa do outro lado da mesa e antes de começar a cortar a torta, um raio de sensatez o lembra da consulta com a nutricionista e a semana toda regrada na alimentação

Publicado em 28/11/2023 às 08h00
idoso comendo Marshmalow
Em 1960 o psicólogo americano, Walter Mischel e sua equipe fizeram um experimento que ficou conhecido como o Teste do Marshmallow. Crédito: Shutterstock

Tentou a todo custo se entreter com as conversas que giravam a mesa naquele sábado à tarde. Em vão! Desde a chegada dela, não conseguia mais parar de olhar na sua direção.

O almoço havia sido de excessos. Não fizera a menor questão de regrar a massa, e certamente passou do ponto na carne. "Tenho uma queda por macarrão!". 

Levemente arrependido, naquele momento, quase não se aguentava sentado. Imagina se conseguiria se levantar pra ir até lá. "Melhor, não". 

Mesmo assim, a atração que sentia era de uma intensidade que não o deixava pensar em mais nada. Praticamente uma obsessão!

"Uma possessão! Posso, mas não devo". 

No fundo uma voz interior dava início a uma inquisição: você precisa mesmo disso? Você se comprometeu com ela?. 

Sustentou o autocontrole o quanto pôde, enquanto o inquérito prosseguia: pra que isso agora? Você não consegue se controlar? Não sabe manter a sua palavra? Se segura!

De repente uma coragem absurda lhe invade o corpo e abanando com a mão em torno da orelha, como que procurando se desfazer da autovigilância, com algum esforço, empurrou a cadeira para trás e ficou de pé. Segurou o quanto pôde, e justificando para si mesmo, se rendeu.

"Eu já 'chutei o balde' mesmo. Afinal, não é todo dia que a gente pode comer uma delícia dessas. Além do mais, nem sei se eu vou estar vivo amanhã".

Enfim, levantou e seguiu até a travessa do outro lado da mesa e antes de começar a cortar a torta, um raio de sensatez o lembra da consulta com a nutricionista (por insistência médica, diante do sobrepeso) e a semana toda regrada na alimentação.

"Ah, bobagem. Na segunda eu volto pra dieta. Um pedaço só não vai fazer mal".

Só que, depois do primeiro, sempre vem um segundo… Mais um pedacinho. Só um, só mais um gole, mais uma fatia, uma colherada, um pouquinho…

E a cena se repete ao longo dos finais de semana seguintes. Nas semanas seguintes… que se estendem com os feriados e dias santos. E assim, no empilhamento das ações, a distância entre o projeto e a realidade vai se tornando abismal.

Qual era mesmo projeto? Verão ou viver mais?

A semana se inicia e uma pergunta ecoa: se a gente sabe o que fazer, porque simplesmente não faz? E a resposta que vem, embora um tanto simplista, aponta em uma única direção: escolhas.

Escolher não é algo tão simples quanto pensamos. Porque esse universo abarca não meia dúzia de opções, mas sim, milhares delas.

Acordar cedo ou dormir mais um pouco? Exercício hoje? Beber ou não? Comer a feijoada ou parar na salada? E o pastel, a sobremesa? Prazer agora ou recompensa futura? Eis as questões!

Estima-se que indivíduos adultos tomem, em média, 35 mil decisões todos os dias.

35000! Parece bem absurdo (até porque não se tem fonte confiável que embase esse número). Mas não deixa de ser interessante, não é?!

O fato é que das mais simples às mais complexas, sejam elas conscientes ou inconscientes, enquanto estamos despertos (ou nem tanto assim), estamos decidindo alguma coisa. O tempo todo. Logo, viver é decidir.

Só para exemplificar, de acordo com investigadores da Universidade Cornell (Wansink e Sobal, 2007), tomamos 226,7 decisões por dia apenas com base em nossa alimentação,

Agora imagina como fica essa história se adicionarmos uma pitada de futuro às escolhas que precisam ser tomadas agora? Grosso modo, isso implica abrir mão daquilo que temos de forma imediata em prol de algo que ainda nem sabemos se vai acontecer! Não é assim com a velhice?

Isso faz sentido? Afinal, quem está disposto a trocar o certo pelo duvidoso?

Em 1960 o psicólogo americano, Walter Mischel e sua equipe fizeram um experimento que ficou conhecido como o Teste do Marshmallow.

Uma criança, entre várias guloseimas, escolhe um marshmallow e recebe uma instrução com uma promessa clara: pode comer o (um) doce imediatamente ou esperar por até 20 minutos e comer 2 (dois) doces. O que ela fez?

O que você faria?

Em seu livro, Mischel descreve que para algumas crianças essa decisão era muito dolorosa e muitas, após notoriamente sofrerem olhando para a guloseima à mesa a sua frente, preferiam comer o Marshmallow que já estava ali a ter de esperar o tempo combinado. Mas outras conseguem aguardar pelo ganho em dobro.

“As lutas que observamos, enquanto as crianças tentavam resistir à tentação de tocar a campainha, era de encher os olhos de lágrimas, levando-nos a aplaudir a perseverança e a torcer para que persistissem".

Prazer agora ou recompensa futura?

E por falar em escolhas… voltemos ao tema de nossas conversas.

Embora a vida não seja sempre doce, e envelhecer não seja uma escolha, hoje é possível afirmar que a velhice que queremos, é.

É claro que as decisões que, porventura, fazemos em nome de viver mais, são obviamente muito mais complexas que um simples doce agora ou dois daqui a pouco. Mas envolvem acima de tudo, usando as palavras do autor do Teste do Marshmallow, “a capacidade de retardar a satisfação imediata em nome de benefícios futuros”.

Do outro lado da mesa a travessa de doce… e assim, no empilhamento das ações. 

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