O anúncio recente do Ministério da Saúde de que o Brasil eliminou a transmissão vertical do HIV, ou seja, da mãe para o bebê, representa uma conquista histórica. São dados que inspiram esperança: a mortalidade por Aids caiu 13% entre 2023 e 2024, alcançando a menor taxa dos últimos 32 anos. Pela primeira vez em décadas, registramos menos de 10 mil mortes no país. Com base nesses dados, é possível afirmar que nesses dois anos mil vidas foram salvas! Um feito e uma conquista!
O Brasil, através do nosso SUS, disponibilizou gratuitamente terapias modernas capazes de tornar o vírus indetectável e intransmissível. Esse acesso universal, aliado à ampliação da testagem e ao uso de estratégias como a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), foi decisivo.
Para o âmbito materno-infantil, os números falam por si: queda nos casos de gestantes vivendo com HIV, queda no número de crianças expostas, redução de 54% nos inícios tardios de profilaxia neonatal. A taxa de transmissão vertical se manteve abaixo de 2%, e a incidência em crianças alcançou menos de 0,5 por mil nascidos vivos, critérios que atendem aos parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS) para eliminação da infecção como problema de saúde pública.
Por que esse avanço importa e por que ele não foi inevitável?
Esses resultados mostram que políticas públicas com base em evidência (na testagem ampla, no acesso a tratamento, na prevenção combinada) têm força real para mudar o rumo de epidemias. Eles confirmam aquilo que a epidemiologia já vinha alertando: que quando o Estado assume seu papel de garantidor de saúde, com investimento e com estratégia, é possível reduzir desigualdades, salvar vidas, interromper ciclos de transmissão.
Mas cabe alertar: nada disso é automático ou garantido. Essa conquista só existe porque houve decisão política, financiamento, articulação do SUS e persistência de profissionais de saúde, comunidades e sociedade civil.
Quando assumimos o governo em janeiro de 2023, sob a liderança da ministra Nísia Trindade Lima, recuperamos não só o nome do departamento de HIV/Aids, que havia sido subtraído durante o governo anterior, mas recuperamos as campanhas de prevenção, incorporamos novos medicamentos, novos testes diagnósticos e mais importante a centralidade histórica do trabalho conjunto com a sociedade civil, responsável por vários avanços no controle da Aids no país.
Além disso, lançamos o Programa Brasil Saudável, que de forma pioneira colocou como prioridade do país a eliminação de doenças socialmente determinadas como a transmissão vertical do HIV e a redução dos casos de HIV e Aids no país.
Portanto, é preciso reafirmar: essa conquista não foi ao acaso, assim como mil vidas foram salvas, em contextos em que a saúde pública é subfinanciada ou subvalorizada, a vulnerabilidade de pessoas vivendo com HIV tende a se intensificar e a transmissão vertical, e a morte por Aids dramaticamente, poderia ser ampliada.
Eliminar a transmissão vertical do HIV não significa apenas um dado epidemiológico; significa que muitas famílias terão filhos livres do vírus desde o nascimento. Significa que o estigma que persiste com força incrível no Brasil pode começar a ceder lugar à dignidade, à esperança, a uma vida com menos medo e mais saúde. Significa, finalmente, que podemos transformar o enfrentamento da Aids em uma história de passado, não apenas de luta.
Aprendemos com os quatro anos de um governo fundamentalista, retrógrado e negacionista que vidas podem ser perdidas caso não se guie pela ciência e pelas melhores evidências científicas. Por outro lado, os dados falam por si: quando cuidamos das ações de prevenção: mantendo a testagem em alta, entregando PrEP e PEP para quem precisa, garantindo o tratamento, mantendo o pré-natal acessível, promovendo educação sexual com base em ciência e não em preconceito, vidas são salvas! Essa é a lição fundamental que esses dados evidenciam.
Também precisamos cuidar da memória dessa vitória: lembrar que o SUS, com suas falhas e acertos, foi decisivo nessa conquista. Que sem um sistema público robusto, universal, gratuito, não haveria essa grande conquista da eliminação da transmissão vertical como problema de saúde pública. Tenho muito orgulho de ter feito parte desta história, tendo esse departamento sob minha gestão na Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente nos anos de 2023, 2024 e começo de 2025!
Finalmente, e talvez o mais importante, precisamos cuidar da solidariedade social: recordar que saúde pública não se faz só com remédio, mas com empatia, responsabilidade coletiva, luta contra o preconceito e acolhimento.
Sim, essa é uma grande vitória. Mas celebrar não pode nos fazer descansar. A epidemia de HIV/AIDS não está erradicada: ainda há pessoas vivendo com o vírus, novas infecções, desigualdades regionais, desafios no acesso e na adesão ao tratamento.
Hoje comemoramos a eliminação da transmissão vertical e o menor número de pessoas que morreram por essa doença, mas precisamos seguir vigilantes, com políticas estruturadas, financiamento constante, ampliação de acesso, promoção de direitos e redução do estigma. A ciência ofereceu as ferramentas. O Estado tomou uma iniciativa correta. A sociedade civil fez sua parte.
Agora, é hora de transformar essa conquista em base de um compromisso permanente. Se quisermos, podemos garantir que “nascer sem HIV, viver sem Aids” seja mais do que um slogan: seja realidade para toda criança, toda família, todo cidadão e cidadã neste país.
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