Pós-doutora em Saúde Coletiva (UFRJ), doutora em Bioética (UnB), mestre em Direito (FDV) e coordenadora do doutorado em Direito da FDV

A marginalidade se tornou um modo de ser na política

Somos surpreendidos com notícias que parecem chocar a maioria, mas que, de fato, apenas fazem parte de um processo sistemático de implantação de um novo modo de ser no mundo e na política

Publicado em 04/11/2019 às 04h00
Atualizado em 04/11/2019 às 04h02
Fachada do Congresso Nacional, em Brasília, que abriga a Câmara dos Deputados e o Senado. Crédito: Pedro França
Fachada do Congresso Nacional, em Brasília, que abriga a Câmara dos Deputados e o Senado. Crédito: Pedro França

Considerado um dos países mais violentos e corruptos do planeta, o Brasil continua em sua caminhada rumo a um rompimento com o modelo de Estado moderno, no qual transferimos ao Estado parcela de nossa liberdade a fim de que ele nos forneça a segurança de que necessitamos.

Ao invés de uma cultura da paz, apregoada pelas Nações Unidades, como parte do avanço de nosso processo civilizatório, vivemos no Brasil um dos retrocessos mais robustos dos quais se tem notícia na atualidade.

O assombro passou a fazer parte de nosso cotidiano. Todos os dias somos surpreendidos com notícias que parecem chocar a maioria, mas que, de fato, apenas fazem parte de um processo sistemático de implantação de um novo modo de ser no mundo e na política.

Modificam-se os valores apregoados e constantes das cartilhas dos mais importantes políticos, qual seja, o discurso da ética, da moral, da paz, da conciliação e do bem público. O discurso, antes palatável à Igreja, à família e à sociedade, agora assume sua verdadeira intencionalidade, antes estrategicamente escondida em textos construídos por assessores mais intelectualizados que acompanham políticos nem sempre capazes de elaborar suas próprias falas.

Ainda que, nos bastidores e nos submundos da economia, as práticas políticas se configurassem como corruptas e corruptoras, o discurso público, apregoado para todos de forma a alimentar o imaginário social, era de paz e não de guerra. Era discurso de respeito à ordem pública e de valorização constitucional. Era de respeito à legislação, que deveria ser cumprida por todos, como forma de manutenção do equilíbrio social e político. Era discurso eticamente tolerável, com vistas a mantê-los em seus postos com alto potencial de rentabilidade não contabilizada.

No entanto, a estratégia se modificou de forma radical. Apregoa-se e valoriza-se, hoje, a marginalidade como modo de ser na política. Ocupantes de cargos legislativos e executivos municipais, estaduais e federal se apresentam da forma como são, sem subterfúgios, sem maquiagens. Escancaram a todos sua sede de poder e de dinheiro, sem que isso cause espanto. A violência se manifesta tal qual ela é. O homem em estado de natureza, investido de cargos e vestimentas oficiais, estimula a ruptura legislativa e propõe uma sociedade anárquica, sem Estado, onde o homem seja o lobo do homem.

Atirar, matar, violentar, mentir, violar direitos e apropriar-se de bens públicos e privados sob os auspícios de legislações inconstitucionais e transgressoras são condições aceitas com naturalidade, inclusive pelas Igrejas e pelos ditos homens de bem e da moral.

Assim, muitos de nossos representantes desqualificam e ejetam na Constituição suas salivas envenenadas pelos desejos de ampliar seus ganhos. Mentem despudoradamente e, quando suas mentiras vêm à luz, não se preocupam em desmenti-las. Isso não é necessário. Mentiras e quebras de princípios constitucionais e infralegais, éticos e morais são aceitas com naturalidade, desde que dirigidas à destruição de seus desafetos.

Portanto, já não precisam esconder suas feiuras de caráter com discursos eticamente palatáveis. A sociedade os aceita com naturalidade, seja com sentimentos de impotência, dor e desesperança, seja com silêncio e aceitação tácita.

Mas ainda há homens e mulheres probos na política e na justiça. Seja essa a nossa esperança.

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