Pós-doutora em Saúde Coletiva (UFRJ), doutora em Bioética (UnB), mestre em Direito (FDV) e coordenadora do doutorado em Direito da FDV

Com a necropolítica vigente, veneno chega às nossas mesas

É de conhecimento público, tendo em vista dados divulgados pela Anvisa, que apenas no ano de 2019 foram aprovados 382 novos agrotóxicos para uso no Brasil

Publicado em 07/10/2019 às 05h00
Atualizado em 07/10/2019 às 05h01
Homem aplicando agrotóxico. Crédito: Divulgação
Homem aplicando agrotóxico. Crédito: Divulgação

Estamos todos condenados a morrer lenta e dolorosamente. Na contramão do mundo desenvolvido que discute políticas públicas de redução de danos à saúde humana, o Brasil faz uma clara e agressiva opção por políticas públicas que nos submetem a uma condição de existência inumana, nas quais a preferência pelo mercado deixa evidente o descompromisso com a vida, com a saúde e com a dignidade das pessoas.

É de conhecimento público, tendo em vista dados divulgados pela Anvisa, que apenas no ano de 2019 foram aprovados 382 novos agrotóxicos para uso no Brasil. Registre-se, com assombro e indignação, que um terço desses agrotóxicos encontram-se proscritos, em razão de sua alta toxicidade, na União Europeia.

No Brasil, com o cinismo característico da necropolítica, agrotóxicos são recepcionados como uma poderosa estratégica de desenvolvimento social com vistas a aumentar a riqueza e a produção de alimentos.

Ainda que esses números e informações sejam de conhecimento de muitas pessoas, que veem em redes sociais postagens nesse sentido, essas visualizações se perdem no emaranhado de notícias que, de minuto e minuto, nos chegam pelas redes sociais.

Não há, de fato, conhecimento da sociedade acerca das reais consequências dessas decisões políticas que podem parecer, a princípio, apenas mais um dos desatinos e inconsequências do atual governo. De fato não são.

Eles fazem parte de um projeto maior que vem se manifestando de forma robusta em várias áreas da política, com clara e despudorada violação de Direitos Sociais, colocando em risco a vida das pessoas e assumindo uma política do “deixar morrer” na qual o poder de matar, ainda que em um processo lento de adoecimento do corpo, vai suprimindo a força, a coragem e a vontade de viver.

São doenças de todos os tipos advindas do uso de agrotóxicos no país. O câncer, aparentemente sua pior face, é apenas uma das doenças deles decorrentes. De impotência à suicídios, o rol de moléstias vem se ampliando na medida em que o número de agrotóxicos vai aumentando.

A política pública, lugar da manifestação da vontade dos governantes para a proteção dos Direitos de cidadania, vai se transformando em uma política de morte, não de todos, mas daqueles que entendem, em seus gabinetes suntuosos e visitados pelos lobistas do mercado e pelos amigos da corte, que lhes financiam as campanhas e lhes fazem gozar as benesses do poder, que há pessoas que não “merecem viver” ou “podem morrer” para que seus privilégios sejam mantidos.

Enquanto aprovam 382 agrotóxicos que lentamente irão matando aqueles que não têm recursos suficientes para se beneficiar de alimentos orgânicos, assumem, de forma cínica, em suas próprias casas, hábitos saudáveis de se alimentarem com produtos orgânicos, protegendo a si mesmos e às suas proles dos males que impõem a todos.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.