É psicóloga, psicanalista, entusiasta da maternidade, paternidade e mestre em Saúde Coletiva. Escreve sobre os bebês, as emoções, os comportamentos, os conflitos e dilemas contemporâneos do tornar-se família

Meu filho é...

Pela primeira vez na minha vida eu tive a curiosidade de fazer essa pergunta ao oráculo moderno, o Google. E adivinhem só como ela foi completada

Publicado em 07/12/2020 às 05h02
Mãe esgotada com uma criança agitada e outra criança nervosa
Mãe esgotada com duas crianças nervosas. Crédito: Shutterstock

Essa semana eu recebi, no consultório, algumas famílias com a mesma queixa: “meu filho é agitado e nervoso, o que faço?" Não importava se a criança em questão era menino ou menina, e as idades eram as mais variadas, desde a pequena infância até as portinhas da adolescência.

Pela primeira vez na minha vida eu tive a curiosidade de fazer essa pergunta ao oráculo moderno, o Google. Coloquei a seguinte frase: meu filho é... E adivinhem só como ela foi completada? Acertou quem disse agitado e nervoso. Eu fiquei só imaginando quantas milhares de vezes por dia pais e mães enviam suas súplicas por respostas a essas preocupações.

Eu tenho, graças ao meu ofício, a oportunidade de ir mais além do que o Google, que só responde. Eu posso perguntar diretamente às famílias, com é o dia a dia da criança? Quem cuida delas? Como elas são cuidadas? O que elas gostam de fazer? Como e com quem elas brincam? Se ficam muito tempo dentro de casa? Como é a casa? Aliás, é casa ou apartamento? Vai à escola? Tem outras crianças da mesma idade? E de idades diferentes?

A mãe de Maria me conta que ela está muito agressiva e agitada. No auge dos seu três anos recém-completados ela não permite que ninguém chegue perto. Só o papai e a mamãe. Nem os irmãozinhos gêmeos que nasceram há um ano são companhias bem-vindas. A escola pede que a família procure um profissional para auxiliar na retirada do único aconchego que a pequena tem e das inúmeras frustrações que uma criança de 3 anos enfrenta diariamente. Adultos se esquecem que ser criança não é fácil. Quantos desafios Maria tem vivido e o quanto os adultos que a cercam estão ocupados normatizando o que ela deve ou não fazer, como deve ou não se comportar para garantir a “socialização” num ambiente tão inseguro que é a escola que abre e fecha.

Já o pai de Lúcio está apavorado com o comportamento violento do filho de 5 anos. Só quer saber de atirar com suas arminhas. Nem o cachorro que ele tanto ama anda ileso. São pistolinhas de água, de flechinhas. Está agora encantado com a espada modelo viking que ganhou do avô - cá entre nós, “santo avô”. Seu Pedro me diz que durante a pandemia não pode contar com as visitas de seus pais que são idosos e moram no interior. Lúcio chorava nos primeiros meses de saudades do avô que tanto lhe contava histórias sobre as aventuras que fazia na juventude. Junto ao avô, montavam os brinquedos no chão e rolavam juntos. Esses momentos se perderam e agora Lúcio só quer ferir. É verdade, ele está ferido. E quando digo isso me olha e abaixa o lápis que usava para me atacar durante a sessão de esgrima da qual fui desfiada no nosso último encontro.

Ainda bem que temos correios e a espada enviada pelo avô chegou bem a tempo do aniversário. Temos muita tecnologia, de fato, mas nada, absolutamente nada, substitui o ouvido atento ao desejo das crianças. Que nada mais é do que desejo do outro que o deseje.  Deseje estar com ele, compartilhar as banalidades da vida. Por isso são tão apegados aos objetos de transição quando encontram-se na mudança da pequena  para a média infância. Os objetos são os substitutos importantes do corpo de quem nos acolhe, nos embala, nos consola. Escrevo esse texto com lágrima nos olhos ao lembrar desses dois exemplos que trago. Como têm sofrido as crianças e o quanto sofrem em silêncio. Precisamos urgentemente permitir que esses sofrimentos sejam acessados e traduzidos. Ao falar sobre eles, podemos baixar nossas armas, guardar nossas garras. Falar do que dói humaniza.

Uma outra pequena de 7 anos que perdeu um tio muito querido me conta que, em casa, não ousa falar o quanto sente falta do tio. Todos choram ao se lembrar dele. Aí sim que devem falar, para mantê-lo vivo. É o esquecimento que nos mata, como bem nos ensinou o filme Viva: A vida é uma festa. Me emocionei novamente. Tá difícil não pensar no pesar das crianças.

Essa semana ouvi de uma queridíssima colega que matar um leão por dia, às vezes, é mais fácil que desviar das antas. Tenho pena das crianças que anseiam por brincar inúmeras aventuras com os leões, (avós, amigos, tios e primos), mas que são e estão submetidas aos regulamentos de um bando institucionalizado (escolas e padrões de comportamentos equivocados) de antas diariamente, que lhe sugam todo potencial criativo.

Nesses momentos são sombrios nos modos de nos relacionar. Devemos ser mais condescendentes com nossas crianças. Vamos para o chão rolar, os blocos de papel colorir, os volumes das músicas aumentar... Leveza e consideração são ótimas formas de fazê-las baixar as armas que apresentam quando se sentem vulneráveis.

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