É psicóloga, psicanalista, entusiasta da maternidade, paternidade e mestre em Saúde Coletiva. Escreve sobre os bebês, as emoções, os comportamentos, os conflitos e dilemas contemporâneos do tornar-se família

Existe um jeito certo de exercer a paternidade?

"O pai que brinca, se ocupa das crianças e curte estar presente é o mesmo hoje, ontem e amanhã. Não se trata da geração"

Publicado em 15/08/2020 às 08h00
Atualizado em 15/08/2020 às 08h00
Pai e filha brincando na sala
"Não se trata da geração, mais sim do estilo". Crédito: Shutterstock

Otávio

Leitor

" Minha relação com minha esposa está desgastada porque ela espera que eu seja alguém que não consigo ser. Eu pago as contas da casa, mas não consigo brincar com as crianças ou me ocupar muito delas. Há um modo de ser um pai melhor?"

Um pai melhor para quem? Para seus filhos ou para sua esposa? A queixa é dela? O que dizem os seus filhos? Eu também fico estarrecida com esse novo produto que há no mercado chamado “o novo pai”. Com relação à paternidade, não há nada de novo! A função permanece a mesma. E já explico qual é. Vemos sim muita publicidade sobre pais mais presentes e participativos na rotina das crianças, mas cá entre nós, e digo isso de um lugar privilegiado de escuta: o pai que brinca, se ocupa das crianças e curte estar presente é o mesmo hoje, ontem e amanhã. Não se trata da geração, mais sim do estilo.

O estilo parental (exercer função de pai e de mãe) está muito mais atrelado às condições subjetivas de cada um do que ao esperado pela vitrine do shopping, ou aos prints nas redes sociais. Não se trata de uma ironia. E aqui também levo em consideração que cada um de nós é extremamente permeado pela nossa cultura. Mas não há cultura no mundo que modifique nossos afetos. Eles são bem herdados, não comprados. Somos o que somos. É claro que podemos mudar, e tornar-se pai ou tornar-se mãe é uma oportunidade de reconciliação com o pai ou com a mãe que gostaríamos de ter tido, mas certamente eles já fizeram o melhor que podiam. É sempre assim, e não estou sendo condescendente com os erros, nada disso. Mas muitas pessoas não tiveram a oportunidade de questionar suas atitudes, e muitas vezes é ao tornarem-se avós que isso torna-se possível.

Ser pai e mãe está muito mais conectado àquilo que recebi na infância de meu próprio pai, ou de quem se ocupou desse lugar, e pasme, não precisa ser um homem encarnado. Pois para exercer essa função não é necessário um corpo masculino. Eu explico, calma. “O pai” é a alteridade, isso mesmo, e não mera autoridade. O pai é aquele que dirige a criança para algo além do conforto e da comodidade que é o colo quentinho da mãe. Portanto, não há “o pai”. Cada homem irá construir seu modo de ser.

Cabem tantas coisas nessa alteridade. Certo dia, no consultório, ouvi de um homem: “meu pai nunca trocou uma fralda ou fez comigo um lanche, mas em compensação passava horas recitando poesia e lendo para mim”.

Esse, por sua vez, também não troca as fraldas dos filhos, mas cozinha para a família toda! Um nutria com palavras, já o outro, com comida.

É muito bom que alguém compartilhe com a mãe os cuidados primordiais com seu rebento, mas se por algum motivo você não consegue se ocupar, é muito louvável que pague pelo auxílio. Então, continue fazendo!

Eu tenho uma pergunta a você: quando olha para seus filhos, o que vê? O que deseja para eles? É uma pena eu não poder ter acesso às suas respostas. Então as deixo aqui para os demais pais que lerão esta coluna responderem.

Essa é a verdadeira transmissão, aquilo que nos preocupa, nos mobiliza, nos conduz no que diz respeito ao bem-estar ampliado de nossos filhos.

Vivemos em famílias cada vez menores, e com cada vez mais atribuições. Uma criança não é de responsabilidade apenas de papai e de mamãe. Todos nas famílias devem zelar pelos cuidados e pelo bem-estar de um novo membro, afinal é o ciclo da vida.

Ao cuidar, emanar afeto, construir pertencimento aos laços de parentesco e de cuidado, fica garantida a transmissão geracional, afinal, quem cuidará de nossa velhice? Precisamos dar o exemplo!

Otávio, seu posicionamento em sua família é um alento. Afinal cada um dá o melhor que pode com aquilo que tem. Parece clichê, e com certeza receberei muitas críticas sobre isso. Aceitarei de bom grado.

Mas em um país onde 5,5 milhões de crianças (dados do IBDFAN) sequer contam com o nome próprio de seus pais em seus registros civis, ter em casa um pai que paga as contas é uma prova de acolhida e responsabilidade parental.

Agora, se você está sentindo ser insuficiente, que tal perguntar a si mesmo o que gostaria que seus filhos aprendessem sobre você? O que você gostaria de ensinar aos seus filhos? Já é um bom começo.

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