Os números são claros: a população brasileira passa por um envelhecimento acelerado. Entre os censos demográficos de 2010 e o realizado em 2022 a proporção de pessoas com 65 anos ou mais saltou de menos do que 7,5% para quase 11%, o que equivale a um crescimento de aproximadamente 50% em apenas 12 anos. Crescimento que retrata o envelhecimento rápido da população brasileira e que superou projeções anteriores.
Essa mudança demográfica tem motivado avanços em legislação nem sempre acompanhados por políticas públicas robustas que combinem visões intersetoriais e que busquem operacionalizações descentralizadas. Esse descompasso entre legislações, planos e a realidade vivida pela maior parte da população idosa brasileira merece debate amplo e qualificado.
Debate amplo e qualificado que pode começar pela maior divulgação e melhor entendimento, por um lado, do recém-lançado Plano Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa e sua busca de articular ações entre diferentes áreas como saúde, assistência social, mobilidade, segurança, moradia e cultura. Por outro, do programa Envelhecer nos Territórios, do Ministério dos Direitos Humanos, passo importante ao levar formação e apoio técnico para municípios, aproximando os direitos da pessoa idosa das realidades locais.
Também importante é a maior divulgação e o melhor entendimento do Programa Nacional de Proteção e Acolhimento ao Idoso, voltado à prevenção de violências, ao acolhimento de idosos abandonados e à criação de redes especializadas. O fato de esses programas mostrarem que o tema entrou na agenda principalmente no nível federal é um passo necessário, mas insuficiente.
É preciso que deixem de ser iniciativas isoladas e se tornem políticas de Estado, independentemente de governos. É necessário planejamento de longo prazo, financiamento estável, integração entre entes federativos e, principalmente, envolvimento da sociedade no debate, no desenho e na operacionalização de agenda para um tema que veio para ficar.
Esse envolvimento se faz necessário para que sejam evitados percalços como os indicados por Gabriel Mascaro em seu filme ‘O Último Azul’. Nele é denunciada a distopia de idosos enviados compulsoriamente a colônias isoladas. A protagonista, Tereza, de 77 anos, se recusa a aceitar esse destino e parte em busca de seu próprio caminho. O longa serve como alerta simbólico: uma sociedade que marginaliza seus idosos está fadada a repetir erros históricos de exclusão e violência institucional.
Exclusão e violência institucional enfrentada por significativa parcela dos idosos brasileiros diante de abandono, solidão, insegurança alimentar e dificuldades de acesso a serviços básicos. Parcela significativa para quem falta visibilidade. Em vez de serem vistos como sujeitos ativos e com direitos, idosos ainda são tratados, muitas vezes, como população à parte e/ou como fardo familiar e social.
É urgente uma mudança de rumos no trato da população idosa. É preciso transformar o olhar sobre a velhice e integrar os idosos ao cotidiano das cidades, das decisões públicas, da cultura e da economia. Estados e municípios precisam convocar a sociedade civil, principalmente sua parcela idosa, de maneira a tornarem suas ações mais respeitosas com a velhice e mais efetivas na integração social, política e econômica dos idosos na vida dos territórios em que vivem.
Transformação do olhar sobre a velhice que combata o etarismo em campanhas públicas que atinjam escolas e seus currículos; igrejas e suas pregações; meios de comunicação de massa e sua programação diária; e redes sociais e seus influenciadores.
Governos estaduais e municipais precisam, por um lado, estabelecer e fortalecer conselhos dos idosos com mais recursos, poder deliberativo e participação ativa dos próprios idosos. Por outro, criar mecanismos que assegurem crédito compatível a iniciativas de produção individuais de idosos e seus coletivos; garantir moradias dignas, e acesso a serviços, como saúde, cultura, lazer e transporte, entre outros, necessários a uma vida digna. Vida digna em qualquer faixa etária, principalmente para os idosos.
Longe de ser visto como um problema a ser contido, o envelhecimento é uma conquista a ser celebrada por quem lá chega e reverenciada pela sociedade e seus governantes. Reverência e deferência a quem hoje tem mais do que 65 anos e a aqueles que lá chegarem no futuro próximo ou distante.
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