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"Primeiros 100 dias de governo serão decisivos", afirma Winston Fritsch

O economista, um dos pais do Plano Real, afirma que presidente eleito precisa aproveitar capital político para fazer as mudanças necessárias rapidamente

Publicado em 02/10/2022 às 03h59
O economista Winston Fritsch é um dos pais do Plano Real
O economista Winston Fritsch é um dos pais do Plano Real. Crédito: Divulgação

Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e com PhD pela Universidade de Cambridge, Winston Fritsch é um dos pais do Plano Real, que, em 1994, acabou com a hiperinflação brasileira. Até o final dos anos 70, a economia brasileira sempre tinha convivido com alguma inflação, mas a coisa desandou, principalmente na década de 80, e parecia ser um fantasma invencível. Até que veio o Real. Hoje, o que parece invencível é o insistente baixo crescimento da economia brasileira, que se acentuou na última década. O que o presidente eleito precisa fazer?

"São muitas coisas, mas o fundamental é aumentar o investimento de maneira sustentável. Sem ampliar investimento não há crescimento. Como que faz isso? Precisamos de ter oportunidade de investimento, boa regulação, as pessoas precisam acreditar no futuro".

Dedicado às questões climáticas nos últimos anos, Fritsch chama a atenção para as possibilidades abertas pela energia verde. "É uma oportunidade melhor que a do petróleo. Que certamente nos proporcionará um novo ciclo de crescimento. O Brasil tem vantagens comparativas gigantes nesta área. O Nordeste é quase que um pré-sal do ponto de vista de energia verde".

Professor, quando o senhor, lá no começo dos anos 90, foi convocado a integrar a equipe que formulou o Plano Real, o Brasil não conseguia vencer o desafio da hiperinflação. Hoje, não conseguimos vencer o desafio do baixo crescimento. O que precisa ser feito?

São muitas coisas, mas o fundamental é aumentar o investimento de maneira sustentável. Sem ampliar investimento não há crescimento. Como que faz isso? Precisamos de ter oportunidade de investimento, boa regulação, as pessoas precisam acreditar no futuro, afinal, o investimento é sempre algo que você faz olhando para o futuro. Tem que ter perspectiva, tem que ter credibilidade. É isso que move a economia, não é o consumo que move a economia, consumo é um reflexo do crescimento da economia. Independente de quem ganhe a eleição, temos uma ótima expectativa de investimento no Brasil que é dada pela crise do clima. O mundo já está caminhando para o investimento em energias renováveis e reflorestamento, setores que o Brasil tem vantagens comparativas muito importantes. No curto prazo o ambiente internacional não é bom, existe uma instabilidade que não ajuda, mas, no longo prazo, a economia brasileira possui vantagens bastante atraentes para os investidores. Temos de mostrar para eles que temos um ambiente estável e resolver os nossos problemas, que são fundamentalmente fiscais. Além disso, o governo precisa investir, o governo, hoje, investe uma parcela irrisória do que deveria. O governo está praticamente consumindo toda essa gigantesca arrecadação. É um problema de muitos anos, é uma tendência. Nossa carga fiscal ultrapassa 30% do PIB, mas o governo não investe nada. Temos de retomar o investimento público e criar um ambiente atraente para o investimento privado. O Brasil precisa de uma reforma fiscal para voltar a sobrar dinheiro para investir.

Como o senhor imagina essa reforma fiscal?

É uma reforma administrativa. O gasto público é muito ineficiente, nós podemos prover a mesma quantidade de serviços com muito menos recursos. O governo, lá atrás (anos 90), fez um rearranjo fiscal aumentando carga tributária, praticamente não fez nada na estrutura da burocracia, do Estado. Tudo isso é muito ineficiente. A política de subsídios setoriais, por exemplo, precisa ser revista. A estrutura do sistema tributário precisa ser revisitada para que tenhamos a mesma arrecadação com um conjunto de impostos completamente diferente, que penalize menos o investidor. Não é fácil, mas tem de ser feito. Tudo isso precisa ser feito para que o Estado consiga investir mais e para que o investidor privado sinta-se atraído.

O que o presidente eleito terá obrigatoriamente de fazer nos primeiros meses de governo?

Anunciar algo consistente nesta linha que eu estou falando. Acho que o problema maior nem vai ser montar o pacote, mas é a falência do chamado presidencialismo de coalizão, que funcionou bem no tempo do Fernando Henrique (1995-2002), mas nunca mais foi eficiente, nem na época do PT. Falo de montar uma coalizão política, capitaneada pelo presidente, em cima de um programa. Antes de tudo, o governante eleito precisa apresentar um programa, espero que numa linha que privilegie o aumento dos investimentos, e monte, a partir daí, uma coalizão governante em cima de princípios básicos. Com isso é possível fazer um governo de 100 dias, aprovando medidas decisivas. Os primeiros 100 dias serão fundamentais, ou vai ou racha. Tem de capitalizar em cima deste princípio de governo. Creio que pode sair algo bom disso aí.

Winston Fritsch

Economista

"A estrutura do sistema tributário precisa ser revisitada para que tenhamos a mesma arrecadação com um conjunto de impostos completamente diferente, que penalize menos o investidor"

Temos um cenário desafiador no mundo. O que mais te preocupa?

O impacto gerado por toda essa instabilidade em cima do suprimento de energia para a Europa pode ter consequências bem desastrosas. A situação é bem ruim, tanto que todas as projeções de crescimento para o ano que vem estão sendo revistas para baixo. É provável uma recessão na Europa, que está aumentando os juros por conta da inflação. O ano de 2023 vai ser complicado e o Brasil, como grande exportador, vai ser afetado. O novo governo começa já enfrentando uma situação complicada no mundo, isso sempre tem impactos. O primeiro governo Lula (2003-2006), por exemplo, foi um sucesso em grande parte por conta do ótimo cenário externo. Quando veio a crise americana, em 2008, e a da Europa, em 2010, aí a coisa mudou de figura. Com a mudança de governo (Dilma assumiu em 2011), a coisa começou a desandar e deu no que deu. Quando o PT sai do governo, o Brasil está numa recessão infernal. Tudo isso para dizer que a economia internacional tem muito impacto aqui dentro, a fragilidade da economia internacional não ajuda na retomada do Brasil. Podemos fazer várias coisas importantes no ano que vem, que nos ajudarão lá na frente, mas não deveremos ter números de muito destaque. O curto prazo está ruim, mas, olhando para frente, a Europa vai voltar a crescer e está investindo forte na transição energética. Podemos nos beneficiar muito.

O senhor tornou-se um estudioso das questões climáticas e da transição energética. O Brasil pode se beneficiar de que maneira deste cenário? Recentemente tivemos a publicação de um Mapa Eólico aqui do Espírito Santo, bancado por europeus, que se mostrou bastante promissor.

É uma oportunidade melhor que a do petróleo, que certamente nos proporcionará um novo ciclo de crescimento. O Brasil tem vantagens comparativas gigantes nesta área. O hidrogênio é uma commodity muito peculiar, ainda pouco utilizado. Mas é pouco utilizado porque é caro e é isolado a partir de combustíveis fósseis, hoje, ele é isolado a partir do metano. O que está se falando agora é de hidrogênio verde, que é quando você faz a eletrólise da água, o isolamento da molécula de hidrogênio, com energia verde. Por exemplo, energia eólica, que é barata. O hidrogênio ficou importante porque é um combustível espetacular. Além de ser muito eficiente, é um insumo industrial, ele pode substituir o carvão. A partir do hidrogênio você pode fazer amônia verde e ureia verde, ou seja, fertilizantes limpos. O hidrogênio é considerado o petróleo do futuro. A energia eólica, como já expliquei os motivos, é muito importante nessa jornada. O Espírito Santo, o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul são interessantes, mas a costa do Nordeste, do Ceará ao Rio Grande do Norte, tem os chamados ventos alísios, que sopram de maneira constante, na mesma direção e perto da costa, em águas rasas. Algo muito eficiente. Também ali no Nordeste temos uma ótima incidência de sol, muito bom para a geração solar. O Nordeste é quase que um pré-sal do ponto de vista de energia verde. Temos uma oportunidade enorme de fazermos hidrogênio verde e barato em todas essas regiões e isso pode ser exportado, como amônia, para qualquer lugar, a Europa, por exemplo. É uma oportunidade gigante para o Brasil, algo para ser desenvolvido em décadas. Em potencial, somos os primeiros do mundo.

O que temos de fazer para não ficar só no potencial?

Boa pergunta. A regulamentação para captação de ventos no mar ainda não está pronta... Aí, entrando um pouco na política, o governo Bolsonaro teve um comportamento muito ruim na questão climática, em grande parte porque somos uma jabuticaba climática. No mundo, mais de 90% das emissões vêm de energia e indústria. No Brasil, 44% das emissões vêm de queimar a Amazônia, que é um absurdo completo. Nós voltamos a queimar a Amazônia. Queimamos muito até 2004, foi feito um trabalho espetacular de controle e conseguimos baixar. Agora, a partir de 2015, isso voltou. A Amazônia é muito relevante e por isso somos muito criticados no mundo. Este governo, agressivamente negacionista, afastou o Brasil, não somos muito levados a sério. Para trazer o investimento de volta ao Brasil, para que as pessoas acreditem que o Brasil vai mesmo priorizar o meio ambiente, o governo precisa ajudar. O apoio da Marina Silva ao Lula, em cima de um documento programático, nos faz acreditar que, caso ele vença, pode dar uma saída positiva para isso. O Bolsonaro teria de se reinventar. Qualquer um que entre terá de fazer isso.

Além da energia verde, a outra área que pode nos trazer muito desenvolvimento é o agro. Como o senhor enxerga essa dicotomia entre agro e economia sustentável que alguns ainda mantêm de pé?

O potencial é enorme e a dicotomia é falsa. A derrubada da Amazônia nada tem a ver com a expansão do agro moderno. O agro moderno se desenvolveu no Cerrado. O que existe é o agro e o ogro. O agro moderno brasileiro é uma indústria de alta produtividade. O desmate da Amazônia não contribui em nada com o agro brasileiro, as plantações vão crescer para áreas de pasto de baixa produtividade. É possível quadruplicar a produção brasileira sem cortar uma árvore, apenas ocupando terras de pecuária de baixa produtividade. O impacto na Amazônia vem da mineração clandestina de ouro, corte clandestino de árvores, coisa de criminosos e não da grande indústria. Não existe qualquer dicotomia. Outra coisa que é pouco falada: a expansão internacional da agricultura brasileira. A África vai explodir nas próximas décadas. Nos próximos anos, de cada duas crianças que nascerão, uma será africana, principalmente na parte Subsaariana, que é tropical. O Brasil é craque em agricultura tropical. Essas empresas que funcionam no Cerrado podem perfeitamente atravessar o Atlântico e fazer um trabalho semelhante na Savana africana. É uma ótima oportunidade de expansão e de internacionalização do agronegócio. Aliás, como essa expansão populacional, a África também vai precisar de muita energia verde, se isso não acontecer, as emissões de gases tóxicos vão novamente explodir, como aconteceu com a China. A maior cidade do mundo, em 2040, segundo projeções da ONU, será Kinshasa (capital do Congo). Não é brincadeira o que está acontecendo, a demanda por comida e energia é enorme. O Brasil entende muito desses dois assuntos.

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