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Toffoli manda tribunais comprarem um terço de férias de juízes

Toffoli manda tribunais comprarem um terço de férias de juízes

Decisão do presidente do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça é tomada em meio à crise do novo coronavírus

Publicado em 31 de agosto de 2020 às 09:02

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Ministro Dias Toffoli, presidente do STF. É o mais jovem ministro a presidir o Supremo desde o Império
Ministro Dias Toffoli, presidente do STF. É o mais jovem ministro a presidir o Supremo desde o Império. (Carlos Moura|SCO|STF )

O Conselho Nacional da Justiça (CNJ) mandou tribunais regionais comprarem um terço de férias de juízes federais e do trabalho. A decisão é do ministro Dias Toffoli, presidente do órgão.

Magistrados têm 60 dias de descanso por ano e agora deverão ser compensados caso queiram vender 20 dias e gozar 40. As férias de um trabalhador brasileiro duram 30 dias, com direito à venda de 10.

Sobre as férias há ainda o pagamento de mais um terço do salário, conforme determina a Constituição Federal. Em todos os ramos do Judiciário, o benefício se estenderá a mais de 16 mil magistrados do Brasil.

Em meio ao grave aperto fiscal do país, uma das justificativas para o pagamento é a existência de espaço no teto de gastos das Justiças Federal e do Trabalho. A regra limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior.

?Outro argumento apresentado é que houve redução de despesas com o home office, em razão da pandemia da Covid-19. Com menos despesas, abriu-se margem para beneficiar juízes em plena crise econômica e sanitária.

Juízes titulares federais e do trabalho recebem por mês R$ 33,7 mil - o salário de um juiz substituto é de R$ 32 mil. Quando tiram férias, os titulares recebem brutos quase R$ 45 mil. O benefício é previsto em dois meses do ano.

A decisão de Toffoli, que também preside o Supremo Tribunal Federal (STF), é de sexta-feira (28). Obtida pela Folha, a ordem ainda não foi publicada.

O ministro atendeu pedido da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). As entidades já foram notificadas. Procurado, o CNJ não respondeu até as 17h deste domingo.

O Conselho da Justiça Federal (CJF) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) argumentam que não há previsão orçamentária para o pagamento do benefício. Os órgãos dizem que os valores não foram reservados para 2020.

O presidente da Ajufe, Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, confirmou à Folha a decisão de Toffoli. Fernandes tomou conhecimento da medida neste sábado (29).

"A iniciativa privada pode [vender férias], todas as carreiras jurídicas podem, inclusive o Ministério Público, e só o juiz da União sofre essa discriminação, não tinha esse direito. O que o CNJ fez foi só permitir isso", afirmou.

Segundo ele, a magistratura federal enfrenta entraves para ter direitos reconhecidos. "A gente, para ter direitos iguais aos trabalhadores comuns, que todos têm, tem muita dificuldade. É um pleito que a gente tem até na questão da remuneração mesmo", disse.

"Todos os trabalhadores da iniciativa privada têm o dissídio coletivo anual, e a magistratura federal tem direito à revisão dos subsídios e nos últimos 16 anos só ocorreu em 6 anos. A gente passa por uma situação muito difícil."

À Folha a presidente do CSJT, ministra Maria Cristina Peduzzi, criticou a decisão. Ela também preside o TST (Tribunal Superior do Trabalho). "A garantia de conversão de 20 dias de férias em dinheiro revela a desnecessidade de descanso por 60 dias. Ademais, há outras prioridades para alocação do dinheiro público", afirmou.

A reportagem não conseguiu contato com o CJF. A reclamação da Ajufe chegou ao CNJ no fim do ano passado. A Anamatra pediu ingresso como terceira parte interessada.

Ajufe e Anamatra querem que seja cumprida uma resolução do CNJ, de agosto de 2019. Em dezembro daquele ano, Toffoli deu decisão favorável para a regulamentação dos pagamentos em 30 dias.

As entidades voltaram recentemente ao órgão de controle do Judiciário para se queixar do não cumprimento da ordem. Agora, o ministro determinou o pagamento. Ele afirmou se tratar de um direito dos magistrados.

De acordo com Toffoli, a decisão de vender as férias e receber por elas é direito autoaplicável - ou seja, deve ser concedido imediatamente.

A resolução determinava uma regulamentação pelos conselhos, que, segundo ele, trata apenas de aspectos de organização interna dos tribunais. Ela está relacionada à escala, à marcação, ao gozo, à alteração, à interrupção e à forma de indenização das férias.

Toffoli, na decisão, ainda lembrou que 15 Tribunais de Justiça nos estados já regulamentaram a matéria.

Em nota, a presidente da Anamatra, Noemia Porto, afirmou que a resolução do CNJ "definiu o tema do gozo das férias, observando a unidade da magistratura, o que não vinha sendo observado, especialmente considerando as diferenças entre a magistratura estadual e a federal".

"A Anamatra defendeu a efetiva unidade da magistratura e insistiu na importância de que a gestão orçamentária considere os predicamentos desta carreira de Estado", disse.

A norma do ano passado foi editada para uniformizar o direito de venda das férias. A Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) não prevê o benefício.

No entanto, desde 1993, membros do Ministério Público têm direito por lei ao pagamento referente à chamada conversão pecuniária. Esse argumento é usado também por Toffoli para conceder a decisão favorável às entidades.

Pela Constituição de 1988, há simetria entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público. A Loman é de 1979.

Ainda de acordo com as entidades, sobra dinheiro. Uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) deste ano ampliou o teto de gastos do Ministério Público da União (MPU) e foi estendida ao Judiciário.

O MPU argumentou haver erro na edição de uma MP (medida provisória) de 2016 sobre créditos para pagamento do auxílio-moradia à época. O então presidente Michel Temer (MDB) liberou créditos extraordinários para o órgão.

Pelo teto de gastos, créditos extraordinários não entram na conta, mas o MPU disse se tratar de créditos suplementares. O TCU acatou a justificativa.

Desde 2018, porém, após o Judiciário obter reajuste de 16,38%, não há mais auxílio-moradia para todos os integrantes do MP e do Judiciário. Na época, um ministro do Supremo passou a receber R$ 39,2 mil.

Após concedido o aumento, o ministro Luiz Fux revogou uma liminar (decisão provisória) de 2014 dada por ele mesmo que concedia o penduricalho a todos os magistrados e membros do MP. O auxílio era de R$ 4.377.

Em fevereiro de 2020, contudo, os cálculos foram refeitos. Toffoli pediu extensão ao Judiciário e, por ano, só a Justiça Federal ganhou mais de R$ 100 milhões para gastar. Em 2020, a Justiça do Trabalho recebeu R$ 209 milhões.

A pandemia da Covid-19 também foi apresentada para derrubar os argumentos do CJF e do CSJT. De acordo com as entidades, os tribunais gastaram menos em 2020 desde a implementação do home office. Agora, juízes decidem de casa.

A Justiça Federal, neste ano, teve despesas de 46,56% em relação ao limite de gastos. O TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo), o maior do país, foi usado como exemplo, por ter gasto 43% do limite até 30 de julho.

Para as entidades, o impacto financeiro é limitado. Segundo a Ajufe, estudo técnico mostrou que o custo anual seria de no máximo R$ 57,7 milhões. De acordo com a entidade, 65% dos juízes federais manifestam vontade de vender parte das férias --o custo cairia para R$ 37,9 milhões.

Já a Anamatra estimou em R$ 107 milhões os gastos, casos todos magistrados quisessem receber a comprensação.

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