Publicado em 7 de dezembro de 2022 às 14:32
- Atualizado há 3 anos
O Supremo Tribunal Federal (STF) começa nesta quarta-feira (7) a constitucionalidade do orçamento secreto, instrumento usado pelo governo para obter apoio político e montar uma base de sustentação no Congresso. Os ministros da Corte têm nas mãos um conjunto de ações que pode derrubar o pagamento bilionário de emendas parlamentares, sem critérios definidos para a aplicação dos recursos. Nos moldes atuais, a prática foi inaugurada pelo presidente Jair Bolsonaro. >
No Congresso, líderes do Centrão montaram uma operação de emergência para salvar o orçamento secreto e uma minuta de projeto de resolução foi preparada para tentar convencer ministros do STF a aceitar a manutenção desse mecanismo sob novas regras. Na tentativa de evitar que a prática seja derrubada pela Corte, a proposta distribui os recursos entre bancadas e parlamentares proporcionalmente ao tamanho dos partidos na Câmara e no Senado. Além disso, carimba a metade das verbas para saúde e assistência social.>
Revelado pelo Estadão em uma série de reportagens, a partir de maio do ano passado, o orçamento secreto consiste na liberação de emendas para atender deputados e senadores em troca de respaldo ao governo no Legislativo. Sem equidade entre parlamentares, o repasse supera casos de desvio do dinheiro federal, como o dos Anões do Orçamento (1994) e a Máfia das Ambulâncias (2006).>
Desde 2020, as emendas desse tipo somaram R$ 53,5 bilhões. Já o projeto de Orçamento para 2023 reserva a elas R$ 19,4 bilhões. Nos últimos anos, essa modalidade bancou a compra superfaturada de tratores, a licitação de ônibus escolares acima do preço, a construção de "escolas fake", deixando esqueletos de obras inacabadas, e a distribuição de caminhões de lixo fora dos padrões e sem planejamento, em cidades pequenas, como mostrou o Estadão. Os escândalos já provocaram três levas de prisões neste ano, no Maranhão e em Alagoas.>
>
O repasse de verbas ocorre sem que os nomes dos verdadeiros padrinhos sejam revelados. Além disso, não há qualquer critério de distribuição entre parlamentares e regiões. Na prática, a liberação é feita de forma desigual entre congressistas e não atende às exigências da Constituição para o orçamento público, como transparência, moralidade e redução das desigualdades regionais.>
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, prometeu acabar com o orçamento secreto durante a campanha. Ele chegou a chamar a prática de "excrescência" e disse que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), agia como se fosse o "imperador do Japão". Líder do Centrão, Lira é hoje o principal operador do orçamento secreto. Não demorou muito para Lula dar um passo atrás.>
O julgamento que começa hoje no Supremo tem desfecho imprevisível. O Estadão apurou que a presidente do STF, Rosa Weber - relatora das ações sobre o assunto - vai considerar inconstitucional a falta de transparência das emendas. Há consenso entre os ministros da Corte para acabar com esse sigilo, mas a discussão é se a divisão desigual dos recursos do Orçamento entre os parlamentares fere a Constituição.>
Integrantes da equipe de transição avaliam que o Supremo vai derrubar essa prática. Políticos disseram a Lula, porém, que uma decisão assim tornará o clima no Congresso desfavorável a ele. O plano B dos parlamentares é usar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, apresentada pelo presidente eleito para aumentar as despesas em 2023, para incluir esse mecanismo na Carta.>
O Centrão ameaça tornar a liberação impositiva, obrigando o governo a pagar os recursos sem cortes, como acontece hoje com as emendas individuais e de bancada. Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), são candidatos à reeleição, em fevereiro de 2023, e as articulações dos dois contam com a liberação do orçamento secreto.>
Se o Supremo derrubar (o orçamento secreto), para o Lula é um achado", disse ao Estadão o relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI). "Como eu não vou mais poder fazer emendas de relator, se o Supremo proibir, vou utilizar esse valor em algum lugar e, muito provavelmente, será em emenda de comissão", completou ele, ao revelar uma das estratégias para manter os valores.>
Juristas apontam várias inconstitucionalidades no orçamento secreto: falta de transparência, afronta ao princípio da moralidade pública, ausência de planejamento e alinhamento com programas estratégicos nacionais, aumento de desigualdades regionais, corte de despesas obrigatórias para bancar as emendas e ilegalidade na contratação de obras, além de desvios constatados na ponta.>
"O Centrão ocupou um espaço no Orçamento com uma força tão bruta quanto uma barragem que rachou. Essa água escoada não volta", afirmou a procuradora Élida Graziane, do Ministério Público de Contas de São Paulo. "O ideal é declarar a inconstitucionalidade e devolver a atribuição de alocação de despesas ao Executivo, de forma planejada, no território nacional.">
Se não declarar a prática inconstitucional, o Supremo pode dar uma decisão que mantenha as emendas, exigindo transparência e critérios para sua distribuição. O risco, porém, é o governo e o Congresso driblarem a decisão, como ocorreu no ano passado. Em 2021, a ministra Rosa Weber chegou a suspender a liberação das emendas, mas autorizou os pagamentos após o compromisso da cúpula do Congresso de anunciar quem estava destinando os recursos. Mas nem todos os padrinhos políticos foram divulgados.>
Para o jurista Wallace Corbo, professor na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas Rio, o Supremo precisa impor regras de transparência e punições para suspender os pagamentos, caso a decisão não seja respeitada após o julgamento. "Não basta latir e mostrar os dentes. Tem de morder. Hoje, só o Supremo derruba o orçamento secreto", disse.>
Existe, ainda, a possibilidade de um ministro do STF pedir vista (mais tempo para análise) durante o julgamento, adiando a decisão final. Caso isso ocorra, deputados e senadores ficariam liberados para manter as emendas intactas no Orçamento de 2022 e articular a aprovação dos recursos em uma PEC até o fim deste ano. Outra tentativa em curso é convencer os ministros do Supremo a aceitar o modelo, sob o argumento de que serão estabelecidas novas regras de transparência e equilíbrio na distribuição da verba.>
"O Supremo tem que acabar com o orçamento secreto na raiz, porque a raiz nada tem a ver com a necessidade de políticas públicas e do respeito ao planejamento do governo federal", afirmou Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Ela participou da elaboração de uma petição online pelo fim do orçamento secreto. O documento foi entregue ao STF com 200 mil assinaturas.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta