Publicado em 29 de março de 2021 às 15:28
- Atualizado há 5 anos
O Ministério Público Federal investiga supostas irregularidades nos preços pagos pelo Ministério da Saúde em contratos para a compra de máscaras durante a pandemia. Entre as máscaras do tipo cirúrgico, principal modelo escolhido, a variação chegou a 116%. Um segundo modelo comprado, a KN95, custou até 783% a mais.>
Todas as compras foram feitas com dispensa de licitação, em março e abril de 2020, sob legislação especial vigente desde fevereiro, com permissão para dispensa de concorrência na aquisição de insumos diante da emergência na saúde pública.>
Os seis contratos para compra de máscaras, assinados na gestão de Luiz Henrique Mandetta e defendidos nas gestões de Nelson Teich e Eduardo Pazuello, que as distribuíram, somaram R$ 765 milhões.>
O ministério afirmou que não houve questionamentos do MPF sobre os preços contratados e que foram comprados produtos distintos. As aquisições seguiram critérios como comprovação de aptidão para fornecimento e registro do produto pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), informa.>
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O procedimento do MPF em Brasília é o segundo que investiga atos do Ministério da Saúde relacionados à distribuição de máscaras na pandemia.>
O jornal Folha de S.Paulo revelou no dia 17 que a pasta distribuiu máscaras impróprias a profissionais que estão na linha de frente de combate à Covid-19, conforme avaliação da Anvisa em documento elaborado em 13 de janeiro.>
A distribuição do material é investigada em inquérito civil instaurado em 3 de fevereiro.>
Uma parte dessas máscaras foi interditada pela Anvisa, após a autoridade sanitária dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) suspender autorizações emergenciais diante da falta de eficiência mínima na filtragem de partículas.>
Outra parte foi escanteada pelos estados em razão da advertência "non-medical" nas embalagens. A máscara é do tipo KN95, fabricada na China.>
Uma fatia desse material, com inscrição "non-medical" na embalagem, foi fornecida pela Global Base Development HK Limited, uma empresa de Hong Kong representada no Brasil pela 356 Distribuidora, Importadora e Exportadora. O dono da distribuidora, Freddy Rabbat, atua no mercado de relógio de luxos suíços.>
O contrato foi o sexto assinado para a compra de máscaras pela pasta. Previu 200 milhões de máscaras do tipo cirúrgica descartável tripla, com três dobras, tira elástica, clipe nasal e "filtração de partículas mínimas de 95%", e 40 milhões de KN95.>
A primeira custou US$ 0,33, segundo contrato assinado em 8 de abril. Pela cotação do dólar no dia, saiu por R$ 1,69. A segunda custou US$ 1,65, ou R$ 8,48. Todo o contrato saiu por R$ 679 milhões.>
O MPF investiga as variações de valores nos contratos assinados pelo Ministério da Saúde. Todos eles tratam basicamente do mesmo tipo de máscara cirúrgica, mais a KN95.>
A partir da análise das especificações contidas nos contratos, especialistas ouvidos pela reportagem dizem que nenhuma dessas máscaras pode ser considerada EPI (equipamento de proteção individual) para profissionais de saúde.>
O primeiro contrato foi assinado em 10 de março de 2020, para a compra de 500 mil máscaras cirúrgicas. A BRT Medical forneceu o produto a um custo unitário de R$ 0,96.>
No mesmo dia, a Saúde assinou um contrato com a Farma Suply, para 1,5 milhão de máscaras semelhantes.>
O preço pago por produto foi de R$ 1,60. Oito dias depois, a empresa assinou mais um contrato com o ministério, para o fornecimento de 8 milhões de máscaras cirúrgicas. O preço cobrado, dessa vez, foi R$ 1,97 por peça.>
Uma terceira empresa, a Descarpack Descartáveis, foi contratada para fornecer 13 milhões de máscaras. No contrato de 12 de março, o custo individual saltou para R$ 2.>
No dia 27 do mesmo mês, a Aura Pharma fechou contrato para entregar 20 milhões de máscaras, a um custo individual de R$ 2,08.>
Em abril, foi a vez da empresa de Hong Kong, representada por uma distribuidora brasileira, fechar o contrato mais vultoso para a entrega de máscaras cirúrgicas e KN95.>
"Máscaras cirúrgicas não são consideradas EPIs. KN95 não é similar à N95 dos EUA. N95 e PFF2 são as indicadas para quem tem contato direto com pacientes de Covid-19", afirma Antônio Vladimir Vieira, químico, professor de especialização em saúde e segurança na USP (Universidade de São Paulo) e responsável por certificação de máscaras na Fundacentro por 32 anos.>
"Por essas descrições [presentes nos contratos], nenhuma dessas máscaras pode ser considerada EPI. A KN95 tem limitações ao se prender na orelha, e falta de certificação. E as máscaras cirúrgicas são mais simples", diz Vitor Mori, doutor em engenharia biomédica e integrante do Observatório Covid-19 Brasil.>
O secretário-executivo do Ministério da Saúde na gestão Pazuello, coronel Élcio Franco, já foi oficiado quatro vezes pelo MPF para explicar as variações de preços das máscaras.>
O MPF tenta pelo menos desde outubro conseguir uma cópia integral dos processos de compras. Um novo ofício foi enviado à pasta na última segunda-feira (22).>
Entre as explicações dadas até agora, o ministério afirmou que os preços oscilaram diante da "gigantesca demanda mundial" e do aumento das dificuldades nas negociações com fornecedores.>
Um despacho de área técnica da pasta chegou a afirmar que o preço da KN95 não ficou abaixo da média praticada no mercado nos primeiros cinco meses de 2020. Pelos documentos entregues ao MPF, porém, não fica claro se o valor ficou dentro ou acima da média. É este tipo de informação que os procuradores da República tentam obter para avançar nas investigações.>
Em nota, assinada pelos advogados Eduardo Diamantino e Fabio Tofic, a 356 Distribuidora afirmou que a Global Base foi selecionada conforme as exigências do edital e por apresentar menor preço e maior disponibilidade.>
"O modelo KN95 é um produto de qualidade superior e completamente diferente das conhecidas máscaras descartáveis triplas. É equivalente a outros respiradores como N95. Os produtos similares à KN95 custam em média de cinco a sete vezes o preço de uma máscara tripla", disse.>
As máscaras têm certificação aceita internacionalmente, tiveram resultado de eficácia na retenção de 95% de partículas e jamais foram proibidas por qualquer ato normativo, conforme a nota.>
"Na China, onde o produto é fabricado, o termo 'non-medical' se refere a inadequação apenas para uso cirúrgico.">
A Descarpack Descartáveis afirmou, em nota, que o governo chinês optou por restringir a produção local de máscaras apenas para consumo interno, o que dificultou o acesso.>
Dólar alto, necessidade de frete aéreo e exigência de pagamento antecipado encareceram o material, diz a empresa.>
Os R$ 2 cobrados por peça se aproximam do custo de aquisição, R$ 1,75, disse. O produto fornecido atende aos requisitos do edital e tem registro na Anvisa, com testes periódicos sobre eficiência, cita a nota.>
A Aura Pharma diz que a contratação foi feita no início da pandemia e que o Brasil não tinha capacidade produtiva, matéria-prima ou indústria preparada para a demanda. "Aproximadamente 95% dos EPIs são importados da China. O valor da máscara cirúrgica teve um aumento de mais de 2.000% da noite para o dia.">
Houve ainda alta dos custos de logística e risco de retenção de carga, diz a empresa. Sobre a qualidade, a Aura Pharma informou que o próprio governo chinês inspecionou os produtos e divulgou empresas autorizadas por eles.>
"Nossas máscaras atendiam às especificações do edital. Antes da importação, submetemos amostras ao ministério, que foram aprovadas.">
Os contatos fornecidos pela Farma Suply em seu site não funcionam. A reportagem deixou uma mensagem em rede social do proprietário.>
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