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Inep foi alertado por servidores de alteração indevida no gabarito do Enem

Inep foi alertado por servidores de alteração indevida no gabarito do Enem

Duas questões do Enem 2020 que abordavam o racismo tiveram as respostas corretas alteradas no gabarito divulgado pelo órgão

Publicado em 8 de fevereiro de 2021 às 08:32- Atualizado Data inválida

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Site do Enem
O Inep ignorou o alerta e só corrigiu o gabarito da prova do Enem um dia depois de tê-lo divulgado. (Carlos Alberto Silva)

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pela realização do Enem, foi alertado por servidores que o gabarito da prova deste ano sofreu alteração indevida após sua elaboração.

O instituto, no entanto, ignorou o alerta e só corrigiu o gabarito da prova um dia depois de tê-lo divulgado, após repercussão negativa nas redes sociais.

Duas questões do Enem 2020 que abordavam o racismo tiveram as respostas corretas alteradas no gabarito divulgado pelo órgão.

Com a alteração, uma das questões apontava como correta a alternativa que considerava a decisão de uma mulher negra de não querer alisar os cabelos como uma "postura de imaturidade". A pergunta foi elaborada tendo como resposta certa a que identificava o comportamento da mulher como "atitude de resistência".

Outra questão apontava que discriminação racial em sistemas de inteligência artificial, como buscas do Google, estaria relacionado à linguagem. A elaboração original da prova apontava a resposta certa como sendo o preconceito.

A Folha teve acesso a um documento enviado à Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb), área diretamente responsável pela elaboração da prova, em que os servidores alertam que o gabarito divulgado em 27 de janeiro tinha erros.

Segundo o documento, as respostas divulgadas como corretas não eram as que tinham sido apontadas pelos elaboradores das questões.

O ofício destaca que todas as questões usadas na prova passam antes por análise de professores especialistas e por pré-teste com alunos de escolas públicas e privadas. Em nenhuma dessas etapas, esses 2 itens foram considerados racistas porque apresentavam a resposta correta.

Também destacam que especialistas da área de linguagens avaliaram e revisaram as questões e o gabarito e não encontraram nenhum erro. A última revisão dos técnicos da área foi feita antes da prova ir para a gráfica.

"Os itens que compõem o Enem 2020 foram elaborados com os gabaritos corretamente publicados [até a alteração indevida], de modo que nunca exploraram qualquer abordagem preconceituosa e discriminatória", diz o ofício.

"Todos os itens foram concebidos em consonância com o compromisso social do exame, que fundamenta o aspecto técnico pedagógico da construção do Enem", continua.

O Inep divulgou o gabarito oficial da primeira aplicação do Enem 2020 na tarde de 27 de janeiro. No mesmo dia, alunos, professores, especialistas, entidades e políticos se mobilizaram nas redes sociais para denunciar a abordagem racista da prova diante do que consideravam respostas corretas nas duas questões sobre o assunto.

Foi apenas no dia 28 que o Inep divulgou uma nota em que informou ter identificado "inconsistência" no gabarito e alterou as alternativas consideradas corretas para as duas perguntas.

Servidores alertaram diretores do Inep sobre o erro no mesmo dia de publicação da primeira versão do gabarito. Eles pediam ainda que o órgão esclarecesse como e porquê houve a alteração indevida. O que não ocorreu.

O Inep informou apenas se tratar de uma "inconsistência" e informou que a modificação foi feita após o retorno das provas para o Inep. O órgão não explica porque os erros ocorreram exatamente em duas questões que tratavam sobre racismo.

Questionado sobre o documento e o alerta dos servidores, o Inep também não respondeu. Tampouco informou se apura quem seria responsável pela alteração no gabarito.

Desde o início do governo Jair Bolsonaro (sem partido), especialistas e servidores que elaboram o Enem temem por interferências na prova. O presidente em diversas ocasiões criticou o exame e chegou a dizer que, sob sua gestão, questões sobre alguns temas seriam barradas.

Bolsonaro já criticou em edições anteriores perguntas que abordavam racismo e homofobia. Neste ano, ele reclamou de uma questão que comparava os salários dos jogadores Marta e Neymar.

"Você vê as provas do Enem. O banco de questões do Enem não é do meu governo ainda, é de governos anteriores. Tem questões ali ridículas ainda, ridículas", disse Bolsonaro na ocasião.

Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, o Inep criou uma comissão para censura ideológica de temas no banco de itens, que agrupa as questões usadas nos exames federais. O Inep nunca divulgou quais temas e questões foram barrados.

A comissão vetou 66 perguntas que foram avaliadas como tendo "abordagens controversas" e "teor ofensivo". Os itens condenados estão, principalmente, nas áreas de ciências humanas e linguagens, 29 e 28 itens respectivamente. Outros 5 eram de ciências da natureza e 4, de matemática.

A criação da comissão veio a pedido de Bolsonaro, que antes acumula críticas, de teor ideológico, sobre questões do Enem. As duas edições do exame a cargo deste governo deixaram de contar, de forma inédita, com perguntas sobre a ditadura militar no Brasil (1964-1985), período marcado por restrições civis e tortura, mas elogiado e defendido por Bolsonaro e apoiadores.

Bolsonaro tem um discurso de minimização do racismo, problema que ele já disse que não existe no país.

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