Publicado em 20 de novembro de 2021 às 15:11
Ao se completarem 50 anos dos primeiros atos em comemoração ao 20 de novembro como Dia da Consciência Negra, a histórica Serra da Barriga, em União dos Palmares (AL), promove uma extensão programação especial em homenagem à data e a Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares.>
No local, há um parque memorial visitado por pessoas de todo o mundo. O dono desse parque é a Fundação Cultural Palmares, ligado ao Ministério do Turismo, mas a entidade decidiu mudar a atitude observada em outros anos. Ignora a data e não realiza nem apoia qualquer evento no município alagoano, a 80 km de Maceió.>
"Quando era o mês da Consciência Negra, a fundação sempre trazia atrações e ajudava o município com ações e grupos culturais. Neste ano não foi dado nada, apenas o parque vai estar aberto", diz a secretária de Cultura de União dos Palmares, Elizabete de Oliveira Silva, citando que o órgão vem apenas realizando a manutenção de rotina para o parque ficar aberto.>
Criado em 2007, no alto da Serra da Barriga (que ocupa uma área de 27,92 km²), o parque recria o ambiente da República dos Palmares. Foi lá o maior e mais organizado refúgio de negros das Américas durante o período escravocrata, abrigando também índios e brancos.>
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O local reconstitui as mais significativas edificações do Quilombo dos Palmares e teve Zumbi dos Palmares como seu último líder. Ele foi morto em 20 de novembro de 1695 - por isso a homenagem do Dia da Consciência Negra. Zumbi está inscrito no livro oficial de heróis da pátria desde 1996. Sua esposa, Dandara, também.>
O turismo étnico na região, além da importância histórica, é um dos motores da economia de União dos Palmares, por isso a cidade se esforça para a data não passar batida.>
No ano passado, devido à pandemia, as celebrações foram restritas e limitadas a 300 pessoas. Em 2021, sem restrições, as comemorações tentam ser um marco.>
"Acredito que as pessoas, nossos entes queridos, estão com sede de estar juntos. Como a gente viu que a fundação não ia participar dos eventos da semana do dia 20, procuramos parceiros e conseguimos: vamos fazer uma das melhores festas que já tivemos aqui, talvez nem sintamos tanta falta [da Palmares]", afirma Elizabete.>
Para aumentar o fluxo de visitantes, este ano a prefeitura criou um projeto com atração cultural aos domingos, para que as pessoas vejam o espetáculo da natureza e o pôr do sol no local. "No último domingo foram 800 pessoas, um sucesso", diz.>
Sem atos oficiais do governo federal, coube à prefeitura, ao estado e ao próprio movimento negro comandar uma grande programação em celebração ao Dia da Consciência Negra.>
As celebrações, por sinal, começaram bem antes. Há cinco anos, o grupo negro Anajô comanda o projeto "Vamos Subir a Serra". Neste ano, até como uma resposta ao descaso da Fundação Palmares à luta negra, ele teve sua programação ampliada de cinco para sete dias.>
"Nós fazemos essa ação dede 2017 como uma forma de participação da sociedade civil organizada. Neste ano estamos com uma programação extensa e bonita", afirma a jornalista Valdice Gomes, integrante do Anajô e coordenadora do projeto.>
Para ela, nada justifica o órgão federal criado para gerir as políticas afirmativas e inclusivas de negros e quilombolas esteja fora dessa data.>
"É lamentável e é um descaso com a Serra da Barriga e com a história do 20 de novembro, com o Dia da Consciência Negra. Como conhecemos o gestor que está na Palmares [Sergio Camargo], não é uma surpresa para o movimento negro. É mais uma demonstração de que ele não se preocupa com aquilo que é função da autarquia", diz.>
O meio século de atos da data existe porque, em 1971, um grupo de jovens negros se reuniu no centro de Porto Alegre para pesquisar a luta dos seus antepassados e questionar a legitimidade do 13 de maio (data da assinatura da Lei Áurea) como referência de celebração do povo negro.>
Em 2011, é oficialmente criado o Dia da Consciência Negra. Um projeto aprovado no Senado torna a data como feriado nacional, mas ainda não foi implementado.>
Para o ex-presidente da Fundação Palmares Erivaldo Silva, o Dia da Consciência Negra é um marco para os movimentos negros e vai além das fronteiras do Brasil.>
"Essa é a data maior do movimento negro no Brasil, diria até da América Latina, porque a Serra da Barriga foi tombada pelo patrimônio histórico do Mercosul. Então não é uma festa só do Brasil. E ela é um dia de reflexão e comemoração pelo herói nacional Zumbi dos Palmares", diz.>
Ele afirma que foi a partir da retomada da Serra da Barriga, na década de 1980, que a região cresceu em importância, sendo transformada em patrimônio histórico brasileiro nos anos 1990.>
"A gente iria transformar a serra em patrimônio da humanidade em 2018, mas infelizmente entrou esse governo, que não tem nenhum apreço pela cultura afro", diz.>
Silva afirma ainda que a atual gestão não representa o movimento negro e tem atuado no sentido contrário do que prega a fundação em sua essência.>
Procurada pela reportagem na quarta e na sexta-feira (19), a Fundação Palmares não deu resposta sobre o porquê do abandono à data histórica.>
O atual presidente da fundação, Sergio Camargo, já demonstrou não reconhecer Zumbi como um herói negro e fez até ofensas, no ano passado, ao maior líder negro do país, dizendo que ele é uma "fraude".>
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