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Trio vira réu por injúria racial após ataques a professor da Ufes

Trio vira réu por injúria racial após ataques a professor da Ufes

Denúncia feita pelo Ministério Público Estadual contra três pessoas foi recebida pela Justiça capixaba. Professor Gustavo Forde foi alvo de ataques racistas nas redes sociais após ter entrevista publicada em A Gazeta

Publicado em 19 de novembro de 2021 às 21:23

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Data: 06/11/2019 - ES - Vitória - Gustavo Forde, entrevistado sobre o mês da consciência negra - Editoria: Cidades
Gustavo Forde, professor da Ufes, foi alvo de ataques racistas nas redes sociais. (Vitor Jubini | Arquivo)

A Justiça capixaba recebeu, nesta semana, denúncia oferecida pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) referente ao caso de injúria racial contra o professor e doutor em Educação Gustavo Henrique Araújo Forde, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Ele foi alvo de ataques preconceituosos na internet após conceder entrevista para A Gazeta em abril de 2019.

A denúncia, recebida na terça-feira (16), é contra três apontados como autores do crime: Antônio Jacimar Pedroni, Kennedi Fabrício dos Santos e Wagner Rodrigues — apenas um deles reside no Estado. No documento, o MPES narrou que, no dia 28 de abril de 2019, o professor e doutor em Educação falou sobre o livro de sua autoria, intitulado "Vozes negras na história da educação: racismo, educação e Movimento Negro no Espírito Santo (1978-2002)", em matéria divulgada também nas redes sociais de A Gazeta. A partir de então, apareceram comentários julgando a aparência de Gustavo Forde, como o docente é conhecido.

Um dos comentários preconceituosos, segundo o Ministério Público, associava o cabelo de Gustavo Forde à falta de higiene. Outro, menosprezava intelectualmente o professor por ele ser negro. Por fim, um terceiro comentário sugeria que o autor da obra literária "voltasse para a África", mesmo sendo o docente notadamente brasileiro.

Diante dos fatos, o MPES pediu a condenação dos três suspeitos por injúria racial, com pena aumentada pela veiculação das ofensas nas redes sociais, já que o potencial lesivo se expande de forma incalculável por este meio.

Para o professor Gustavo Forde a iniciativa do Ministério Público e a decisão da Justiça de receber a denúncia trazem a sociedade à reflexão diante das desigualdades raciais reproduzidas cotidianamente.

"Essa ação penal é muito valiosa, pois pode contribuir para que toda a sociedade compreenda a dimensão do racismo institucional e estrutural. No Brasil, muitas vezes não se trata racismo como crime. Se é crime e não é tratado como crime, muitas vezes nem sendo acolhido no sistema judiciário, essa decisão, neste mês da Consciência Negra, é importante para destacar os limites do nosso sistema, no sentido de compreender o impacto do racismo nas instituições. Se fosse diferente, essa ação penal de agora nem deveria ser notícia. Quando precisamos repercutir o óbvio, é porque infelizmente não é tão óbvio assim. Tratar racismo como crime ainda não é uma prática instituída", explicou.

Aspas de citação

Naquele momento em que houve os comentários na internet, foi muito difícil, como é para qualquer pessoa que sofre violência. No meu caso, foi uma violência racial, que afetou não só a mim, mas toda a coletividade de pessoas negras – que se sentiu também agredida – por se tratar de uma agressão dirigida não ao Gustavo professor, mas ao fato de que quem estava ali era uma pessoa negra

Gustavo Henrique Araújo Forde
Professor da Ufes
Aspas de citação

André Moreira, um dos advogados de Gustavo Forde, afirmou que, com o recebimento da denúncia pela Justiça, foi ultrapassada uma primeira barreira. "As manifestações contra o professor, apesar de não terem citado de forma expressa a questão racial, são evidentes em relacionar as características da raça — em que me incluo — à sujeira, feiura e inferioridade. E a Justiça percebeu isso. Os racistas querem atingir uma categoria de pessoas por meio das características delas. O racismo no Brasil é, muitas vezes, disfarçado, não se assume, mas nega direitos fundamentais aos negros e negras. Essa denúncia do MP reconhece isso", disse.

O OUTRO LADO

Procurados pela reportagem de A Gazeta, os réus na ação penal Antônio Jacimar Pedroni e Wagner Rodrigues preferiram não se manifestar sobre o caso.

Já o autônomo Kennedi Fabrício dos Santos, morador do Paraná, afirmou que acredita ter agido pautado na liberdade de expressão e disse que não teve a intenção de ofender o professor. "Eu fiz um comentário em uma postagem pública, acessível a todos, inclusive para críticas. Mas não me dirigi à pessoa do professor em si. O meu comentário foi dizendo que não me admira o nível dos nossos estudantes, já que, pelo conteúdo do livro dele, acredito que fez militância e um professor universitário deve ponderar o que ele prega. A questão racial tem servido mais para segregar do que para unir as pessoas. Talvez tenha sido um comentário infeliz, mas não era para levar para o lado pessoal, não mencionei cor em nenhum momento", disse.

O QUE DIZ O MOVIMENTO NEGRO

Para Luiz Carlos Oliveira, coordenador do Centro de Estudos da Cultura Negra (Cecun-ES), representante do Movimento Negro no Estado, no mês da Consciência Negra — a data é celebrada neste sábado (20) — o assunto merece o devido destaque. Ele comemorou a etapa de judicialização do caso.

“Ocorreu racismo no caso e já se vão dois anos. Esse é o primeiro passo após reuniões nossas, para o Movimento Negro entender melhor como se deu o processo. O professor Gustavo, doutor da Ufes, deu entrevista e, imediatamente, foi atacado por três pessoas com racismo explícito, ao nosso ver. Basicamente porque é negro e usa 'dread' no cabelo", disse o coordenador do Cecun.

O coordenador do Cecun-ES afirmou que o caso chamou atenção por afrontar a sociedade, majoritariamente composta, no Brasil, por pessoas negras. "Da divulgação da obra, entendemos que o professor está conscientizando a sociedade, dando autoestima às crianças. Dentro de uma estrutura branca que é a universidade, ter um professor negro falando da sua trajetória e do movimento, da história da luta negra no Estado: isso tudo causou indignação em três pessoas. São 400 anos de trabalho escravo. Esse é o Brasil", finalizou.

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