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É falso que 52 municípios zeraram o número de mortes por Covid-19 ao adotarem o chamado "tratamento precoce"

É falso que 52 municípios zeraram o número de mortes por Covid-19 ao adotarem o chamado "tratamento precoce"

Os números epidemiológicos das cidades listadas desmentem o boato. Além disso, as substâncias hidroxicloroquina e ivermectina não têm eficácia comprovada como tratamento da Covid-19 e a conexão com a queda no número de casos é insustentável

Publicado em 29 de abril de 2021 às 20:02

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É falso que municípios tenham zerado o número de mortes por covid-19 ao adotarem protocolos de tratamento com hidroxicloroquina e ivermectina
É falso que municípios tenham zerado o número de mortes por Covid-19 ao adotarem tratamento com hidroxicloroquina e ivermectina. (Reprodução/Comprova)

Conteúdo verificado: Mensagem distribuída por WhatsApp e também publicada no Twitter afirma que 52 cidades no Brasil zeraram o número de óbitos por covid graças ao tratamento precoce com ivermectina e hidroxicloroquina

É falso que 52 municípios zeraram o número de mortes por Covid-19 ao adotarem o chamado ‘tratamento precoce’ com hidroxicloroquina e ivermectina contra a covid-19, como sugerem mensagens nas redes sociais. Um levantamento do Comprova com dados do site SUSanalítico mostra que quase todas as cidades citadas registraram notificações de óbitos no mês de março.

Os benefícios das duas drogas não foram comprovados por pesquisas científicas confiáveis. A Organização Mundial da Saúde e outras entidades desaconselham o uso dos medicamentos para o tratamento da covid-19, em qualquer estágio da infecção. Além disso, conforme especialistas consultados pelo Comprova, a conexão entre o tratamento precoce e supostas quedas nos números de óbitos nas cidades é insustentável, uma vez que outros fatores influenciam os índices epidemiológicos.

Essa verificação foi sugerida por leitores que receberam o conteúdo por WhatsApp. O mesmo conteúdo foi publicado no Twitter pelo perfil @DerlinRod. O Comprova tentou ouvir o autor dessa postagem, mas ele não respondeu até o fechamento da verificação.

COMO VERIFICAMOS?

Para verificar o conteúdo, o Comprova acessou os dados da plataforma SUSanálitico, do Ministério da Saúde. A pesquisa coletou informações sobre os óbitos por covid-19 acumulados de cada um dos municípios mencionados até a data de referência do dia 15 de abril, a população estimada das cidades e a taxa de mortes por 100 mil habitantes.

Também aplicamos um filtro para comparar os números de óbitos registrados no dia 31 de março com as estatísticas do dia 1º de março. Isso permitiu à reportagem conferir a evolução das ocorrências durante aquele mês.

É importante ressaltar que o SUSanalítico informa a data de notificação dos óbitos, e não o dia exato em que ocorreram. Os dados da plataforma apresentam números distintos dos boletins epidemiológicos das prefeituras. Essa diferença, entretanto, não impacta no resultado da verificação ou na classificação do conteúdo, conforme verificado individualmente pelo Comprova.

Como os números desmentem a publicação, o Comprova não checou, de cidade a cidade, se elas usaram algum protocolo de tratamento precoce como política de atendimento para a covid-19.

Após o levantamento, o Comprova consultou dois especialistas na área de epidemiologia para entender se a associação do tratamento precoce com supostas quedas nos números epidemiológicos de cidades é válida.

Marcio Sommer Bittencourt, do Centro de Pesquisa de Epidemiologia do Hospital Universitário da USP, e Airton Stein, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), no entanto, argumentam que os apontamentos do post não se sustentam.

Também contactamos o autor de uma postagem com o mesmo conteúdo no Twitter, que não respondeu até o fechamento da matéria.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 21 de abril de 2021.

VERIFICAÇÃO

A mensagem enganosa menciona 51 cidades de diferentes proporções populacionais. O município de Uberaba (MG) é repetido duas vezes, nas numerações 15 e 31. O conteúdo ainda menciona uma cidade chamada Taquara, no Paraná, mas a região não configura oficialmente um município.

A publicação analisada pelo Comprova foi compartilhada no Twitter no dia 5 de abril. Um levantamento da reportagem com dados da plataforma SUSanalítico mostra que, no mês de março, somente os municípios de São Pedro dos Crentes (MA), Rancho Queimado (SC) e São Pedro do Paraná (PR) não registraram notificações de óbitos por covid-19. As três cidades somam pouco menos de 10 mil habitantes.

Na outra ponta, Natal (RN), com população estimada em 884 mil habitantes, lidera o ranking com 385 notificações, seguida por Cascavel (PR) e Chapecó (SC), com 244 e 230, respectivamente. No município gaúcho de Taquara, que também consta da lista, o total de óbitos acumulados quase dobrou. A cidade registrava, em 1º de março, 67 óbitos e fechou o mês com 132 ocorrências acumuladas.

Além disso, até o dia 15 de abril, mais de 20 dos municípios listados apresentavam uma taxa de mortes de covid por 100 mil habitantes superior à média nacional de 178, segundo o SUSanalítico. É o caso de Itajubá (MG). Com cerca de 97 mil habitantes, a cidade mineira contabilizava 304 óbitos, aproximadamente 314 vítimas por 100 mil habitantes.

CONEXÃO INSUSTENTÁVEL

Além de citar medicamentos sem eficácia comprovada para a Covid-19, a associação do uso do tratamento precoce com os números epidemiológicos não é correta, de acordo com especialistas ouvidos pelo Comprova.

O médico Márcio Sommer Bittencourt, do Centro de Epidemiologia do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, destaca que outros fatores podem interferir nos números epidemiológicos de uma cidade, desde medidas de restrições adotadas para combater a pandemia até as características da população de cada município.

Bittencourt explica que não é possível aferir o impacto do tratamento precoce nas cidades sem um estudo controlado que compare um grupo de pacientes medicados com o protocolo contra um grupo de controle robusto – isto é, pacientes que não recebem os remédios, mas estão sob as mesmas condições do grupo de medicados. Ainda assim, o estudo teria limitações.

“Além das cidades não terem reduzido o número de mortes para nada substancial, elas podem estar em momentos de queda nas curvas por outras intervenções, que é o caso de Chapecó (SC), onde isso é muito claro”, destaca o médico. A cidade catarinense promoveu um lockdown parcial durante o mês de fevereiro.

O método adequado para gerar evidências confiáveis acerca da eficácia de um medicamento corresponde aos estudos clínicos randomizados, defende Airton Stein, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e médico de família e comunidade do Grupo Hospitalar Conceição.

Ele destaca que esse tipo de trabalho estabelece grupos de controle e critérios de seleção para inibir possíveis fatores que possam confundir a análise dos resultados, o que não ocorre nas experiências clínicas individuais de médicos ou na análise proposta na mensagem enganosa. Stein ressalta que até mesmo as desigualdades nos sistemas de saúde poderiam “ser um fator de confusão”.

“Quando a cidade tem um serviço de saúde que funciona, acesso a tecnologia para atender casos graves e fatores socioeconômicos melhores, os indicadores podem ser mais positivos.” diz o especialista.

AS EVIDÊNCIAS DA CLOROQUINA E IVERMECTINA

Até o momento, não há evidências confiáveis que confirmem a eficácia do uso da hidroxicloroquina ou ivermectina no tratamento da Covid-19, em qualquer estágio da doença. O painel de evidências da Organização Mundial da Saúde desaconselha a aplicação dos dois tratamentos no combate à infecção do novo coronavírus.

No caso da ivermectina, a entidade diz que os benefícios e a segurança do tratamento permanecem incertos, ao passo que os dados disponíveis de estudos clínicos com a droga no contexto da Covid-19 têm um nível de confiança baixo. A Agência Europeia de Medicamentos também apresenta uma posição semelhante.

Os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), por sua vez, afirmam que há dados insuficientes para estabelecer uma recomendação a favor ou contra o uso da ivermectina no tratamento da covid-19. A Food and Drugs Administration, órgão regulatório do país, alerta que a automedicação com o vermífugo é perigosa.

Já os tratamentos com cloroquina e a hidroxicloroquina são fortemente desaconselhados pelo painel da OMS. De acordo com o documento, evidências de nível de confiança moderado mostram que ambas substâncias “provavelmente não reduzem a mortalidade, ventilação mecânica e o tempo de hospitalização”.

Além disso, há preocupações em torno da segurança. Segundo a entidade, algumas evidências mostram que os remédios podem, na verdade, aumentar o risco de morte. “Os efeitos em outros resultados menos importantes, incluindo o tempo de resolução de sintomas, admissão hospitalar e o período de ventilação mecânica, seguem incertos”, diz o painel.

O NIH desaconselha o uso da hidroxicloroquina isolada ou com outros medicamentos em pacientes hospitalizados com a covid-19. A organização também é contra a aplicação do tratamento para pacientes não hospitalizados fora de estudos clínicos.

POR QUE INVESTIGAMOS?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia que tenham obtido grande alcance nas redes sociais e em aplicativos de mensagens. O conteúdo analisado aqui foi sugerido via WhatsApp por leitores do Comprova e alcançou 544 interações no Twitter até o dia 21 de abril de 2021. A mensagem promove desinformação ao espalhar o boato falso de que mais de 50 municípios teriam zerado o número de óbitos, graças ao uso de protocolos com ivermectina e hidroxicloroquina. As duas substâncias não têm eficácia e segurança comprovada no tratamento da covid-19, tampouco podem ser relacionadas com a queda de números epidemiológicos dos municípios citados no post. O tratamento precoce já foi alvo de uma série de verificações do nosso projeto.

O boato é potencialmente perigoso porque pode confundir usuários e gerar uma falsa sensação de segurança de que esses medicamentos podem proteger pacientes na pandemia, quando não há evidências confiáveis de que eles realmente funcionem. A desinformação também pode atrapalhar gestores públicos na consolidação de políticas públicas efetivas para combater a crise sanitária.

Uma verificação da Agência Lupa a respeito do mesmo boato indica que o conteúdo falso também circula por grupos de WhatsApp. O Aos Fatos e o projeto Fato ou Fake, do G1, desmentiram uma mensagem semelhante, com parte dos municípios listados, que viralizou na plataforma de mensagens.

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Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

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