Publicado em 26 de setembro de 2021 às 13:30
Conteúdo verificado: Postagem no Twitter mostra imagens de gráficos e matéria do jornal indiano Hindustan Times afirmando que 33 distritos do estado de Uttar Pradesh estão livres da covid-19. Ainda neste tuíte, a autora menciona que neste estado foi distribuído “um remedinho para verme”, fazendo alusão ao vermífugo ivermectina. No entanto, na matéria do jornal indiano não é feita nenhuma relação entre a diminuição das mortes e o uso do remédio, apenas a vacinação é mencionada na matéria.
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É enganosa uma postagem no Twitter que sugere que a ivermectina seria responsável pela queda do número de casos e mortes por covid-19 no estado de Uttar Pradesh, na Índia. Embora autoridades locais de saúde tenham adotado um protocolo com o medicamento, os potenciais benefícios clínicos e preventivos do remédio ainda não foram comprovados em estudos científicos bem estruturados. >
Segundo especialistas consultados pelo Comprova, isso faz com que a associação do vermífugo ao declínio da transmissão do coronavírus no estado indiano seja uma “falácia”. Afinal, outros aspectos epidemiológicos podem ter influenciado no quadro da pandemia em Uttar Pradesh.>
Com mais de 2 mil interações no Twitter, a postagem enganosa mostra uma matéria publicada em 10 de setembro no jornal Hindustan Times. O artigo cita que 33 distritos de Uttar Pradesh não registravam casos ativos de covid-19 naquela data e ressalta o avanço da vacinação no país. Não há qualquer menção à ivermectina ou outras substâncias, além dos imunizantes contra a doença.>
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A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras agências sanitárias do mundo não aconselham ou se posicionam contrárias ao uso do medicamento fora de ensaios clínicos. Justamente porque faltam evidências confiáveis, de estudos adequados, para definir se a ivermectina traz algum benefício a pacientes com covid.>
A reportagem do Comprova questionou o Ministério da Saúde da Índia e com o Governo de Uttar Pradesh sobre a distribuição do vermífugo para a população, mas até a publicação desta matéria não teve retorno.>
O Comprova considerou a postagem enganosa pois é um conteúdo que usa dados imprecisos, já que a matéria citada no tuíte não menciona o uso do vermífugo ao relatar a diminuição de casos e mortes de covid-19.>
O Comprova realizou uma busca reversa no Google para localizar as imagens do tuíte verificado. Depois disso, buscou matérias em portais de notícias da Índia sobre a situação da pandemia, a vacinação e a distribuição de ivermectina no país (aqui, aqui, aqui e aqui).>
Também conversou com o médico infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) André Siqueira e com o médico e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia Julival Ribeiro. O Comprova também contatou a International Fact-Checking Network (IFCN), para auxiliar na busca por matérias que atualizassem a distribuição da ivermectina na Índia.>
Além disso, entrou em contato com o Ministério da Saúde da Índia e com o Governo da Uttar Pradesh, via e-mail, mas não recebeu retorno até o fechamento deste material. A reportagem do Comprova não conseguiu entrar em contato com a autora do tuíte, já que não é possível enviar mensagem direta no em seu perfil no Twitter.>
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de setembro de 2021.>
Os gráficos sobre a vacinação apresentados na publicação verificada foram extraídos do Google. A plataforma de buscas digitais compila dados coletados pela Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, que tem sido uma referência de informações epidemiológicas sobre a pandemia.>
Segundo país mais populoso do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes, a Índia bateu recordes de infectados e mortos por covid-19 em maio e junho deste ano. Essas marcas foram responsáveis pelo colapso no sistema hospitalar do país. O país asiático acumula 445.385 mortes em decorrência da doença, de acordo com levantamento do governo indiano.>
Depois de sofrer duras críticas pela posição adotada no enfrentamento à pandemia, o governo da Índia iniciou em junho uma campanha nacional e gratuita para a vacinação de todos os adultos. Desde então, a média de doses aplicadas diariamente tem sido positiva no país, que chegou a bater o recorde de 10 milhões de doses aplicadas em um único dia. O primeiro-ministro do país, Narendra Modi, comemorou em uma rede social o número atingido.>
Atualmente, cerca de 45% da população indiana já foi vacinada contra a covid-19, sendo 16% totalmente vacinada e 29% vacinada parcialmente, com apenas uma dose, de acordo com o Our World in Data.>
Até o momento, Uttar Pradesh é o estado que mais vacinou pessoas na Índia. Dados disponibilizados pelo governo mostram que mais de 97 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 47% da população do estado, já foram vacinadas com ao menos uma dose da vacina, enquanto mais de 17 milhões estão com o esquema vacinal completo.>
Em Uttar Pradesh, mais precisamente na cidade de Agra, está localizado o Taj Mahal.>
A curva de infecções em Uttar Pradesh ganhou tração em abril de 2021, atingiu um pico de mais de 30 mil casos diários no final do mesmo mês, até recuar a um patamar de menos de 200 registros diários a partir de junho. Os dados do estado são usados de forma inadequada para defender o uso da ivermectina contra a covid-19 porque autoridades locais aplicaram um protocolo medicamentoso com a substância.>
Desde 2020 a Índia possui um protocolo para o uso da ivermectina – bem como a hidroxicloroquina – no tratamento de pacientes com covid-19. O medicamento, que é indicado para doenças parasitárias, foi amplamente distribuído pelos distritos do estado de Uttar Pradesh. Apesar de não ter obtido resposta das autoridades sanitárias e governamentais da Índia, a reportagem do Comprova listou em ordem cronológica as autorizações ao uso da ivermectina para o combate a covid-19 no país, de acordo com a mídia internacional.>
Apesar da ampla divulgação da ivermectina como tratamento profilático no estado de Uttar Pradesh, o próprio governo indiano descreve o vermífugo como uma “terapia baseada na baixa certeza de evidência” em documento disponibilizado pelo Conselho Indiano de Pesquisa Médica, órgão que aconselha as decisões do governo sobre a pandemia. >
Para o médico infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), André Siqueira, a análise compartilhada na postagem é uma “falácia epidemiológica”. Ele explica que até o momento as principais evidências científicas indicam que a ivermectina não traz nenhum benefício clínico para pacientes com covid ou na prevenção da doença.>
“Diversos fatores que não foram controlados podem estar relacionados. Não é possível dizer que foi o uso da ivermectina”, aponta o especialista.>
Siqueira cita que a evolução dos dados da pandemia no estado indiano poderia sofrer a interferência de medidas restritivas de circulação ou mesmo da imunidade adquirida pelas pessoas infectadas e já recuperadas, cuja duração ainda é incerta para a ciência.>
O estado de Uttar Pradesh instituiu lockdowns para conter a pandemia entre abril e junho de 2021, mostra esta matéria do India Today. Outras reportagens mostram que, em setembro, autoridades flexibilizaram um toque de recolher vigente no estado e relaxaram restrições a números de convidados em casamentos.>
O médico e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Julival Ribeiro, concorda que a associação do número de casos com um suposto efeito da ivermectina é insustentável. De acordo com ele, a forma adequada para avaliar os benefícios e segurança de um medicamento é por meio de ensaios clínicos randomizados duplo cego.>
Neste tipo de estudo, voluntários são divididos em dois grupos: o primeiro recebe a terapia com o medicamento avaliado na pesquisa, o outro é submetido ao protocolo padrão ou recebe placebo (substância sem efeito). Os pesquisadores aplicam uma série de técnicas para minimizar ao máximo a possibilidade de fatores externos influenciarem nos resultados.>
Eles estabelecem critérios rigorosos para selecionar pacientes, com o intuito de garantir que os voluntários presentes nos dois grupos tenham características mais similares possíveis. Nos estudos ‘duplo-cego’, nem pacientes, nem os médicos que aplicam o tratamento sabem quem tomou o medicamento e quem recebeu placebo.>
“Não há indicação para uso da ivermectina contra a covid. O que sabemos é que quando você aumenta a cobertura de vacinação há um efeito na redução de hospitalizações e mortes pela doença”, destaca Julival Ribeiro.>
Estudos laboratoriais com ivermectina mostraram um potencial efeito do fármaco contra o novo coronavírus em células animais. Como explicou o Comprova em verificações anteriores, os resultados observados nesse tipo de teste nem sempre são confirmados em ensaios clínicos com pacientes. Isso porque o organismo humano é muito mais complexo e envolve condições que não podem ser reproduzidas no laboratório.>
No decorrer da pandemia, surgiram evidências contra e a favor de protocolos com a droga no tratamento da covid, mas as pesquisas conduzidas até o momento sofrem de limitações metodológicas que impedem os resultados conclusivos. Uma pesquisa que sugeriu resultados milagrosos da ivermectina contra a covid, por exemplo, foi retirada de uma plataforma de pré-publicação sob acusações de manipulação de dados pelos autores.>
O painel de evidências dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos (NIH) diz não recomendar contra nem a favor do uso do remédio. De acordo com o órgão, são necessários mais dados de ensaios clínicos bem conduzidos e estruturados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também afirma que as evidências são inconclusivas.>
Até que mais informações estejam disponíveis, a entidade recomenda que o tratamento seja usado exclusivamente em ensaios clínicos. Também não há qualquer orientação para uso da droga de forma preventiva.>
Julival Ribeiro destaca que um estudo recente indicou que a ivermectina não demonstrou capacidade de reduzir mortes ou tempo de hospitalização de pacientes com covid moderada. O especialista lembra que uma pesquisa ainda em andamento conduzida pela Universidade de Oxford deve fornecer dados sólidos sobre a questão.>
O mesmo estudo já testou a eficácia de outros tratamentos para covid e não encontrou, por exemplo, benefícios do antibiótico azitromicina. Ribeiro alerta que a automedicação com ivermectina pode ser perigosa.>
“Temos relatos de pessoas que tiveram problemas hepáticos [no fígado] por uso contínuo do medicamento”, alerta o especialista.>
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O tuíte verificado aqui teve mais de 2,8 mil interações entre curtidas e retuítes.>
Conteúdos que induzem o público a desacreditar na eficácia das vacinas ou incentivar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.>
Assim como o Comprova que já verificou posts que mostram que estudo é insuficiente para comprovar eficácia da ivermectina, veículos como o Aos Fatos e o Estadão também verificaram publicações sobre o vermífugo.>
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