Publicado em 31 de março de 2021 às 08:02
- Atualizado há 5 anos
Pela primeira vez, quem assume o comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública é um ministro ligado à segurança e não à Justiça. Com a nomeação do delegado federal Anderson Torres, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta rearticular a base policial que tem ameaçado deixar de apoiar seu governo.>
Nas últimas semanas, duas fortes associações de policiais, a UPB ( União dos Policiais do Brasil) e a OPB (Ordem dos Policiais do Brasil), divulgaram notas criticando a gestão bolsonarista.>
A principal reclamação da categoria é a aprovação da PEC Emergencial pelo Congresso, com protocolos de contenção de despesas públicas e medidas em caso de descumprimento do teto de gastos, como contrapartida para o auxílio emergencial. O que, na prática, impede o aumento de salários dos policiais.>
"Ao encaminhar um projeto chantagista ao Congresso e ao determinar a rejeição de destaque que visava a evitar danos substanciais aos profissionais de segurança pública, atuantes na linha de frente no combate à pandemia, o governo federal demonstrou que não cumpre e nem pretende cumprir as promessas de valorização dessas categorias", afirmaram, se colocando em "estado de alerta e mobilização permanente".>
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Quem ficou em alerta com a iniciativa foi o Palácio do Planalto.>
Para Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o que muda com o novo ministro é que ele atuou nos bastidores do Congresso e conhece bem o ecossistema das associações e as demandas dos policiais.>
"Ele vai assumir para si a agenda da segurança pública e alinhar a pauta do Bolsonaro com a do associativismo, porque isso desestabilizou o governo", afirmou.>
O delegado, define Sérgio de Lima, é "conservador, polêmico, ligado ao presidente, não nos iludamos. Mas é pragmático, fazedor". Para ele, pode ser uma virada de chave nas prioridades da pasta, que passaria a se concentrar na área da segurança.>
Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, o ministro também deve pressionar o Congresso para votar pautas com apelo entre os bolsonaristas, como redução da maioridade penal, excludente de ilicitude, revogação ou flexibilização do Estatuto do Desarmamento, regras mais rígidas para a progressão de regime e ampliação do limite de pena.>
Na trajetória como delegado, Torres atuou em ações voltadas ao combate às organizações criminosas e à repressão ao tráfico internacional de drogas. Participou de investigações em conjunto com adidos de outros países em missão no Brasil e tem experiência em ciência policial, investigação criminal e inteligência estratégica.>
Mas também passou grande parte da carreira como chefe de gabinete do ex-deputado federal Fernando Francischini (PSL-PR), bolsonarista de primeira hora. Assim, se aproximou de congressistas da chamada "bancada da bala", um dos grupos de sustentação do governo Bolsonaro no Legislativo e que defende armar a população como política de segurança pública.>
Para Arthur Trindade, professor da UnB (Universidade de Brasília) e ex-secretário da Segurança do DF, a posse do novo ministro nesta terça-feira (30) é "a bancada da bala que chegou lá". "Não sabemos mais do que isso, do que ele vai fazer lá, se tem plano, política pública para a área", disse.>
No entanto, em nota conjunta endereçada a Bolsonaro, os deputados da bancada da bala e de 11 entidades representativas de profissionais da segurança criticaram a nomeação.>
O grupo afirma que, enquanto foi secretário de Segurança Pública do governo do Distrito Federal e chefe de gabinete, Torres teve uma "atuação parcial".>
"Neste sensível momento de crise que o país e o mundo se encontram, a busca de uma gestão harmoniosa, valorizando inclusive as categorias que sempre estiveram em Vossa base de apoiamento, se faz uma medida necessária para a prevalência da boa ordem, e a busca do progresso", afirma trecho da nota.>
O deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), presidente da Frente Parlamentar da Segurança na Câmara e um dos líderes da bancada, disse que a indicação do delegado para o cargo não partiu da frente, que não foi consultada.>
Já a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), onde Torres foi diretor de assuntos legislativos, e a Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol) elogiaram o novo ministro.>
"O delegado Anderson Torres reúne as qualidades necessárias para ocupar o cargo", afirmaram. "A experiência e conhecimento amealhado à frente de uma das principais secretarias de Segurança do país certamente ajudarão o novo ministro a alcançar também na área federal bons resultados, por meio de coordenação efetiva entre os membros da federação e com a adoção de medidas que fortaleçam e garantam a atuação republicana das instituições de Estado.">
Torres é próximo ao ex-secretário-geral da Presidência Jorge Oliveira, nomeado por Bolsonaro para o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), e do ex-deputado federal Alberto Fraga, além de ter cultivado relações pessoais com os filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).>
No final de 2019, chegou a ser cotado para assumir o comando da Polícia Federal no lugar de Maurício Valeixo, pivô da demissão de Sergio Moro, mas teve o nome vetado pelo então ministro.>
Desde o início daquele ano, o delegado exaltava os baixos números de homicídios sob sua gestão na pasta estadual da Segurança do DF, sem mencionar que o índice já vinha caindo há oito anos.>
Ele também bateu bumbo quando os policiais do DF ganharam um aumento de até 25%, mas o valor foi uma promessa cumprida de Bolsonaro para os agentes, que já eram os mais bem pagos do país.>
Torres vai assumir a pasta sem um grande legado deixado por André Mendonça, seu antecessor. O agora ex-ministro comemorou aumento das apreensões de drogas e bens do tráfico no ano passado, além de execução orçamentária recorde do Fundo Nacional da Segurança, mas, na prática, o país não viu cair os índices de criminalidade.>
Ao contrário, os homicídios cresceram mesmo em meio ao isolamento social imposto pela pandemia, depois de uma sequência de quedas.>
"Apreensão de drogas é mais do mesmo, obrigação e enxugar gelo. Ele assumiu um discurso, mas de prateleira. Não cobrou aos Estados o envio dos planos estaduais de segurança, como contrapartida do recebimento de recursos, nem entrou em discussões sobre governança, integração ou valorização do policial", afirmou Sérgio de Lima.>
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