Publicado em 6 de agosto de 2023 às 18:44
Os jovens brasileiros com idades entre 16 e 24 anos estão entre os mais afetados por problemas de saúde mental, resultando em consequências como baixa autoestima, isolamento social e até conflitos familiares.>
O dado faz parte do Panorama da Saúde Mental, ferramenta de monitoramento criada pelo Instituto Cactus, entidade filantrópica, em parceria com a AtlasIntel, empresa de tecnologia especializada em inteligência de dados.>
Divulgado na sexta-feira (4), o estudo foi feito por questionário online e cerca de 44% dos respondentes são da Região Sudeste do Brasil. >
De acordo com Luciana Barrancos, gerente executiva do Instituto Cactus, no caso do recorte específico de dados sobre jovens, o objetivo do levantamento é permitir identificar comportamentos, hábitos e preocupações associados à saúde mental, que são singulares desse grupo, colaborando para a criação de soluções de acordo com as necessidades. >
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“Sabemos que adolescência é um período de grandes transformações sociais, de formação de identidade e descobertas sexuais.”>
Barrancos aponta também que mais estudos são necessários para avaliar a correlação entre as descobertas do Panorama sobre como mudanças no comportamento são impactadas pela saúde mental. >
Ao responder perguntas sobre confiança, vitalidade e foco, os 2.248 participantes do estudo - 18.7% deles jovens (cerca de 400 pessoas) - marcaram pontuações de 0 a mil no iCASM (índice Cactus-Atlas de Saúde Mental), um índice criado para expressar de forma numérica algumas das múltiplas dimensões que impactam positiva e negativamente a saúde mental dos indivíduos.>
No caso deste grupo específico de 16 a 24 anos, o valor do iCASM foi de 534 pontos, abaixo da média nacional (635) e o menor índice dentro da categoria “idade”. >
Além da idade, os respondentes também foram divididos por fatores como localização, renda, religião, ocupação e raça.>
“Pela parcela de 43,8% dos respondentes do Sudeste e questionário online - o que o limita à pessoas que tenham acesso à internet, não é possível, com esses dados, desenhar uma análise nacional. Isso é algo que nos falta, não há nenhum estudo completo sobre a saúde mental dos jovens brasileiros até agora”, avalia Guilherme V. Polanczyk, professor de psiquiatria da infância e adolescência da Faculdade de Medicina da USP. >
Os dados mais recentes apontam que questões relacionadas à uma má saúde mental afetaram diretamente a vida dos adolescentes e jovens adultos entrevistados.>
A maioria (78%) relatou ter se sentido feio ou pouco atraente ao menos uma vez nas últimas duas semanas anteriores à data da coleta. Destes, a maioria (73%) também relatou se sentir pouco inteligente e quase metade (45%) afirmou não ter saído com amigos no período. >
O estudo avalia que as percepções estão associadas a questões importantes de saúde mental, já que aqueles que aqueles que reportaram baixa autoestima também demonstraram baixo interesse e prazer nas atividades do dia a dia (80%), e a sensação de cansaço e a falta de energia (90%). Além disso, uma parcela indicou ter brigado com seus familiares no período indicado (70%). >
Os jovens entrevistados também fazem mais uso de psicoterapia do que a média dos outros grupos (7,6% contra 5,1%), e utilizam menos medicamentos de uso contínuo (9,4% contra 16,6%). A pesquisa não avaliou se uma parcela maior precisaria da intervenção medicamentosa. >
Um estudo anterior do Instituto Cactus, feito em 2021, aponta que 50% das condições de saúde mental começam até os 14 anos de idade e 75% até os 24 anos. >
A cearense Rafaella Rosado, 24, que sofre com problemas relacionados à saúde mental há 10 anos, se enquadra nesta estatística. >
“Aos 14, os problemas eram relacionados à questões da minha cidade natal, relacionamentos na escola… Com o tempo, virou o vestibular, a mudança de cidade, mercado de trabalho - uma pressão maior. Não acho que nós [brasileiros], em geral, somos bem preparados para lidar com essa transição”, diz. >
Na experiência dela, a escola foi o local onde aprendeu a se comparar com colegas - algo que, com o tempo, se intensificou e afetou sua autoestima. >
“Não quero ser clichê dizendo isso, mas é verdade: esse sentimento de ‘ficar para trás’ foi impulsionado pelas redes sociais, onde vemos pessoas viajando, com casas maravilhosas, sempre sendo felizes… E acabamos nos comparando o tempo todo, pensando ‘e eu trancada em um apartamento’. Dá uma sensação de insuficiência”.>
Rafaella, que foi demitida de uma empresa de comunicação recentemente, diz ter tido um exemplo claro de como o sentimento é comum entre pessoas da sua faixa etária conversando com uma colega na mesma situação.>
“Ela me disse: ‘precisamos fazer carreira agora’. É um sentimento de que, se não fizermos as coisas exatamente no momento que estamos, vamos estragar o resto da nossa vida.”>
O estudo não focou em questões que podem ter prejudicado a saúde mental dos jovens, mas, de acordo com o psiquiatra Guilherme V. Polanczyk, há algumas possibilidades levantadas globalmente que poderiam ocorrer também no território brasileiro.>
“Há estudos na Europa com amostras representativas de países que vêm mostrando, desde 2012, aumento de taxas de depressão e solidão entre jovens. As hipóteses que se levantam passam por razões sociais e culturais amplas, entrando em questões de ambiente digital, mundo cada vez mais polarizado e intolerância em questões como sexualidade e raça.”>
Na América Latina, segundo as estimativas mais recentes do Unicef (braço da ONU para a infância), quase 16 milhões de jovens entre 10 e 19 anos têm algum transtorno mental. Isso equivale a cerca de 15% das pessoas dessa faixa etária.>
“Não há uma resposta única e nada focado especificamente no Brasil, mas observamos uma tendência mundial de piora, para a qual ainda são levantadas várias hipóteses.”>
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