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É administrador, mestrando em Sociologia Política e subsecretário de Direitos Humanos do Estado do Espírito Santo.

Somos todos cidadãos? Uma reflexão sobre a vida nas cidades

Cuidar da sociedade pela visão municipalista é uma escolha política, e não faltam casos pelo mundo onde se obteve sucesso nesse modelo

  • Rafael Primo É administrador, mestrando em Sociologia Política e subsecretário de Direitos Humanos do Estado do Espírito Santo.
Publicado em 20/02/2024 às 15h39

O que significa justiça social para você? O dia 20 de fevereiro foi escolhido pela ONU como o Dia Mundial da Justiça Social, e a data suscita diversas reflexões. É através do fortalecimento das democracias e eficácia das políticas públicas que se enfrentam os males sociais (pobreza, fome, discriminações diversas).

Quando se pensa no desenho dessas soluções, o governo federal é quem dá as cartas; contudo, grande parte dessas políticas são geridas por instâncias estaduais e municipais. Como as pessoas vivem nas cidades, vamos apontar nossa lupa para esse recorte.

Etimologicamente, as palavras cidade, cidadão, e cidadania partem de um mesmo radical, e nelas estão os conceitos da garantia de direitos, acesso às políticas de maneira igualitária e equivalente à necessidade, bem como a inclusão no seu sentido mais amplo.

Não é falso afirmar que, na sociedade ocidental moderna e democrática, cidade é coletivo de cidadãos com amplo acesso à sua cidadania. As administrações municipais devem consolidar todo o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), bem como proteger os direitos adquiridos, inclusive os determinados pela Constituição Federal de 1988 - ainda que em papel fiscalizador e consultivo -, e tornam-se ferramentas condutoras das políticas de distribuição de renda e inclusão social.

Ainda que conceitualmente a cidade deva contemplar tais garantias cidadãs, na realidade a condensação urbana brasileira aponta para o inverso do desejado, se mostrando palco de desigualdades econômicas e sociais das mais profundas em todo o mundo. O Brasil ocupa a segunda pior distribuição de renda do mundo (segundo dados da ONU de 2019), com 28% da renda do país concentrado na mão de 1% da população, resultando em cidades com segregação espacial, fortalecimento de guetos e a ausência estatal e de políticas públicas, o que gera um sistema de isolamento e emudecimento social que se retroalimenta continuamente, onde os mais pobres perdem o direito de pedir socorro, podando expectativa de romper essa realidade, e aprisionando aqueles que se percebem incapazes de se incluir nas dignidades e garantias fundamentais.

Nos bolsões de pobreza das cidades, um dos pontos mais críticos é a falta de moradia digna. Curiosamente, em muitas cidades brasileiras, existem mais imóveis vazios do que pessoas sem moradia ou vivendo em condições precárias. Apesar dessa constatação, pouco se fala sobre o IPTU Progressivo como uma ferramenta específica de financiamento para políticas nessa área.

O acesso precário à educação, a falta de creches e o transporte público insuficiente, juntamente com a falta de respeito para com essas pessoas, tornam o sonho da mobilidade social um objetivo distante. Infelizmente, os mais necessitados são exatamente aqueles que não conseguem acessar as políticas de transformação social de curto prazo.

De acordo com um apontamento do IBGE realizado em 2020, cerca de 14 milhões de brasileiros vivem em extrema pobreza, sendo a maioria deles abandonada nos centros urbanos do país.

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Pobreza nas cidades. Crédito: Arquivo/Agência Brasil

Os dados nos apresentam uma realidade de descumprimento da Constituição Federal em vários níveis, fazendo com que aqueles que nascem sem acesso às suas garantias não possam exigi-las, perpetuando um modelo de abandonados emudecidos. Tamanho abandono impacta de maneira contundente um dos pontos mais críticos da vida urbana, que é a violência, onde o crime organizado muitas vezes ocupa o lugar do estado, impondo seus mandos e desmandos, onde o famélico se propõe ao crime de furto e roubo como meio de suprir suas necessidades básicas. Inicia-se, assim, um processo de “enxugamento de gelo” do sistema de segurança pública, que superlota o sistema carcerário e não muda a realidade imposta nem ameniza indicadores de violência.

O desenho social brasileiro é generoso com as garantias cidadãs, mas distante da realidade em sua aplicação, e observar estrategicamente as cidades de maneira isolada e integrada às suas regiões pode garantir uma leitura e planejamento de políticas mais eficazes, inclusive mitigando diferenças regionais que também se agravam há algumas décadas. Cuidar da sociedade pela visão municipalista é uma escolha política, e não faltam casos pelo mundo onde se obteve sucesso nesse modelo.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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