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Sobre o pedágio: justiça urbana e respeito a quem vive ao redor da BR 101

Com o avanço da duplicação e o aumento da velocidade média dos veículos que circulam pela BR 101, bairros de Viana cortados pela rodovia — como Betânia, Soteco, Bom Pastor, Marcílio de Noronha, Universal, Primavera e Canaã — passaram a conviver com riscos diários

  • Paulo Brandão É bacharel em Filosofia
Publicado em 30/07/2025 às 10h30

No artigo “Pedágio da BR 101: vilão ou aliado?”, publicado em A Gazeta, discute-se de forma equilibrada a importância da cobrança de pedágio como instrumento para garantir a conservação das rodovias, a segurança viária e a oferta de serviços aos motoristas. O texto destaca que as concessões têm permitido melhorias significativas em vários trechos da BR 101, como duplicações, pavimentação de qualidade, socorro mecânico e atendimento emergencial.

Essa visão, em boa parte, é legítima. O pedágio, de fato, viabiliza a modernização das estradas e a presença de serviços essenciais. No entanto, essa narrativa revela uma falha estrutural e social quando se observa a situação de cidades como Viana, na Grande Vitória, onde a BR 101 corta o município ao meio e afeta diretamente mais de 80 mil moradores. A pergunta que precisa ser feita é simples: a rodovia federal está servindo apenas aos motoristas ou também às pessoas que vivem ao seu redor?

Com o avanço da duplicação e o aumento da velocidade média dos veículos que circulam pela BR 101, principalmente carretas e automóveis, os bairros cortados pela rodovia — como Betânia, Soteco, Bom Pastor, Marcílio de Noronha, Universal, Primavera e Canaã — passaram a conviver com riscos diários, mobilidade comprometida e infraestrutura urbana negligenciada.

O pedágio, ao ser cobrado, assume o papel de contrato de prestação de serviço. Mas esse serviço precisa alcançar quem mora ao lado da pista, e não apenas quem passa por ela. Atualmente, faltam passarelas em pontos estratégicos, calçadas acessíveis, ciclovias seguras e abrigos de ônibus com cobertura, iluminação e segurança.

Pedestres e ciclistas se arriscam entre faixas de rolagem sem sinalização, enfrentando um fluxo intenso de veículos pesados. Pessoas com deficiência enfrentam a ausência total de acessibilidade nos pontos de travessia. Os alagamentos no Km 298, que se agravaram após as obras, são reflexo da falta de planejamento de drenagem urbana nos trechos duplicados.

A cobrança de pedágio, nesse contexto, precisa ser compreendida como mais do que uma relação entre empresa e motorista. Trata-se de um pacto social que envolve o território, as comunidades e a dignidade urbana. Se a rodovia federal cruza áreas densamente habitadas, ela precisa ser pensada não apenas como corredor logístico, mas também como parte da cidade. Isso exige mudanças na mentalidade dos gestores públicos, da ANTT e da própria concessionária Ecovias 101.

É preciso garantir que os recursos arrecadados com o pedágio retornem também em forma de urbanização, acessibilidade e segurança para quem mora nas margens da BR. Isso significa instalar novas passarelas em locais de grande circulação, criar ciclovias conectadas com os bairros, resolver os problemas de drenagem, iluminar as marginais e construir pontos de ônibus dignos para quem depende do transporte público. Não se trata de luxo, mas de respeito à vida urbana.

Motociclista e pedestre morrem em acidente na BR 101 em Viana
Motociclista e pedestre morrem em acidente na BR 101 em Viana. Crédito: Daniel Marçal

Além das obras de engenharia, é indispensável a presença do controle social, com a participação da população local na fiscalização e no acompanhamento dos investimentos. É urgente que se garantam espaços permanentes de escuta da sociedade civil, com audiências públicas regionais, conselhos populares de usuários e relatórios acessíveis sobre o que está sendo feito com o dinheiro do pedágio.

O artigo de A Gazeta apresenta um olhar técnico sobre os benefícios da concessão e a legitimidade da cobrança. Mas esse olhar precisa ser ampliado. O pedágio não é apenas uma taxa por quilômetro rodado — é um instrumento público de transformação territorial. E, nesse sentido, ele só será verdadeiramente eficaz se contribuir para melhorar também a qualidade de vida das pessoas que vivem à margem da estrada, e não apenas das que passam por ela em alta velocidade. A BR 101 não pode continuar sendo uma barreira. Ela precisa ser ponte. E o pedágio, que financia essa estrada, deve ser o elo entre o progresso e a justiça urbana.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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