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É promotora de Justiça, doutora em Direito Público – UERJ

Segurança pública: não temos mais o direito de errar

A tragédia no Rio expõe o esgotamento das velhas táticas e exige integração real entre instituições para enfrentar o crime de forma inteligente e contínua

  • Maria Clara Mendonça Perim É promotora de Justiça, doutora em Direito Público – UERJ
Publicado em 03/11/2025 às 18h21

megaoperação policial no Rio de Janeiro, nos complexos do Alemão e da Penha, exige uma resposta urgente das instituições do país. A crise da violência que aflige o Brasil há décadas não pode mais ser enfrentada com atuações apenas emergenciais e reativas ou com discursos ideológicos. É preciso reconhecer a dimensão dos desafios e assumir posturas racionais, organizadas e efetivas para transformar a realidade. Nós não temos mais o direito de errar.

O debate sobre a segurança pública e o enfrentamento da crise atual exige articulação nacional e regional e, também, a integração entre as forças de todas as instâncias administrativas, com planejamento e financiamento permanente. Operações pontuais não darão as respostas necessárias.

O que está claro nos últimos dias são os limites de uma forma tradicional de fazer segurança pública frente ao novo cenário de criminalidade organizada. Não basta repetir as mesmas receitas, baseadas em ações fragmentadas que não integram todo o sistema e deixam variados pontos cegos.

Megaoperação no Rio
Megaoperação no Rio de Janeiro. Crédito: EGBERTO RAS/Agencia Enquadrar/Folhapress

Diante do novo quadro, os vetores negativos da crise da violência devem ser diagnosticados por todas as instituições, incluindo governos, polícias, Judiciário e Ministério Público. O Ministério Público, em especial, precisa assumir protagonismo estratégico na agenda da segurança pública, exercendo, de forma expressiva, a sua posição constitucional de condutor da persecução criminal das organizações criminosas, de ponta a ponta.

Nessa direção, há um bloco de investimentos que podem ser ampliados, a exemplo da realização da contínua e progressiva qualificação das investigações e processos criminais, com inteligência jurídica e forense, sobretudo no que se refere a atividades financeiras suspeitas, mediante o rastreamento de lavagem de dinheiro e o bloqueio de ativos do crime organizado, asfixiando seu poder econômico e limitando o seu avanço para a economia formal, sem depender quase que exclusivamente de operações nas comunidades, com cerco e confronto. Esse é apenas um exemplo. Há muito a se fazer.

É preciso dizer, expressamente, que as energias de investimento institucional para melhorar a atuação criminal precisam incluir recursos humanos, equipamentos e tecnologias que sejam direcionados a todas as promotorias de justiça criminais e não apenas às unidades especializadas como os Gaecos – Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – que, embora extremamente relevantes, não possuem braços suficientes para dar conta do desafio.

Para além do Ministério Público, é um caminho sem volta o de mobilizar uma frente articulada institucional, na qual polícias militares, civis, federais, guardas municipais – e o próprio Ministério Público – atuem de forma ainda mais integrada, com troca de inteligência, fluxo de informação contínuo e ações alinhadas. As redes existem, mas precisam ser mais abrangentes para incluir todos os atores e estabelecer metodologias e estruturas funcionais eficazes de comunicação e ação na base das operações: batalhões de polícia, delegacias e promotorias de justiça fazem parte desse sistema. Não é mais concebível que cada instituição funcione em silo ou em concorrência, ou que tratemos esse problema apenas à luz de medidas que voltam o olhar para as ações altamente especializadas e de cúpula.

Podemos aproveitar a inteligência criminal, com coleta, análise e disseminação de informações sobre atividades criminosas, incluindo cooperação internacional a partir de uma série de portas de entrada. Também é importante integrar as guardas municipais como atores legítimos das forças de segurança, com atribuições claramente delimitadas, complementares às polícias, sobretudo em questões de prevenção, patrulhamento comunitário, presença visível e estabilizadora em territórios vulneráveis.

Os recursos públicos são limitados, mas a urgência não admite atrasos. Todas as instituições e forças de segurança devem identificar e priorizar os focos de maior risco de expansão, como os territórios visados pelas facções, redes de financiamento do crime, logística armada e narcotráfico.

O debate sobre a segurança pública deve ser conduzido como uma Política, com “P” maiúsculo, como dizia Joaquim Nabuco. Penso que devemos evitar que os extremos nos impeçam de visualizar soluções com racionalidade. A operação no Rio funciona como um alarme. Além das dezenas de mortos, o episódio revela território abandonado, segurança pública descontínua, instituições desalinhadas, violência que se naturaliza há tempos e comunidades com direitos sucessivamente violados, antes, durante e depois dos confrontos. Por tudo, não temos mais o direito de errar, nem o de adiar. É hora de agir. E agir bem.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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