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É economista, editora de anuários sobre finanças municipais, dentre eles “Multi Cidades – Finanças dos Municípios do Brasil” e “g100 – Municípios Populosos com Baixa Receita Per Capita e Alta Vulnerabilidade Social”, diretora da Aequus Consultoria Econômica e Sistemas

Reforma tributária: municípios perdem autonomia na arrecadação que mais cresce no país

Para as cidades com mais de 500 mil habitantes, o imposto representa cerca de 20% de toda a sua receita corrente. Para aqueles com população de 200 mil a 500 mil moradores, a importância é de 11%, em média.

  • Tânia Villela É economista, editora de anuários sobre finanças municipais, dentre eles “Multi Cidades – Finanças dos Municípios do Brasil” e “g100 – Municípios Populosos com Baixa Receita Per Capita e Alta Vulnerabilidade Social”, diretora da Aequus Consultoria Econômica e Sistemas
Publicado em 06/07/2023 às 14h46

A grande preocupação que muitos prefeitos em todo o país veem manifestando quanto à proposta de reforma tributária justifica-se quando se observa a importância do ISS para os municípios, sejam eles os mais populosos ou os de menor porte. Entre outras medidas, o projeto constante no substitutivo da PEC 45/2019 apresentado ao Congresso Nacional pelo relator, deputado federal Aguinaldo Ribeiro, em 22 de junho de 2023, propõe unir o ICMS, de competência dos estados, e o ISS, dos municípios, num único tributo chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja arrecadação será repartida entre estados e municípios.

O IBS, imposto que incidirá sobre o valor agregado (tipo IVA), assim como já é o ICMS, trará prejuízos financeiros e políticos aos municípios de todos os tamanhos populacionais, ferindo profundamente o pacto federativo, uma vez que os municípios passarão a depender quase que inteiramente dos repasses federais e estaduais e da problemática divisão da receita do novo IBS, como será visto adiante.

A prevalecer essa proposta, os municípios deixarão de ter autonomia na arrecadação do tributo que mais cresce no Brasil e que possui grande importância em seus orçamentos. Para as cidades com mais de 500 mil habitantes, o imposto representa cerca de 20% de toda a sua receita corrente. Para aqueles com população de 200 mil a 500 mil moradores, a importância do ISS é de 11%, em média.

Já as cidades de menor porte, que nos últimos têm registrado um ritmo de crescimento na receita de ISS superior ao demais grupos de municípios, deixarão de usufruir desse potencial. As questões relacionadas à implementação, gestão e repartição do IBS ficarão sob a responsabilidade de um Conselho Federativo formado por estados e municípios.

De acordo com Alberto Macedo em seu recente livro sobre a reforma tributária, “um modelo em que se pretende aglutinar, num conselho federativo, estados e municípios, deixa os municípios, invariavelmente, à mercê do poder dos estados, por conta da possibilidade de cooptação de municípios pelos respectivos estados, gerando dependência pragmático-política.”

O autor alega que a concentração do poder nas mãos da União e dos estados poderá aniquilar os interesses municipais, o que fere o equilíbrio federativo. Para ele e outros profissionais do direito constitucional a instituição de um conselho tal como descrito na proposta é inconstitucional, uma vez que afronta a cláusula pétrea da Constituição Federal (art.60, § 4º, I, CF/88) onde se lê que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado”.

 Tal Conselho Federativo seria, na verdade, uma aberração federativa, uma vez que teria grandes poderes como os de interferir na fixação das alíquotas do IBS (até o momento indefinidas), na repartição das receitas entre estados e municípios, na definição dos regimes especiais, na edição de normas, etc.

Câmara dos Deputados, Arthur Lira, plenário
Plenário da Câmara dos Deputados. Crédito: Lula Marques/Agência Brasil

Aos enormes conflitos federativos que já emergem da atual proposta de reforma tributária se aliam ainda outros problemas dela decorrentes. O modelo tributário projetado é demasiadamente complexo, levará tempo excessivo para sua implementação completa, resultará em aumento de carga tributária conforme diversos estudos já apontaram, causará prejuízos às empresas optantes pelo Simples Nacional, elevará consideravelmente os contenciosos judiciais em razão dos inúmeros regimes especiais que estão sendo delineados, mais contenciosos serão produzidos pelo simples fato de a reforma ser profundamente disruptiva, ou seja, pretende-se instalar um sistema completamente novo no lugar do que já existe, e alterará drasticamente os preços relativos na economia ao elevar as alíquotas do setor serviços, com impactos deletérios e imprevisíveis para a economia e para as pessoas, especialmente as de menor renda.

Por que, então, os municípios abririam mão de sua já limitada autonomia financeira para uma junção de tributos que não levaria à simplificação do sistema tributário e tão pouco beneficiaria a economia? Não há nem sequer evidências comprovadas de que tal reforma venha a induzir o crescimento econômico no país como previsto pelos seus defensores.

Um dos grandes problemas do nosso sistema tributário é a litigiosidade em torno de créditos tributários que chegou a mais de R$ 3 trilhões e que se concentram no ICMS. Essa questão pode ser resolvida aprimorando-se o próprio ICMS por meio de legislação complementar e resoluções. Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 42% dos empresários pesquisados atribuem ao ICMS os maiores impactos negativos sobre a competitividade.

Portanto, não é necessário transformar o ISS num imposto complexo e custoso para o fisco e para os contribuintes como é o ICMS, nosso atual IVA. A cumulatividade do ISS, como já apontada em diversos estudos, não é prejudicial à economia. Sua simplicidade e baixa alíquota compensam em muito a sua cumulatividade.

Ademais, o ISS é o imposto mais adequado para a nova economia digital que se expande a passos largos pelo mundo. Tanto é que diversos países que possuem IVA, estão instituindo sua Digital Service Tax, imposto sobre o faturamento, nos mesmos moldes do nosso ISS, para tributar as big tech.3O substitutivo da PEC 45 parte de premissas equivocadas quando tenta fazer crer que a solução para a simplificação dos tributos sobre consumo seria a unificação de impostos aos moldes do IVA de alguns países que nem federações são e que, quando o são, diferem profundamente do nosso modelo federativo.

Entre países federados, tem-se os Estados Unidos, por exemplo, que não possuem IVA e não o desejam. Na Índia, outra federação, a adoção do IVA a partir de 2017 tem gerado problemas de harmonização das regras tributárias que poderão levar à reformulação do sistema recentemente adotado e trazer prejuízos políticos para o governo que o implementou.

No Brasil, o IBS, além de não ser a saída para os nossos problemas, trará “resultados catastróficos em termos de informalidade, sonegação e custos aumentados para o consumidor”, desnecessariamente. 

Uma proposta alternativa, baseada em outras premissas de simplificação, foi criada pelo movimento Simplifica Já e foi protocolada no Congresso Nacional como PEC 46, em 2022, pelo senador Oriovisto Guimarães. Essa PEC se mostrou mais cautelosa, coerente e focada nas reais demandas da sociedade por simplificação e por manutenção da carga tributária, sem que seja necessário unir ICMS e ISS. Em linhas gerais, ela prevê:

  1. Aperfeiçoamento do ICMS através da uniformização das 27 legislações estaduais (IVA estadual), criação de cadastro único de contribuintes, aprimoramento da não-cumulatividade e sistema nacional integrado de emissão de nota eletrônica que calculará o valor do ICMS a pagar, livrando o contribuinte do risco de receber multas a cada apuração. O sistema fará a distribuição automática entre os estados envolvidos em cada operação. A gestão será feita por um Comitê Gestor dos Estados. Haverá a possibilidade um determinado número de alíquotas e uma transição para a tributação preponderantemente no destino definida pelo Senado Federal por resolução. Não haverá a necessidade de fundos de compensações ou de transições complexas. 
  2. Aperfeiçoamento do ISS através da uniformização das legislações municipais. A Nota Fiscal de Serviços Eletrônica Nacional (NFS-e Nacional) já criada e em uso por mais de 500 prefeituras, será implantada em todos os municípios. A arrecadação será compartilhada entre os municípios de destino e de origem. A NFS-e Nacional simplifica a vida do prestador de serviços, uma vez que calcula o ISS consolidado a ser pago e reparte automaticamente a arrecadação para os respectivos municípios envolvidos nas operações do contribuinte.
  3. Redução dos encargos da folha de pagamento para todos os setores, sem perda de arrecadação. As empresas que mais empregam e com maiores médias salariais terão alíquotas reduzidas, haverá contribuição dos marketplaces por meio de uma pequena alíquota que incidirá sobre a comissão das empresas prestadoras de serviços digitais e outras medidas que ficarão à cargo de leis complementares.

Desta forma, a PEC 46 não embute em si fatores de conflitos entre os entes federados e nem entre indústria, serviços, comércio e agricultura. Não causa impactos imprevisíveis sobre a economia e o sobre o poder de compra das pessoas e reduz drasticamente as situações que geram a maior parte dos litígios judiciais. A PEC 46 não menciona os tributos federais, mas a proposta do movimento Simplifica Já é que a União promova a unificação de seus tributos e contribuições por meio de leis complementares.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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