A Emenda Constitucional nº 132 lançou os alicerces da reforma tributária. O Projeto de Lei Complementar nº 214 levantou as paredes desse novo edifício fiscal. Já o Projeto de Lei Complementar nº 108, recentemente aprovado pela Câmara, trouxe a estrutura do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Sem dúvida, trata-se de um passo fundamental. Mas é preciso deixar claro: ele não encerra a tarefa de regulamentação. Se novas normas não forem editadas para dar segurança jurídica, o que hoje se vende como simplificação pode se transformar em uma verdadeira torre de Babel tributária.
O PLP 108 acerta ao criar o Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), órgão independente, com poderes para normatizar, arrecadar, distribuir receitas e julgar contenciosos administrativos. Essa centralização tem um mérito inegável: acaba com a fragmentação que vigorava sob o ISS e o ICMS, em que cada município e estado criava suas próprias regras, gerando insegurança, burocracia e a famigerada “guerra fiscal”. Ao unificar a interpretação da legislação, o Comitê possibilita maior previsibilidade para empresas e contribuintes.
Outro ponto de destaque é a mudança da lógica arrecadatória. O IBS será recolhido no destino e não mais na origem, como acontecia em boa parte dos tributos atuais. O PLP 108 regulamenta a forma de compensação e de distribuição dessa receita entre os entes federativos, criando um sistema que busca neutralizar distorções e garantir que o imposto seja revertido para o local de consumo. Essa alteração é mais do que técnica: é política e federativa, pois exige a construção de novos mecanismos de cooperação entre os entes.
O projeto também inovou ao instituir a Unidade Padrão Fiscal do IBS (UPF/IBS), um indexador fixado inicialmente em R$ 200, atualizado mensalmente pelo IPCA. Essa referência padroniza multas e valores mínimos, evitando a defasagem que historicamente corroeu a eficácia de penalidades tributárias. Por outro lado, esse mecanismo aumenta o rigor do sistema, já que elimina a “atenuação” inflacionária de sanções.
Apesar dos avanços, o debate não está encerrado. Ainda existem pontos cruciais que dependem de regulamentação para garantir a efetividade da reforma. O primeiro é o operacional do cashback, que precisa definir claramente os beneficiários, os meios de devolução e os mecanismos de controle contra fraudes. O segundo é o operacional do split payment, que exige integração tecnológica entre bancos, fintechs e órgãos arrecadatórios, algo ainda em construção. O terceiro é a manualização das obrigações acessórias, pois a simplificação só se materializará se houver uniformidade de sistemas e procedimentos entre União, Estados e Municípios. Por fim, a própria governança do CG-IBS ainda precisa ser melhor detalhada, para assegurar representatividade, eficiência e transparência no exercício de seus amplos poderes.
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Em resumo, o PLP 108 é peça-chave na engrenagem da reforma tributária. Representa avanço ao unificar regras, extinguir a guerra fiscal e criar uma lógica de arrecadação mais justa. Contudo, não é o ponto final. O Brasil precisa de uma sequência de regulamentações que consolidem a reforma e garantam previsibilidade. Caso contrário, o que nasceu como promessa de simplificação pode se converter em um labirinto normativo — a tal torre de Babel tributária que devemos evitar.
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