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Quando tudo for privatizado, seremos privados de tudo

Erra quem acredita que o Brasil pode sobreviver sem a Petrobras. Diminuir seu tamanho também não fará o país ser maior

  • Etory Feller Sperandio
Publicado em 05/02/2021 às 10h00
Petrobras
Petrobras: a atual gestão da empresa pretende vender metade do seu parque de refino. Crédito: Reuters/Folhapress

A máxima do título pode parecer exagerada, contudo, o contexto atual exige uma reflexão mais aprofundada sobre os acontecimentos, em especial com o expressivo aumento dos combustíveis, nos últimos anos. Atingindo preços nunca antes imaginados pelos brasileiros, a gasolina e o gás de cozinha têm se tornado vilões do orçamento daqueles que ainda podem usufruir desses itens.

Outra parte da população já cozinha com lenha ou anda a pé. Lançados à miséria e privados do consumo, tornam-se símbolo do retrocesso que toma conta do país, retrato de uma política na contramão do progresso e avessa ao desenvolvimento humano.

Contrariando a própria lógica do mercado, onde a diversidade de concorrentes seria o melhor caminho para reduzir preços e estimular a qualidade dos produtos ou serviços, a atual gestão da Petrobras vendeu duas de suas subsidiárias mais estratégicas: a BR Distribuidora e a Liquigás. São duas importantes empresas a menos em um setor já com poucos personagens.

Não bastasse o contrassenso do desfazimento desses negócios por parte da Petrobras, estimulada pelo governo federal, seus espólios foram estranhamente devorados por empresas que já dominam esse setor. Sem concorrência ou freios por parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), também sob gestão do governo federal, os preços têm subido descontroladamente nas mãos de monopólios privados.

Agora, deparamos com um golpe ainda mais contundente contra a Petrobras. Estimulada pelo Ministério da Economia, a atual gestão da empresa pretende vender metade do seu parque de refino. Parece loucura e é! Ninguém sabe o desfecho do negócio, mas o final da história é bem conhecido: o Brasil aumentará sua dependência externa, perderá o controle dos preços e engrossará, ainda mais, as filas de desempregados pelo país. Isso sem contar com a formação de monopólios regionais nos locais onde essas refinarias estão.

A outra parte da escalada dos preços dos combustíveis se confunde com a adoção do Preço de Paridade de Importação (PPI), iniciada em 2016, pela Petrobras. Em uma manobra visivelmente duvidosa, a cotação dos preços tornou-se dependente do valor internacional do Brent, da cotação do dólar, das taxas de importação, do custo do frete, dos impostos e dos lucros pretendidos pelas importadoras de combustíveis. Ora, se grande parte do petróleo e dos derivados consumidos aqui são produzidos em nosso próprio país, por que essa política? Era o preço das mudanças no Planalto.

E a tragédia nacional não acaba por aí. Nesse mesmo período, as refinarias da Petrobras reduziram sua eficiência, propositalmente, para algo próximo de 70%. Assim, o mercado nacional foi inundado de derivados importados. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), em 2015, a importação de gasolina não ultrapassava o volume de 120 mil metros cúbicos.

Dados de 2019 mostram uma importação de quase 5 milhões de metros cúbicos. Com condições tão favoráveis, os importadores não perderam tempo. E os consumidores, espantados, viam os dígitos nas bombas subirem cada vez mais depressa.

A lógica do “privatiza tudo” é fundada apenas no lucro de curto prazo. Não existe compromisso com o desenvolvimento nem com o país. Aliás, o mercado de refino, gás e combustíveis é aberto para quem tem o genuíno interesse em investir. Não é preciso dilapidar as estatais para isso.

Se o serviço público se mostra ineficiente, como propagam aos ventos os neoliberais, as empresas privadas deveriam provar que podem fazer diferente. No entanto, se valem dos despojos das empresas públicas para conquistar algum feito.

Erra quem acredita que o Brasil pode sobreviver sem a Petrobras. Diminuir seu tamanho também não fará o país ser maior. Nem sequer avançar. Neste Brasil, onde falta confiança para investir e sobra apetite para pilhar, é preciso parar a espremedura das empresas públicas. Sem elas, corremos o sério risco de ficarmos privados de tudo.

O autor é geofísico da Petrobras e diretor de Comunicação do Sindipetro-ES

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