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É advogado tributarista, mestre em Direito Tributário e sócio do escritório FurtadoNemer Advogados

Petróleo, gás natural e o planeta do Imposto Seletivo

A inclusão do setor de petróleo e gás no novo Imposto Seletivo deturpa o objetivo ambiental da norma e ameaça a competitividade energética do país

  • Samir Nemer É advogado tributarista, mestre em Direito Tributário e sócio do escritório FurtadoNemer Advogados
Publicado em 10/10/2025 às 14h00

A Emenda Constitucional n.º 132/2023, que promoveu a mais ampla reforma tributária do consumo no Brasil, introduziu relevantes avanços ao simplificar a tributação e substituir a multiplicidade de tributos por novos modelos, como o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Todavia, ao instituir o chamado Imposto Seletivo (IS), previsto no artigo 153, VIII, da Constituição Federal e no artigo 409 da Lei Complementar nº 214/2025, o legislador incorreu em grave equívoco ao incluir o setor de petróleo e gás em seu campo de incidência.

O IS foi concebido como tributo de natureza regulatória, com finalidade explícita de desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

O petróleo está mais presente em nossa vida do que pensamos (Imagem: xmentoys | Shutterstock)
Brasil figura entre os principais exportadores de petróleo bruto. Crédito: Xmentoys | Shutterstock

Essa diretriz está presente na própria redação constitucional e encontra respaldo na doutrina que reconhece seu caráter extrafiscal, voltado à proteção de bens jurídicos fundamentais, e não à mera arrecadação estatal. A inclusão da exploração e produção de petróleo e gás natural nessa hipótese destoa da finalidade regulatória e transforma o tributo em um instrumento arrecadatório disfarçado, em afronta ao princípio da razoabilidade.

Do ponto de vista econômico, a medida gera distorções relevantes. O setor de petróleo e gás já é submetido a uma carga tributária particularmente elevada, que alcança aproximadamente 70% do resultado econômico, quando se somam tributos e participações governamentais. Entre 2022 e 2031, a arrecadação projetada ultrapassa USD 620 bilhões, valor que demonstra o caráter central desse setor para o financiamento estatal. Nesse cenário, a instituição do IS eleva ainda mais o chamado government take, reduzindo a atratividade de investimentos e colocando o Brasil em desvantagem frente a outros países produtores de hidrocarbonetos.

Ademais, há risco de exportação de tributos, uma vez que o Brasil figura entre os principais exportadores de petróleo bruto. A incidência do IS sobre a extração implica repasse de custos ao mercado externo, diminuindo a competitividade do produto nacional e desincentivando exportações, em contrariedade ao texto constitucional, que veda a incidência do imposto sobre operações de exportação. A lógica de tributar a produção, e não o consumo, também afronta a própria teleologia do imposto, concebido para incidir sobre bens de consumo nocivo, não sobre insumos energéticos estratégicos.

No plano interno, os efeitos são igualmente deletérios. A elevação da carga tributária tende a repercutir em toda a cadeia produtiva, encarecendo derivados e energia, com impactos inflacionários sobre a indústria e sobre o consumidor. O caso do gás natural merece destaque: fonte energética de menor impacto ambiental e fundamental para a transição energética, o seu encarecimento representa contradição às políticas de descarbonização e de diversificação da matriz energética brasileira.

Petróleo e gás não são bens supérfluos ou nocivos, mas sim estratégicos para o desenvolvimento nacional. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu, em precedentes relativos a outros setores, que a tributação seletiva deve observar parâmetros de proporcionalidade e racionalidade regulatória. A extensão do IS a esse setor, portanto, extrapola a finalidade constitucional e pode ser entendida como inconstitucionalidade material.

Não há saída sustentável para o país pela via do populismo tributário e do desrespeito às regras constitucionais. Insistir em usar o setor de petróleo e gás apenas como fonte de arrecadação imediata é minar um dos pilares da economia brasileira, arriscando a perda de investimentos, empregos e soberania energética. Tal escolha pode conduzir o Brasil a um cenário de destruição de oportunidades, semelhante ao desfecho simbólico do clássico O Planeta dos Macacos (1968), quando Charlton Heston, ao encontrar a Estátua da Liberdade em ruínas, grita indignado: “eles conseguiram, destruíram tudo!”.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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